Folha de S. Paulo
Promiscuidade com o poder favoreceu grupos
paramilitares
"Milicianos", livro recém-lançado
do jornalista Rafael Soares, é didático ao esmiuçar o problema da segurança. O
subtítulo explica tudo: "Como agentes formados para combater o crime
passaram a matar a serviço dele". E como —acrescento eu— eles atuaram
quase sempre com a cumplicidade do poder político.
Hoje, o modus operandi dos grupos paramilitares está estabelecido. É um
empreendimento de sucesso. Por trás de negócios de aparência legal, lavam e movimentam fortunas; achacam empreiteiras envolvidas
em obras públicas e humildes vendedores de mariola; disputam com traficantes
territórios aonde o Estado não chega; exploram trabalhadores com pedágio sobre
transporte e sobrepreço em botijões de gás; internet, só a deles; quando não
matam, traumatizam e expulsam pessoas de suas casas. Tocam o terror.
Quando as milícias viraram notícia nacional, entre o fim da década de
1990 e o início dos anos 2000, políticos normalizaram a atividade criminosa. Ou
por estarem muito longe da vida da população ou por dentro até demais do
esquema dos bandidos que se faziam passar por protetores. Dois prefeitos do
Rio, Cesar Maia e Eduardo Paes,
falaram bem delas naquele momento; depois se arrependeram.
A reportagem de Rafael Soares mostra a fulminante trajetória de Ronnie Lessa, preso pelo assassinato de Marielle Franco; ele era vizinho de Bolsonaro num condomínio
da Barra. Adriano da Nóbrega, chefe da milícia em Rio das Pedras, foi
condecorado por Flávio Bolsonaro. Morto pela PM na Bahia, levou para o túmulo
a caixa-preta do submundo.
Bolsonaro deu em 2008 uma entrevista para a BBC na qual se revelou um porta-voz
das milícias. O livro reproduz trechos da conversa: "Elas oferecem
segurança e conseguem manter a ordem e a disciplina nas comunidades. O governo
deveria apoiá-las. E no futuro deveria legalizá-las". Na prática,
milicianos já agem com a força da lei —a lei do conchavo.
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