O Globo
Impasse sobre exploração de petróleo na foz
do rio Amazonas prenuncia reedição do embate entre a ministra do Meio Ambiente
e desenvolvimentistas do PT e do governo
A saída do senador Randolfe Rodrigues da
Rede está longe de ser o ponto principal da controvérsia em torno da negativa
do Ibama de conceder licenciamento ambiental para a exploração de petróleo na
foz do Rio Amazonas. O que o episódio evidencia é a possibilidade de, cedo
demais, começar uma queda de braço entre Marina Silva e a ala mais
desenvolvimentista do partido e do governo, como aconteceu no primeiro mandato
do presidente Lula, acarretando a saída da ministra do Meio Ambiente do time.
Marina saiu vencida em todos os embates que travou contra a visão de que a exploração mineral e as grandes hidrelétricas seriam passaportes do Brasil rumo ao desenvolvimento econômico, pouco importando se, para tanto, fossem sacrificadas populações locais e a preservação da Amazônia, no caso das usinas, embora diga que não foi isso que motivou seu pedido de demissão.
Quando a fundadora da Rede passou por cima
desse histórico — e também dos ataques de que foi vítima na campanha petista em
2014 — e anunciou apoio entusiasmado a Lula no ano passado, não foram poucas as
vezes em que foi questionada se estava segura da mudança de pensamento do então
candidato a respeito dessa dualidade entre preservação ambiental e
desenvolvimento econômico. Ela sempre respondeu afirmativamente.
Lula ainda não se manifestou sobre a
situação da exploração de petróleo na Margem Equatorial, área considerada a
última fronteira do combustível fóssil no Brasil, num momento em que os
cálculos apontam para o esgotamento das jazidas já exploradas no território
nacional no intervalo de menos de uma década. A própria Marina tem insistido em
que a decisão do Ibama foi eminentemente técnica e que os demais 21 lotes de
petróleo na região passarão por avaliação da mesma natureza.
A ala nacional-desenvolvimentista do PT —
que, longe de escanteada, ocupa postos relevantes como o comando do BNDES e a
presidência do partido— é contra a ideia de que o Brasil abra mão de uma fonte
de riqueza tão relevante, que vem sendo explorada na vizinha Guiana com ganhos
expressivos em termos do tão sonhado crescimento robusto do PIB.
O grupo de Marina, em contrapartida, toma
decisões com base no discurso tão propalado — não só na campanha, mas também
nas primeiras viagens de Lula ao exterior, como a passagem de pop star pela
COP27, no Egito — de que o governo apostaria todas as fichas na recuperação da
Amazônia, atacada de todas as formas pela dupla Jair Bolsonaro e Ricardo Salles,
na transição energética (com redução da dependência do petróleo) e na economia
verde.
Não é à toa que a debandada de Randolfe,
com críticas a não ter sido consultada a população do Amapá para dizer se quer
extração de petróleo em seu território, foi explorada imediatamente pelo
próprio Salles e por outros bolsonaristas. É, sim, uma tremenda contradição com
o que o líder do governo no Congresso e toda a base lulista berraram ao longo
dos quatro anos de destruição bolsonarista.
Ou não era justamente este o argumento do
ex-presidente: que os indígenas e as demais populações locais da Amazônia
deveriam ter o direito a explorar minérios e riquezas na região?
A reedição do embate entre Marina e um
desenvolvimentismo com cara dos anos 1970 terá graves consequências para Lula
não só pela possibilidade de a ministra de novo pedir o boné, mas também pelo
impacto na imagem internacional que ele quer construir, aquela segundo a qual o
“Brasil voltou”.
Era perfeitamente calculável que investir
na volta da fundadora da Rede à pasta, com todas as suas visões bastante claras
de como deve ser a política ambiental, traria o risco desse déjà-vu. Se apostou
em bancar, é porque Lula acreditou que teria mais a ganhar que a perder. Mudar
as fichas de casa, agora, seria não só uma repetição do passado, mas um
descompasso histórico.
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