A série histórica do IPC mostra que o Brasil teve uma década
perdida no combate à corrupção, caindo 5 pontos e 25 posições no ranking, desde
2012, descendo da 69ª para a 94ª colocação.
O resultado não surpreende se considerada a destruição dos
instrumentos legais e institucionais anticorrupção, construídos ao longo de
décadas. Aliado à fragilização da capacidade de enfrentar a corrupção, o Brasil
sofreu ainda uma degradação sem precedentes de seu regime democrático.
Relembre-se que, nesse período, a sociedade brasileira, apática ou impotente, assistiu o desenrolar do maior esquema institucionalizado de corrupção já registrado no Brasil – o orçamento secreto –, quando cerca de R$ 54 bilhões foram colocados ilegalmente nas mãos dos aliados do ex-presidente Bolsonaro para ser aplicados com finalidades eleitorais.
Além de impactar o desenvolvimento das ações nas áreas da
educação, da saúde, da ciência, entre outras, esse esquema criminoso promoveu a
pulverização da corrupção nos municípios e a distorção do processo eleitoral,
degradando a democracia, fortalecendo partidos e lideranças mais fisiológicos e
corruptos da política brasileira.
O resultado maior almejado por esse esquema corrupto felizmente
não foi alcançado – a reeleição do ex-presidente Bolsonaro. E isso pode ser
considerado um milagre, diante do aparato montado para esse fim, envolvendo o
uso ilimitado de recursos públicos e de toda a máquina do Estado. Mas ele
resultou na desqualificada composição do atual parlamento, com o qual teremos
que conviver nos próximos quatro anos, com grandes dificuldades para avançar no
processo civilizatório.
Ninguém foi punido, nem surgiu na sociedade um sentimento de indignação.
Afinal, Bolsonaro e os “homens de bem” seus cúmplices são pró-sistema. E quem
defende o sistema sempre terá imunidade e uma estrutura de poder lhe apoiando.
Para combater a corrupção, temos que entender primeiramente que
ela não é causa da decadência, do fracasso do País, das mazelas sociais e da
desolação do povo, mas sim consequência da configuração do sistema de poder e
da estrutura das relações sociais e econômicas, estas sim reprodutoras das
desigualdades e de todos os problemas sociais. Mas o combate à corrupção pode
melhorar em muito a situação dos brasileiros.
Para mitigar a corrupção será necessário primeiro despertar na
população um sentimento cívico, um verdadeiro dever moral, de combatê-la.
E aqui, mais uma vez, nos deparamos com a falta de consciência,
social, política e econômica da maioria da população, incapaz de perceber os
malefícios que a corrupção acarreta, ao desviar recursos que poderiam ser
destinados a áreas essenciais da atuação do Estado, a exemplo da educação, da
saúde, da ciência, da tecnologia, do transporte e tantas outras.
Ao contrário, a sociedade brasileira, apesar da extensão da
corrupção em nosso meio, é passiva em relação a essa prática. Não há percepção
de que a diminuição da corrupção promoveria o crescimento econômico, geraria
mais empregos, diminuiria a desigualdade social e melhoraria a distribuição de
renda. Em grande parte os corruptos são vistos até como “espertos” e não
perigosos criminosos como verdadeiramente são. Eles chegam até a gozar de certa
simpatia popular.
A mídia em geral não promove o repúdio e um ataque generalizado à
corrupção. O que assistimos no Brasil são ataques seletivos, especialmente
direcionados a desmoralizar aqueles que minimamente lutam por melhorias e
avanços sociais. Alguns exemplos demonstram isso:
No escândalo do Mensalão os desvios de recursos para manutenção de
uma base de apoio ao governo Lula1 foram da ordem de R$ 102 milhões; vários
políticos foram presos. Para esse mesmo objetivo, Bolsonaro criou o orçamento
secreto, por meio do qual foram desviados cerca de R$ 54 bilhões; ninguém foi
preso. Dilma furou o teto de gastos para pagar programas sociais e sofreu impeachment.
Bolsonaro furou em muito o teto de gastos para financiar campanhas políticas.
Arthur Lira engavetou mais de 140 pedidos de impeachment e ele saiu do governo
ileso.
O atual governo do PT repete erros dos anteriores. Ao invés de
buscar apoio no poder da sociedade civil e nos movimentos sociais, preferiu se
apoiar nas alianças e nos acordos com o poder dominante corrupto. Esse cenário
mina a legitimidade política, cria a falta de crença da população nos
governantes e aumenta a desigualdade, a exclusão e a violência.
Investir na educação e na elevação da consciência social, política
e econômica do povo; ampliar a transparência das ações governamentais; fomentar
mais a democracia participativa; fortalecer os órgãos de controle; combater o
neopatrimonialismo na política; e estimular mais ética na política são caminhos
que podem levar à diminuição da corrupção.
*Geólogo, advogado e escritor
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