O Globo
Em democracias modernas e maduras, a
discussão política não se limita à dança de coligações dentro dos parlamentos
O beijo forçado do cartola Luis Rubiales na
jogadora Jenni Hermoso, campeã mundial de futebol pela seleção espanhola,
ocupou o espaço dos jornais e o tempo das televisões na Europa. Houve quem
criticasse o fato de a violência machista expulsar do noticiário a crise
política na Espanha — um empate técnico nas eleições tem dificultado a formação
de um novo governo. A atenção dada ao caso, no entanto, mostra uma bem-vinda
expansão do debate público.
Em democracias modernas e maduras, a discussão política não se limita à dança de coligações dentro dos parlamentos. Ruas e redes propõem temas, e o debate se expande. O caso de Jenni Hermoso entrou na agenda pela força do feminismo espanhol. Outro tema, por coincidência vindo também do futebol, ocupou recentemente as manchetes no país. As ofensas contra o jogador brasileiro Vini Jr. colocaram o racismo em pauta na discussão política. Nos dois casos, o presidente do governo da Espanha (equivalente ao primeiro-ministro) foi obrigado a se manifestar — e a se posicionar.
Com os novos temas, os conceitos de direita
e esquerda se tornaram mais complexos, indo além das questões econômica e
social. A discussão hoje não se limita a maior ou menor interferência do
Estado, ou a priorizar igualdade ou prosperidade. Os cientistas políticos
criaram a escala GAL-TAN para dar conta da expansão do debate. De um lado,
verdes, alternativos e liberais. Do outro, tradicionalistas, nacionalistas e
autoritários. Além das questões de gênero e raça, outro tema da escala GAL-TAN
veio para ficar: o combate à mudança climática. A presidente da Comissão
Europeia, Ursula von der Leyen, resumiu num slogan as prioridades da União
Europeia:
— O futuro será verde e digital.
O G que abre a GAL-TAN vem de green, e o
debate sobre a economia do futuro transcende os conceitos tradicionais de
direita e esquerda. A alemã Von der Leyen tem origem na democracia cristã de
seu país.
Temas como racismo, machismo e mudança
climática não são exclusivos de democracias maduras europeias. Somos um país
diverso, multirracial — e abrigar o maior pedaço da Floresta Amazônica é uma
das coisas que nos definem aos olhos do mundo. Temos a oportunidade de exercer
um papel importante na nova política e na nova economia. Há uma demanda para
isso, como fica claro quando se acompanham os noticiários internacionais.
Na reunião do Brics,
na semana passada, o Brasil foi ator secundário. A imprensa internacional só
teve olhos para a China, que expandiu o grupo à sua imagem e semelhança,
incorporando nações autoritárias ou com péssimo histórico em liberdade de
expressão e direitos humanos — a porção “iliberal” da democracia, no jargão dos
cientistas políticos. O Brasil se viu compelido a fazer parte de um clube em
que não tem afinidade com os outros sócios.
Tudo muda de figura quando o Brasil
participa de discussões ambientais. A recente Cúpula da Amazônia repercutiu na
televisão europeia, e nossa posição a favor do desmatamento zero foi elogiada.
Visitas de lideranças indígenas ao Parlamento Europeu são sempre notícia,
principalmente nas emissoras alemãs e francesas.
O Brasil também foi manchete na Europa nas
duas últimas COPs, em Glasgow e em Sharm El-Sheikh, por ser o único país a ter
um pavilhão “alternativo”, além da representação oficial. Cientistas,
empresários, líderes indígenas e de ONGs não quiseram se misturar aos
representantes do governo de Jair
Bolsonaro, considerado pária ambiental. Os debates vibrantes e
multiculturais do “Brazil Hub”, o pavilhão alternativo, forneceram um
contraponto colorido às discussões austeras das COPs.
A política será cada vez mais múltipla, a
economia cada vez mais verde — e o Brasil tem a oportunidade de ser interlocutor
importante na política e na economia do futuro.
— Eu vejo a Terra. Ela é azul.
A frase famosa do astronauta Iuri Gagárin
expressa, com a objetividade dos cientistas, o que é nosso planeta visto de
longe. Visto de longe, pelas lentes da imprensa internacional, o Brasil é um
país de cores múltiplas — e a que predomina, aos olhos do mundo, é o verde da
floresta que nos define.
*João Gabriel de Lima, ex-diretor de redação de Época, é jornalista e integrante do Observatório da Qualidade da Democracia da Universidade de Lisboa
Um comentário:
Eu vejo o Brasil e ele é verde.
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