É claro que muitos acontecimentos ocorreram
nos meses anteriores e outros serão implementados posteriormente, com a
persistente e intensificada busca pelos demais envolvidos, tarefa mais concreta
e proeminente nestes tempos democráticos. Como bem sabemos, o conteúdo do
julgamento ainda não conseguiu ser - e talvez nunca o seja - um momento
revigorante da nossa textura democrática.
Isto não é apenas o produto de um certo momento difícil, mas também é fruto de confusão pedagógica democrática e de uma falta de capacidade de gestão. Parte disto sem dúvida existe, mas graças as homeopáticas mudanças ministeriais, algumas até com uma interpretação teórico-militar como “giro táctico”, mais o savoir faire de Napoleão de Ridley Scott foi acrescentado à conduta do Estado, embora os resultados positivos sejam até agora muito parciais e fazendo os passos em falsos tenderem a seguir e predominar.
Também não é produto de uma incapacidade de
aprender por parte da Presidência, que tem feito um esforço para melhorar a
condução do seu staff no Palácio do Planalto no exercício político
cotidiano, apesar das suas contradições em ações e palavras, impulsos emocionais
numa direção ou outra e alguma atitude cuja lógica racional é difícil de
decifrar tanto pelos seus seguidores como pelos seus adversários e, sobretudo,
pela maioria dos cidadãos, que tendem a ter uma posição bastante distanciada em
face ao poder. A cidadania simplesmente aprova ou rejeita suas ações de acordo
com a forma como a percebe.
Apesar das falhas, a Presidência segue dedicada ao seu trabalho, com
vontade de acertar, boas intenções e certo espírito democrático que o tem
levado a mudar frequentemente de ideias, na maioria das vezes para corrigir
erros.
O problema está em outro lugar. O que impede
um bom governo parece residir sobretudo na composição da coligação
governamental da Frente Democrática, o que torna muito difícil para esta
expandir a sua base de apoio num sistema democrático, porque as suas propostas
e ações não são inteiramente consistentes na sua orientação e com dificuldade
de gerar credibilidade.
Tendo minimamente duas almas desencontradas
ou não como certa vez ensinou o saudoso Gildo Marçal Brandão, se a proposta e a
ação forem radicais não desperta entusiasmo nos seus setores mais reformistas e
se for moderada terá oposição dos setores radicais. A consequência natural é a
imobilidade, o páramo.
Podem, consequentemente, encontrar um denominador
comum ocasionalmente, mas nem sempre, e dificilmente em questões de longo
prazo. A esquerda democrática considera a democracia liberal como um valor
permanente e quer reformar e regular como ficou claro no compromisso pelo
trabalho e sindicatos firmados por Lula e Joe Biden; mas isso não elimina um
momento intransponível de atrito com vários componentes radicais que consideram
esse evento como tático e seguem aspirando um regime político e econômico
diferente que já não se sabe muito bem em que consiste. Como resultado, a
coesão da coligação governamental a longo prazo será sempre fraca,
contraditória e insuficiente.
É natural que os setores radicais apoiem com
sincera convicção os regimes cubano, nicaraguense e venezuelano. Que sentem uma
certa simpatia pela Coreia do Norte e, claro, com alguns pontos de
interrogação, pelos seus aspectos capitalistas, pelas experiências chinesa e
vietnamita. Que eles possam ser tocados por tudo o que o suposto anti-imperialismo
passa e também que possam subitamente se envolver com a Rússia oligárquica de
Putin, com quem partilham um olhar nostálgico sobre o passado soviético,
reconstruindo assim na sua imaginação um mundo simples com amigos e inimigos
claros ou não a lá Carl Schmitt.
Afinal de contas, são a sua identidade
política, que pouco tem a ver com a cultura democrática e as situações
geopolíticas atuais, mas que permanecem a existir nos seus corações e ficam a
girar nas suas cabeças. É muito difícil dirigir eficazmente um governo quando
nele coexiste um pensamento simples, doutrinário e identitário com outro que,
embora tenha hesitações, é mais complexo.
Hoje, as forças de extrema direita seguiram
tentando impor as suas visões unilaterais que negam o bom senso alcançado pela
sociedade brasileira. Falta-lhes qualquer espessura democrática e aparece o seu
duro fundamentalismo político, arrastando a direita institucional para o
passado. Se não houver vontade de encontrar soluções aceitáveis para o Grande Número
brasileiro, o país corre o risco de uma nova rejeição à política.
É evidente que o Brasil precisa reduzir o
peso das posições antipolíticas para reforçar a sua coexistência democrática.
Não basta que os novos líderes políticos estejam satisfeitos com o fato de as
coisas não piorarem e de as divisões existentes não se aprofundarem. É muito
razoável que a Presidência encontre uma zona de conforto ao sentir que tem um
apoio, mesmo que as coisas não estejam bem econômica e socialmente.
O discurso ambíguo permite-lhe preservar a
coesão da sua coligação governamental, mesmo que não avance para os acordos que possam
desbloquear a situação atual. Mas manter a ambivalência
também significa resignar-se, acomodando-se na letargia. A
mudança é difícil, terá
custos emocionais e políticos, exige muita coragem e um grande sentido de Estado.
Entendemos que talvez o que se afirma não
passe de um bom desejo, mas se não acontecer, poderemos estar pavimentando um
mal caminho para o gattopardismos, que não aspira a modernidade em sua
plenitude e abre a possibilidade para a desconfiança de novos avanços
democráticos e republicanos.
*Presidente da CEDAE Saúde e professor do Instituto
Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.
(Publicado no Blog Voto Positivo)
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