O Globo
Por que a Câmara não aprovaria um canal de
TV para que pessoas com foro privilegiadíssimo pudessem se perpetuar no poder?
Imagine um horário eleitoral “gratuito” 24
horas por dia, sete dias por semana. Um palanque eletrônico montado onde nenhum
núcleo de militância virtual jamais esteve: na sala de sua casa. Pois isso pode
não ser apenas uma fantasia distópica: o PT solicitou
ao governo (a si mesmo) a concessão de um canal de televisão — para promover o
“debate” e a “educação política”. E, claro, levar às massas sua “ideologia”.
Como os outros partidos não pensaram nisso
antes? Teríamos tido a TV Arena, canal 64, com carros-chefes como a novela
“Cavalo de aço” (escrita pelo general Figueiredo) e os programas “Com censura”,
“Linha indireta (Já)” e “Almoço com as (cinco) estrelas”.
A redemocratização nos brindaria com a TV MDB, canal 15, cujos maiores ibopes seriam “O rei do gado” (mais especificamente, do boi gordo), “Donas de casa desesperadas” (com a remarcação diária de preços) e “A indomada” (no caso, a inflação).
Em 1990, estrearia a efêmera TV PRN. A
programação iniciada com “Fina estampa” (patrocínio das gravatas Hermès e das
canetas Montblanc) terminaria com “Negócio(s) da China” (feat. PC Farias),
passando por “Apertem os cintos, a poupança sumiu”. Dois anos depois, sob nova
direção, teria início a era dos reality shows (o Real prevalecendo sobre a
ficção).
A TV Tucano, canal 45, dividiria a telinha
com a TV PFL e marcaria época com “Shoptime” (programa de venda de estatais) e
“Succession” (resolvendo o problema sucessório com a reeleição).
Tivesse surgido já em 2002, a TV PT, canal
13, exibiria campeões de audiência, como “O semideus”, “Vale tudo”, “O salvador
da pátria”, “O dono do mundo”, “Pequenas empresas, grandes negócios” e “Show
do(s) milhão(ões)” (com patrocínio involuntário da Petrobras). A partir de
2010, repaginada, traria “A sucessora”, “A dona do pedaço”, “Saia justa”
(participação especial de Michel Temer e Eduardo Cunha), “Vamos pedalar” e, por
fim, “Zorra total”.
Em 2016, a TV PMDB exibiria “Suave veneno”
(a saga de um vice decorativo), “Belíssima” (estrelada pela primeira-dama),
“Travessia” (os curtos anos de calmaria entre um maremoto e um tsunami) e
“Planeta dos homens” (com todo o ministério).
A TV PSL, canal 17, iria ao ar em 2019. Seus
maiores sucessos: os remixes de “Fogo sobre terra” e “Amazônia”, de “Laços de
família” e “Casos de família”, de “Pânico” e “A próxima vítima”, e de “Os
trapalhões” e “A Praça (dos Três Poderes) é nossa”.
Reestruturada em 2023, a TV PT exibiria “A
hora da verdade” (com as feiquenius oficiais) e “Vale a pena ver de novo” (com
reprises da programação de 2002 a 2016).
“Topa tudo por dinheiro” e “Passa ou
repassa”, comandados pelo Centrão, estariam na grade de todas as emissoras.
Se a Câmara aprovou um projeto que propõe
criminalizar a “discriminação de pessoas politicamente expostas” (leia-se:
políticos e seus parentes), por que não aprovaria algo igualmente esdrúxulo,
como um canal de TV para que pessoas com foro privilegiadíssimo pudessem se
perpetuar no poder?
O lado bom é que, finalmente, a TV Brasil
poderia ser pública, independente e democrática, livre de proselitismo,
bajulação e propaganda. Conforta saber que sempre haverá o controle remoto — ou
o botão de “desliga”.
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