Correio Braziliense
Mesmo no Palácio do Planalto, há preocupação
quanto às consequências da “vitimização” de Bolsonaro, que ativa as emoções dos
bolsonaristas e cria desconforto entre os políticos
Nem regulamentação das fake news, nem
arcabouço fiscal, nem reforma tributária. A agenda política do país, ontem, foi
um caso de polícia: a Polícia Federal fez buscas na casa do ex-presidente Jair
Bolsonaro em Brasília e prendeu o ex-ajudante de ordens dele, tenente-coronel
Mauro Cid Barbosa, e outros cinco suspeitos, por fraudes em atestados de
vacina. Convocado, Bolsonaro decidiu não comparecer à sede da Polícia Federal
para prestar depoimento e passou o dia em reuniões na sede do PL, no Setor
Hoteleiro Sul de Brasília.
Autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no guarda-chuva do inquérito sobre “milícias digitais”, a operação foi solicitada pela Polícia Federal, a partir de uma investigação iniciada pela Controladoria-Geral da União (CGU), no dia 30 de dezembro, sobre fraudes na emissão de atestados de vacinas pelo SUS. Os cartões de vacinação do Bolsonaro e da filha de 12 anos foram emitidos em 21 de dezembro passado, antes da viagem aos EUA (no penúltimo dia de mandato). Os dados foram retirados do sistema em 27 do mesmo mês, segundo relatório da Polícia Federal. Bolsonaro nunca admitiu que se vacinou.
Policiais chegaram nas primeiras horas da
manhã de ontem ao condomínio onde o ex-presidente da República mora desde que
voltou ao Brasil, em março. O magistrado autorizou que equipamentos de
informática e celulares fossem recolhidos. O tenente-coronel Mauro Cid,
ex-ajudante de ordens da Presidência, foi preso; o ex-vereador do Rio de
Janeiro Marcelo Siciliano, o deputado federal Gutemberg Reis de Oliveira
(MDB-RJ) e o médico Farley Vinicius Alcântara também são acusados de envolvimento
no esquema.
Além de Mauro Cid, foram detidos o sargento
Luís Marcos dos Reis, que era da equipe de Mauro Cid; o ex-major do Exército
Ailton Gonçalves Moraes Barros; o policial militar Max Guilherme, que atuou na
segurança presidencial; o militar do Exército Sérgio Cordeiro, que também
atuava na proteção pessoal de Bolsonaro; e o secretário municipal de Governo de
Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha. A PF também pediu busca e
apreensão contra a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, mas o ministro
Alexandre de Moraes negou.
O “vacinogate”, como está sendo chamado
ironicamente, pode tornar inelegível o ex-presidente Jair Bolsonaro. Infração
de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos
em sistemas de informação e corrupção de menores são os crimes investigados.
Entretanto, o senso comum entre os políticos ontem, no Congresso, era de que o
ministro Alexandre de Moraes havia exagerado ao determinar a busca e apreensão
na casa do ex-presidente da República. Mesmo entre os petistas, gatos
escaldados, havia preocupação em relação ao inquérito. O presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), em entrevista ontem, afirmou que é preciso haver cautela
em relação ao caso.
Vitimização
A falsificação de um certificado de
vacinação é grave ética e moralmente, mas isso Bolsonaro não admite em nenhuma
hipótese, nem atribui a terceiros. Simplesmente diz que desconhece o caso.
Segundo o senador Eduardo Gomes (PL-TO), que foi líder de seu governo no
Congresso, o fato não muda em nada a imagem de Bolsonaro, porque suas posições
contra a vacina e seu negacionismo em relação à covid-19 são notoriamente
conhecidas. “Ele pode até ter pedido a eleição por causa disso, mas agora isso
não significa mais nada”, minimizou. Segundo o ex-líder governista, o celular
de Bolsonaro não tinha senha: “Ele não tem nada a esconder”.
O caso dos atestados de vacina nem de perto
se compara ao Watergate, um dos maiores escândalos da história da política dos
Estados Unidos. Começou quando cinco homens foram presos tentando invadir a
sede do Partido Democrata com o intuito de plantar escutas telefônicas, em
junho de 1972. Dois jornalistas do The Washington Post — Carl Bernstein e Bob
Woodward — começaram a investigar os detalhes, e um informante do FBI,
conhecido como “Garganta Profunda”, auxiliou os jornalistas a descobrirem que o
então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, sabia do caso. Investigado,
por tentar obstruir a investigação, foi aberto um processo de impeachment
contra Nixon, que acabou renunciando ao mandato.
Bolsonaro não é mais presidente, mas ainda
conta com muito prestígio popular e uma base de apoio robusta no Congresso, a
ponto de forçar o presidente da Câmara, Arthur Lira, a pedir moderação na
condução das investigações: “A gente já viveu momentos de instabilidade, e a
Justiça precisa agir com tranquilidade, ater-se aos fatos”. Segundo ele, é
preciso ver como “isso vai chegar ao final sem maiores problemas políticos”. O
caso do atestado de vacina mobiliza a bancada bolsonarista e seus eleitores,
que pressionam Lira.
Como em toda investigação policial, o caso
deixa um rastro e tem uma motivação, porém ainda não sabe onde vai dar. A
apreensão de dinheiro vivo na casa do ex-ajudante de ordens do presidente da
República e um preso que diz ter informações sobre o caso do assassinato da
vereadora carioca Marielle Franco (PSol) podem mudar o rumo das coisas. A
apreensão de celulares e outros documentos também pode revelar outras conexões,
inclusive com os episódios do 8 de janeiro. Apesar disso, mesmo no Palácio do
Planalto, há preocupação quanto às consequências políticas e eleitorais da
“vitimização” de Bolsonaro, que ativa as emoções dos militantes bolsonaristas e
cria um ambiente de desconforto entre os políticos, que já começam a questionar
supostos “excessos” na atuação do ministro Alexandre de Moraes.
Um comentário:
Cai o rei de ouro,cai o rei de espada,cai não fica nada.
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