O Globo
Lula ouviu de Gustavo Petro, da Colômbia,
veemente reprovação
Em sua campanha para ganhar o Nobel da
Paz, Lula da
Silva confronta-se com a dialética. A cada encontro internacional, se vê
pintado no papel de um personagem com ideias ultrapassadas, qual um verbete ou
uma flâmula. Acostumado no Brasil a rapapés, beija-mão e afagos de certa
intelectualidade, em seus périplos pelo mundo e encontros com outros
presidentes mostra que vai bem longe o lustro de quando foi chamado de “o cara”
por Barack Obama.
Muitos de seus conceitos de desenvolvimento — talvez com exceção da candente defesa do churrasco para todos! — enfrentam oposição entre seus pares de esquerda. É assim a vida. Tudo a temer. Leonel Brizola viveu o suficiente para ver a História deixá-lo no passado. Seu cunhado Jango Goulart — agora personagem de Paulo Valente na bela novela de espionagem “A morte do embaixador russo” — experimentou semelhante dissabor.
Lula recebeu um puxão de orelha do
presidente chileno Gabriel Boric por
causa de seu mal explicado apoio a Putin na guerra contra a Ucrânia; também
ouviu de Gustavo Petro,
da Colômbia, veemente reprovação por querer explorar petróleo na Margem
Equatorial. Diante dos dois colegas de esquerda, só balbuciou um resmungo pela
juventude de Boric. E, agora, novamente, ele e Celso Amorim se viram
engabelados, com bico fechado, pelos chineses. Em busca de apoio a um assento
no Conselho de Segurança da ONU, engoliram Egito, Arábia Saudita e Irã no
Brics. Por pouco não veio a Coreia do Norte no pacote. A dupla continua
comprando carro usado de quem não entrega as chaves — no Lula 1, a mesma moeda
foi trocada pelo reconhecimento da China como economia de mercado. Ambos
deveriam reclamar no Procon a promessa não cumprida pela ditadura chinesa.
Pela manhã, Lula deve se perguntar:
— Espelho, espelho meu, que esquerda sou
eu? Mudaram os natais ou só fui eu?
Assim como viu sua antiga ocupação de
torneiro mecânico ser extinta pela evolução tecnológica, seu tatibitate
desenvolvimentista agora é espanado nos fóruns internacionais como poeirento e
obsoleto. Quando defende explorar petróleo em área de riqueza ambiental, soa
como o fabricante de chicote no início da Revolução Industrial. É tão paradoxal
quanto a gomalina no layout do ministro Zanin — ou o laquê de Dilma
Rousseff.
Talvez o problema seja que a realidade
tenha se tornado mais complexa, os problemas mais sofisticados e as propostas
voluntariosas de Lula… sejam apenas palpites. Conversa de zap.
Foi o que fez o senador Randolfe, numa
pirueta de salão. Até então visto como ambientalista de esquerda, rasgou a
lição de casa para apoiar a exploração de petróleo nas costas de seu amado
Amapá. Um gesto populista mais eleitoreiro que técnico, menos ideológico e mais
oportunista.
No Brasil, a questão ambiental nunca desceu
na goela da esquerda tradicional — com perdão da rima. Aos olhos de muitos,
permanece um exotismo, como as leis da física quântica. Haja vista o amor
incondicional dos petistas pela Petrobras, ideia da direita nacionalista
abraçada pelos milicos e defendida pelos progressistas como estratégia de
segurança diante dos gringos. Vale lembrar, é conceito da década de 1950. O
homem já foi à Lua desde então.
A incapacidade de abraçar uma agenda não
esquizofrênica — Marina Silva e Alexandre
Silveira não vivem no mesmo planeta — não parece ser privilégio
dos petistas. No Equador, na atual concorrida eleição presidencial, a candidata
da esquerda é a favor da exploração do petróleo; o representante da direita é
contra!
A segurança pública surge como outro cabo
de guerra a confundir o que seja estar à esquerda. Desde a ditadura militar, e
depois dela, a violência policial sempre pertenceu ao discurso da direita mais
tacanha. Se faz presente o dístico “bandido bom é bandido morto”. Quando a
Igreja Católica tinha ascendência sobre o PT, em seu incisivos tempos de
oposição, era contundente a defesa dos direitos humanos, em especial dos
desvalidos vítimas da sanha das polícias. Na prática, coube a um político de
centro-direita, Geraldo Alckmin, diminuir drasticamente os índices de
homicídios no estado paulista. Além de quase zerar o número de sequestros. Ao
mesmo tempo da gestão tucana, o petista Rui Costa produziu na Bahia a segunda polícia
que mais mata no Brasil.
A tragédia continua. Ainda na Bahia,
governada pelo PT desde 2007, há duas semanas uma mãe de santo e líder
comunitária, sob proteção policial, levou vários tiros no corpo e no rosto
enquanto assistia à televisão com os netos. Meio ambiente e segurança pública
são assuntos bastante humanos para ficarem à sombra de discursos voluntariosos.
São vidas que se perdem.
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