Valor Econômico
Bastidores das últimas reuniões mostram que
já havia uma corrente moderada majoritária que se movia para um corte de 0,5
ponto na Selic
O mercado financeiro recebeu mal o último
corte de juro feito pelo Banco Central porque sentiu o cheiro de interferência
política. Mas os bastidores da decisão que foram revelados nos últimos dias
mostram que não houve nada disso.
As desconfianças surgiram devido ao placar
extremamente dividido da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de
agosto. Quatro membros votaram por um corte mais moderado dos juros, de 0,25
ponto percentual, e cinco, pela baixa de 0,5 ponto. O voto que fez a diferença
para levar a taxa Selic para os atuais 13,25% ao ano foi do presidente do BC,
Roberto Campos Neto.
Uma interpretação comum é que os diretores recém-indicados pelo presidente Lula, Gabriel Galípolo (política monetária) e Ailton De Aquino (fiscalização), mudaram a correlação de forças. Agora, segundo esse raciocínio, o comitê terá uma orientação pró-baixa de juro, deixando a inflação à própria sorte.
A curva de juros futuros ganhou forte
inclinação no dia seguinte à reunião. Em grande parte, foi um reflexo do clima
ruim no exterior. Mas técnicos do Banco Central usaram ferramentas analíticas
para separar as causas da pressão no mercado e chegaram à conclusão de que
houve um componente doméstico.
Desde o princípio, a reação do mercado foi
exagerada. O Copom cortou mais do que o esperado a taxa básica (70% dos
analistas previam 0,25 ponto), mas os seus membros fecharam por unanimidade com
uma estratégia de política monetária bem austera. As próximas quedas da Selic
estão limitadas a 0,5 ponto percentual, e a inflação precisaria surpreender
muito para melhor para o BC se desviar dessa promessa.
Alguns analistas se queixaram que o
primeiro passo foi forte demais, considerando que a inflação projetada pelo
próprio Banco Central está acima da meta no horizonte relevante. Mas essa
crítica ignora que não é apenas o juro de curto prazo - que está altíssimo -
que controla a inflação. O Copom colocou sob rédea curta o orçamento de corte
da Selic, sinalizando juros restritivos no horizonte relevante. O mercado, no
boletim Focus, coloca quatro pontos percentuais de queda. Tem uma gordura
considerável para, se necessário, ajustar o orçamento e obter o grau de aperto
necessário para cumprir a meta.
Pelo comunicado do Copom, já ficara claro
que Galípolo ou Aquino não foram o bicho-papão da reunião do Copom. Eles se
alinharam com a estratégia dos conservadores. Mais recentemente, os bastidores
das últimas reuniões do Copom vieram à tona para mostrar que, na verdade, antes
de Galípolo e Aquino assumirem o cargo, já havia uma corrente moderada
majoritária que se movia para um corte de 0,5 ponto na Selic.
Campos Neto revelou que a divisão entre os
dois grupos nasceu na reunião de junho. Uma ala mais conservadora queria deixar
a porta apenas entreaberta para um corte em agosto. Eles tinham dúvidas se o
Conselho Monetário Nacional (CMN) iria manter a meta de inflação de longo prazo
em 3% e se, de fato, as expectativas de inflação, que estavam em 3,8%, iriam
cair em direção do objetivo. Já o grupo moderado queria deixar a porta bem
aberta, indicando a intenção de um corte de juro em agosto.
Na reunião de junho, havia quatro votos de
cada lado, em um Copom formado por oito membros. Ainda era aguardada a sabatina
de Galípolo para substituir Bruno Serra, cujo mandato expirou em fevereiro.
Campos Neto exerceu o seu voto de qualidade, ou seja, um voto com peso duplo
para desempate. Em agosto, houve um repeteco dessa divisão. A diferença é que
Galípolo se juntou ao comitê, e Aquino substituiu Paulo Souza. Sem eles,
provavelmente o corte de 0,5 ponto também seria vitorioso, com voto de
qualidade de Campos Neto.
Um bastidor importante nessa decisão é que
o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi decisivo para manter a meta em 3%.
A proposta de uma meta maior chegou a ser aventada na reunião do CMN, o que
criou um impasse com o BC. O encontro foi interrompido, Haddad se reuniu com o
presidente Lula e recebeu carta branca para definir o objetivo.
Muitos achavam que Galípolo, que é visto
como o sucessor de Campos Neto, iria abrir uma trincheira no Copom. Há certa
descrença nos corredores do BC que ele vá de fato presidir a instituição. Ele
chegou a ter um entrevero, em julho, quando achou que uma nova regra de
comunicação - inspirada no modelo do Banco da Inglaterra - era uma forma de
tosar seu direito de opinar. Depois, o clima baixou. Os relatos são de que a
reunião do Copom de agosto transcorreu como o usual.
Ele ainda está se familiarizando com as
técnicas e procedimentos do Copom e de sua diretoria de política monetária. Em
reuniões fechadas com representantes do mercado, tem sido discreto e
institucional e, no geral, subscreveu a estratégia de política monetária
traçada no Copom de agosto. Na Fiesp, foi bem explícito em apoiá-la.
Aquino é um funcionário de carreira. Seus
pares no Copom o consideram comprometido com a missão institucional do BC, e
duvidam que ele vá fazer concessões políticas.
O mercado deverá seguir um bom tempo desconfiando que possa haver no futuro interferências políticas no Copom - o que é compreensível, depois de o governo fazer duros ataques do BC. Mas fatos são fatos: a escolha da meta de inflação pelo CMN e o início do ciclo de distensão monetária foram decisões técnicas.
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