Folha de S. Paulo*
Apesar de mobilização de Planalto e
aliados, votação foi adiada por falta de votos na Câmara
BRASÍLIA - O projeto
de lei que busca regulamentar as redes sociais no Brasil levou a um
embate entre algumas das principais forças políticas, jurídicas, empresariais e
religiosas do Brasil, cenário explicitado nesta terça-feira (2). O projeto
estava previsto para ser votado nesta terça, mas foi adiado diante da falta de
apoios necessários.
De um lado, o governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) se mobilizou
de vez a favor da aprovação do chamado PL das
Fake News, operação comandada na Câmara pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), antigo
defensor da medida.
Parlamentares também relataram, em caráter
reservado, uma pressão de bastidores vinda do STF (Supremo
Tribunal Federal). Nesta terça, o ministro Alexandre
de Moraes determinou
que a Polícia
Federal tome depoimentos
dos "presidentes ou equivalentes" das big techs no prazo de
cinco dias sobre ofensiva feita por essas empresas contra o PL.
Do lado oposto ao projeto estão os
bolsonaristas, a maioria
da bancada evangélica e as grandes empresas de tecnologia. Alguns
críticos apelidaram o texto de "PL da censura".
O primeiro ato de relevo de terça coube a
Lira e Lula, que
se reuniram a sós no Palácio da Alvorada, o que resultou posteriormente em
reuniões da articulação política do governo.
Parlamentares governistas em geral reclamam
principalmente no atraso da liberação de emendas, principal meio de negociação
entre governo e Legislativo.
Em particular, Lira se ressente pela perda de poder de manejo de votos na Câmara via distribuição e liberação da verba, papel que cumpriu na gestão Jair Bolsonaro (PL).
Em entrevista ao jornal O Globo, ele afirmou que Lula
deveria retomar o modelo de conseguir maioria no Congresso por meio das emendas
e não só da distribuição de ministérios e cargos aos partidos aliados.
Após o encontro com Lula, Lira partiu para
a missão de contar voto a voto nas bancadas qual seria o apoio ao projeto de
lei.
No governo, além das reuniões da
articulação política após o encontro Lira-Lula, o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB),
chamou uma entrevista coletiva para dizer que emitiu medida cautelar
que obriga o Google
a informar se tratar de uma publicidade o link que estava em sua página inicial com
os dizeres "O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é
verdade ou mentira no Brasil".
O link
foi retirado do ar minutos após o anúncio de Dino.
No final da tarde, emissários do Planalto
foram enviados à Câmara para solicitar o voto favorável da bancada do MDB. Parlamentares
relataram ter havido pedido nesse sentido do presidente do partido, deputado
Baleia Rossi, e da ministra Simone Tebet (Planejamento).
Integrantes do Podemos também disseram ter
sido procurados por membros do governo, após apelos de Dino e do ministro das
Relações Institucionais, Alexandre
Padilha.
Depois de Moraes determinar a tomada de
depoimento dos executivos das empresas de tecnologia, Dino foi às redes sociais
elogiar a decisão do ministro do STF e presidente do TSE (Tribunal
Superior Eleitoral).
"A decisão do ministro Alexandre de
Moraes, do STF, fortalece a necessidade de uma internet que cumpra a
Constituição e as leis. Não podemos mais conviver com faroeste
cibernético", afirmou.
Moraes já havia ido à Câmara apresentar
sugestões ao projeto, cujo texto vem sendo alterado pelo relator, Orlando Silva
(PC do B-SP).
Como mostrou a Folha, o Google lançou
uma ofensiva como o PL das Fake News. Levantamento do NetLab, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, sugere que a empresa tem privilegiado
nos resultados de buscas sobre o projeto de lei conteúdo contrário a sua
aprovação. Também tem publicado alerta no YouTube sobre
"impacto negativo" para os criadores e enviado mensagens a youtubers
a respeito.
O Google afirmou em nota que apoia as
discussões de combate à desinformação. "Todos os brasileiros têm o direito
de fazer parte dessa conversa e, por isso, estamos empenhados em comunicar as
nossas preocupações sobre o Projeto de Lei 2630 de forma pública e
transparente. Destacamos essas preocupações em campanhas de marketing em mídia
tradicional e digital, incluindo em nossas plataformas."
Já bolsonaristas
e a bancada evangélica na Câmara fizeram protestos durante o dia e
também afirmaram haver uma pressão forte do governo sobre parlamentares de
partidos de centro e de direita.
"O texto está repleto de perseguições.
Vocês, que são jornalistas, vão sentir isso na pele depois", afirmou o
presidente da bancada evangélica, Eli Borges (PL-TO).
Por pressão de parlamentares evangélicos, o
relator incluiu
no projeto a garantia do "livre exercício da expressão e dos cultos
religiosos, seja de forma presencial ou remota, e a exposição plena dos
seus dogmas e livros sagrados".
Apesar de a homofobia ser crime desde 2019,
parte da bancada afirma que a proposta restringirá manifestações de religiosos
que são contrários à homossexualidade.
A votação do PL das Fake News ganhou força
no governo Lula após os ataques golpistas de 8 de janeiro e depois dos ataques
a escolas em São Paulo e em Blumenau (SC).
O texto em discussão traz, entre outros
pontos, uma série de obrigações às plataformas de redes sociais e aplicativos
de mensagem, como a moderação de conteúdo.
O relatório estipula ainda que a imunidade
parlamentar material prevista na Constituição se estende às redes sociais. Além
disso, determina que contas de presidentes, governadores, prefeitos, ministros,
secretários e outros cargos são consideradas de interesse público. A partir
disso, proíbe que os detentores restrinjam a visualização de suas publicações
por outros usuários.
Para as redes sociais há obrigações, por
exemplo, de produção de relatórios de transparência e de identificação de todos
os conteúdos impulsionados e publicitários.
*Ranier Bragon , Danielle Brant , Victoria Azevedo , Renato Machado , Raquel Lopes e Constança Rezende
Um comentário:
Sobre o Projeto de Lei que visa regulamentar o uso das Redes Sociais, há, além dos interesses do lulismo e os do bolsonarismo, uma terceira posição, que é a posição dos verdadeiros democratas brasileiros, parlamentares e eleitores democráticos em geral.
Quem defende verdadeiramente a democracia no Brasil e no mundo deseja que as Redes Sociais sejam reguladas para combater abusos, especialmente ameaças contra vulneráveis, e tambem combater mentiras, ódio e 'fake news'.
Mas é desejo dos verdadeiros democratas, os que não fazem apologia de ditaduras e autocracias autoritárias e que não desejam a ameaça de que a sociedade sofra controle social autoritario e baseado em perseguição e militarismo, como é em ditaduras, que a regulamentação não sirva para o exercicio da censura e repressão de ideias.
Os democratas foram os verdadeiros interessados no adiamento do Projeto de Lei de regulamentação das Redes Sociais, para que possa ser discutido no Parlamento com mais calma e em ambiente mais favorável que o atual e assim chegar a resultado mais lúcido do ponto de vista da democracia.
Com o adiamento do PL, ficou claro que quem quiser aprovar uma regulamentação para o uso das Redes Sociais terá que dialogar com os parlamentares democráticos da Câmara e do Senado.
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