O Globo
É no modo como o Estado brasileiro trata (ou destrata) favelas e bairros de periferia que cresce o ovo e serpente da violência
O aumento da desigualdade de renda em países
ocidentais está demonstrado em estudos de prestigiosos economistas, como o
francês Thomas Piketty. No Brasil, esse aumento se potencializa desde os anos
1980, evidenciado por pesquisas do IBGE.
O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han tem
afirmado que a desigualdade de renda e a deterioração dos empregos e profissões
têm sido responsáveis pelo que considera a doença do século, a depressão.
Em recente discurso na ONU, o presidente Lula colocou o clima e a desigualdade como questões centrais destes tempos, chamando a atenção dos países ricos para suas responsabilidades — eles que são os maiores causadores dos danos ambientais.
Em reunião bilateral, os presidentes do
Brasil e dos Estados Unidos concordaram em fazer esforços para enfrentar os
desafios das desigualdades e da precariedade de empregos, demonstrando a
centralidade desses temas.
Porém: tais questões fundamentais estão espacializadas?
Em que território?
Num mundo majoritariamente urbano, como
dissociar as mudanças climáticas do tema das cidades? Onde estão as cidades na
pauta política mundial?
No Brasil, precisamos ampliar a compreensão
também para o vínculo entre a desigualdade de renda e o espaço da cidade,
sobretudo das grandes cidades. Com a quase totalidade da população urbana, o
Brasil não precisa — e não pode — esperar uma mudança nas políticas do mundo
para enfrentar o drama urbano nacional.
Aqui, milhões de brasileiros a cada dia
enfrentam um transporte público ineficiente que implica tempos excessivos para
o deslocamento casa-trabalho e que exalta a desigualdade de renda, dificulta o
emprego e abala a saúde.
Desde meados do século passado, o país só
financiou 20% das moradias urbanas, o que empurrou as famílias pobres para a
irregularidade urbanística, fundiária e precariedade construtiva. Persistindo
nesse modelo, evidencia-se uma desigualdade que “precisa inspirar indignação”
(Lula, ONU). Mas não basta, pois o Brasil tem capacidade econômica suficiente
para tratar de modo mais equânime essa questão.
O tema habitacional tem implicações
sanitárias imensas. Ao faltar saneamento para metade da população, a saúde
pública fica impactada; crescentes recursos precisam ser aplicados na medicina
curativa, ao mesmo tempo que a poluição das águas tem larga repercussão no
planeta.
A violência urbana
é vivida pela população no dia a dia, que, sentindo crescente insegurança, não
precisa esperar pela confirmação dos indicadores oficiais, como condiciona
importante autoridade. É no modo como o Estado brasileiro trata (ou destrata)
favelas e bairros de periferia que cresce o ovo de serpente da violência e da
bandidagem armada. É na desigualdade intraurbana, invisível aos olhares do
poder e de parte da sociedade, que se instala esse ofidiário.
Mobilidade, moradia, saneamento, segurança
são temas que, maltratados entre nós, potencializam a gigantesca e crescente
desigualdade de renda. São temas fora da agenda política.
— Para vencer a desigualdade, falta vontade
política daqueles que lideram o mundo.
Quem sabe essa expressão do presidente na ONU
possa nos ser inspiradora no Brasil?
*Sérgio Magalhães é arquiteto e urbanista
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