O Globo
A oportunidade que traz o envolvimento de
celebridades ao tema doação de órgãos poderia ser um impulso
No mesmo dia em que se anunciou que Faustão precisava
de um coração, recebi um livro que dedica um capítulo ao tema doação de órgãos.
O livro é “Nudge: como tomar melhores decisões”, de Richard H. Thaler e Cass R.
Sunstein. É a reedição revista pelos autores de um clássico em tomada de
decisões, que eles chamam também de arquitetura da escolha.
A fascinante pergunta é esta: como salvar
mais vidas? Sabemos que há um déficit de doadores e, em quase todos os países,
uma grande fila de espera.
O tema apareceu nas eleições argentinas na boca do candidato Javier Milei, que propõe a solução pelo mercado. Essa solução é rejeitada mundo afora. Apenas um país, segundo o livro, adota o comércio legal de órgãos: o Irã.
De qualquer forma, a venda só poderia ser
de rins, porque as pessoas têm dois. No caso de coração, não funciona: ninguém
sobrevive sem ele.
A grande questão política é esta: que
método adotar para evitar que pessoas morram nas filas de espera? Existe o
caminho da doação voluntária: os candidatos se alistam para que seus corpos
sejam usados. É o consentimento explícito. Existe outro método: o consentimento
implícito. Todas as pessoas saudáveis são doadoras, quem não aceitar a condição
pode comunicar que está fora.
A segunda solução, o consentimento
implícito, aparece, de acordo com o livro, como mais eficaz para salvar vidas.
Como os voluntários são poucos, o outro sistema, da vontade implícita, reúne
muito mais doadores. Poucos conhecem o processo e, além do mais, não
enfrentariam a burocracia só para retirar seu nome do rol de doadores.
Na prática, entretanto, a tendência é
sempre consultar as famílias. Em alguns estados americanos, os peritos retiram
as córneas para doação automaticamente. Mas isso não é o ideal. Nem todo mundo
quer que mexam no seu corpo depois da morte. As famílias também apresentam uma
grande resistência.
Daí a conclusão dos autores de que o
caminho da doação voluntária pode ser o melhor. Para isso, é necessário dar um
ligeiro empurrão: motivar as pessoas para que se alistem como doadoras. O livro
cita vários exemplos bem-sucedidos. Nos Estados Unidos, o Departamento de
Transportes pergunta ao motorista no ato de conceder a carteira se ele aceita
ser doador. Em Israel, a mesma pergunta foi feita aos eleitores no dia da
votação para o Parlamento.
Curiosamente, o livro cita um exemplo
brasileiro como um dos achados internacionais. É a campanha do Sport Club do
Recife que passava um vídeo nos jogos e oferecia carteira de doador com o
escudo do time. Uma mulher que recebeu um coração prometeu que ele baterá pelo
Sport. Segundo os organizadores, 50 mil pessoas se inscreveram para doar.
Nesses casos, é muito simples argumentar com a família, pois se trata de
cumprir o desejo da pessoa.
O livro certamente aborda nuances que
excluí do artigo. A ideia das campanhas pelo consentimento explícito de doar
órgãos é um caminho que respeita direitos e também salva vidas.
A televisão belga fez uma grande campanha
por doação intitulada Faça a Bélgica Grande de Novo. O caso de um querido
personagem da TV brasileira poderia inspirar também campanhas desse tipo. O
pioneirismo do Sport do Recife poderia inspirar também nossos times de futebol.
Enfim, a oportunidade que o envolvimento de
celebridades traz ao tema doação de órgãos poderia ser um impulso se ampliarmos
a lista de doadores e reduzirmos a fila dos pacientes que aguardam.
É um tema urgente para quem espera. Nos
Estados Unidos, 17 pessoas morrem diariamente na fila de doações. O próprio
Faustão, que, em termos sentimentais, já é dono de um grande coração,
certamente poderá ser um dos inspiradores das campanhas do futuro. Por que não
tentar? É um tipo de política que não passa pelos profissionais, mas que
pessoas comuns podem fazer no cotidiano.
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