Folha de S. Paulo
Resgate de Brasil da reconciliação é único
caminho para superar injustiças
Válidas e importantes as defesas recentes
de Thiago Amparo e Celso Rocha
de Barros ao bicho papão "identitário" aqui
na Folha.
O que muitas vezes se descarta como "identitarismo" são pautas
importantes para remediar injustiças históricas no país. Representatividade em
instâncias de poder importa. Não é mera mudança cosmética. Ter uma
ministra do Supremo negra seria positivo para o país.
Também é verdade que, ao menos no Brasil, as pautas de identidades específicas (mulheres, negros, indígenas, LGBTs) jamais esquecem da dimensão da classe social. O debate trans sempre traz a situação de travestis nas ruas. As cotas raciais brasileiras são inseridas dentro da cota social, como forma de impedir negros ricos (o proverbial "filho do Neymar") de se beneficiar delas. Quando uma política pública endereça a saúde menstrual das mulheres, é distribuindo absorventes na escola pública.
O problema do identitarismo não está, creio,
nesses objetivos finais, e sim na forma como são conduzidos. Para usar a
expressão do jornalista Pedro Doria em vídeo recente do Canal Meio, o
identitarismo problemático —ou aquilo que se critica nos movimentos de
identidades atuais— é mais uma "tática política" do que suas
bandeiras. Tática que consiste em acirrar o
antagonismo de diferentes identidades sociais e em atribuir de
um valor moral a priori aos indivíduos que as compõem. Quem é do grupo opressor
é mau; quem é do grupo oprimido é bom.
Assim, o negro está livre para ser racista
porque, garantem-nos as autoridades, "não pode existir racismo contra
branco". À minoria, tudo é permitido. Perante uma acusação de machismo,
racismo ou transfobia,
por outro lado, a mera exigência de provas é já uma opressão, pois "a
vítima tem sempre razão", para usar a expressão problematizada por
Francisco Bosco em seu livro de 2017.
Quando o objetivo deixa de ser a igualdade na
união e passa a ser a desforra do oprimido contra seu opressor, aqueles que são
classificados como opressores uma hora vão reagir. Toda afirmação de identidade
se dá em oposição a outra identidade. Se a identidade "negro" ou
"mulher" se torna cada vez mais relevante politicamente —isto é, se é
utilizada como arma—, brancos e homens irão despertar politicamente também.
Aprendamos com o ocaso do
"identitarismo" nos EUA e
na Inglaterra;
que por lá se chamam de
"woke". Tanto a bandeira
racial do Black Lives Matter nos EUA quanto as pautas
transgênero no Reino Unido estão
em franca retração. O discurso radical e sem possibilidade de compromisso
ocultou práticas corruptas e mudanças sem o devido estudo. Agora a reação
chegou com muitas contas a acertar.
E mais do que isso: o discurso maniqueísta,
mesmo que não encontrasse oposição, não conduziria à justiça real. Ele apenas
reproduz as injustiças que diz combater. É a assessora do
Ministério da Igualdade Racial proferindo injúrias racistas na
certeza de que, por ser uma negra falando mal de brancos por serem brancos, praticava
um ato louvável. Por mais que ninguém ouse questionar e sofrer o temido
"cancelamento", a maioria vê as
injustiças e gesta uma indignação calada.
Se há uma coisa que o Brasil tem a apresentar
ao mundo é o ideal da mistura. Ideal que, quando confundido com a realidade,
serviu para mascarar desigualdades e injustiças; mas que nem por isso deixa de
ser o ideal. O resgate desse Brasil da reconciliação é o único caminho para
superar as injustiças.
Um comentário:
Verdade,sem radicalismo.
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