sexta-feira, 19 de maio de 2023

Vera Magalhães - 'Déjà-vu'?

O Globo

Impasse sobre exploração de petróleo na foz do rio Amazonas prenuncia reedição do embate entre a ministra do Meio Ambiente e desenvolvimentistas do PT e do governo

A saída do senador Randolfe Rodrigues da Rede está longe de ser o ponto principal da controvérsia em torno da negativa do Ibama de conceder licenciamento ambiental para a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. O que o episódio evidencia é a possibilidade de, cedo demais, começar uma queda de braço entre Marina Silva e a ala mais desenvolvimentista do partido e do governo, como aconteceu no primeiro mandato do presidente Lula, acarretando a saída da ministra do Meio Ambiente do time.

Marina saiu vencida em todos os embates que travou contra a visão de que a exploração mineral e as grandes hidrelétricas seriam passaportes do Brasil rumo ao desenvolvimento econômico, pouco importando se, para tanto, fossem sacrificadas populações locais e a preservação da Amazônia, no caso das usinas, embora diga que não foi isso que motivou seu pedido de demissão.

Quando a fundadora da Rede passou por cima desse histórico — e também dos ataques de que foi vítima na campanha petista em 2014 — e anunciou apoio entusiasmado a Lula no ano passado, não foram poucas as vezes em que foi questionada se estava segura da mudança de pensamento do então candidato a respeito dessa dualidade entre preservação ambiental e desenvolvimento econômico. Ela sempre respondeu afirmativamente.

Lula ainda não se manifestou sobre a situação da exploração de petróleo na Margem Equatorial, área considerada a última fronteira do combustível fóssil no Brasil, num momento em que os cálculos apontam para o esgotamento das jazidas já exploradas no território nacional no intervalo de menos de uma década. A própria Marina tem insistido em que a decisão do Ibama foi eminentemente técnica e que os demais 21 lotes de petróleo na região passarão por avaliação da mesma natureza.

A ala nacional-desenvolvimentista do PT — que, longe de escanteada, ocupa postos relevantes como o comando do BNDES e a presidência do partido— é contra a ideia de que o Brasil abra mão de uma fonte de riqueza tão relevante, que vem sendo explorada na vizinha Guiana com ganhos expressivos em termos do tão sonhado crescimento robusto do PIB.

O grupo de Marina, em contrapartida, toma decisões com base no discurso tão propalado — não só na campanha, mas também nas primeiras viagens de Lula ao exterior, como a passagem de pop star pela COP27, no Egito — de que o governo apostaria todas as fichas na recuperação da Amazônia, atacada de todas as formas pela dupla Jair Bolsonaro e Ricardo Salles, na transição energética (com redução da dependência do petróleo) e na economia verde.

Não é à toa que a debandada de Randolfe, com críticas a não ter sido consultada a população do Amapá para dizer se quer extração de petróleo em seu território, foi explorada imediatamente pelo próprio Salles e por outros bolsonaristas. É, sim, uma tremenda contradição com o que o líder do governo no Congresso e toda a base lulista berraram ao longo dos quatro anos de destruição bolsonarista.

Ou não era justamente este o argumento do ex-presidente: que os indígenas e as demais populações locais da Amazônia deveriam ter o direito a explorar minérios e riquezas na região?

A reedição do embate entre Marina e um desenvolvimentismo com cara dos anos 1970 terá graves consequências para Lula não só pela possibilidade de a ministra de novo pedir o boné, mas também pelo impacto na imagem internacional que ele quer construir, aquela segundo a qual o “Brasil voltou”.

Era perfeitamente calculável que investir na volta da fundadora da Rede à pasta, com todas as suas visões bastante claras de como deve ser a política ambiental, traria o risco desse déjà-vu. Se apostou em bancar, é porque Lula acreditou que teria mais a ganhar que a perder. Mudar as fichas de casa, agora, seria não só uma repetição do passado, mas um descompasso histórico.

 

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