terça-feira, 21 de novembro de 2023

Míriam Leitão - Milei deixa de lado improviso

O Globo

Presidente eleito da Argentina falou em cumprimento da lei, elogiou aliados e disse que será preciso adotar medidas fortes para deter a inflação, mas não citou fechamento do Banco Central ou dolarização

Javier Milei surpreendeu em seu primeiro discurso. Primeiro por ter feito um discurso lido, logo ele uma pessoa cheia de improvisos e arroubos, dessa vez, fez tudo diferente. Aliás, ele demorou bastante a ir vir a público. Houve um grande intervalo entre o momento que Sergio Massa reconheceu a derrota e informou já ter ligado para o concorrente para parabenizá-lo e a aparição do novo presidente eleito da Argentina.

Destaco algumas frases do discurso de Milei. Ele disse: "“dentro da lei, tudo, fora da lei, nada”. Não sei se é uma daquelas frases bonitas para começo de mandato, para não assustar. Afinal, ele defendeu durante toda a campanha uma proposta de muita ruptura, mas ressalto nessa primeira fala após eleito a ausência de temas como fim do Banco Central e da dolarização da economia.

Ao mesmo tempo sinalizou com medidas fortes contra a crise econômica. Milei disse que não há lugar para gradualismo, nem para meias medidas para enfrentar a situação econômica argentina que ele definiu como crítica. Ele falou em medidas fortes na economia, por outro lado, tentou tranquilizar aqueles que temem seus arroubos e falta de respeito às instituições, o que tem sido uma forte marca da extrema direita da qual ele faz parte.

Pouco antes da eleição, Milei atacou a justiça eleitoral, como vimos acontecer recentemente aqui no Brasil, dizendo que teve fraude no primeiro turno, sem apresentar nenhuma prova. Ontem, no entanto, ele estava satisfeito, claro, ganhou por grande margem, e afirmou que seus compromissos são democracia, comércio livre e paz. Em seu discurso, o presidente eleito buscou dar algumas mensagens de tranquilidade.

Outra coisa que me chamou atenção foi a busca de construir pontes para a governabilidade. Ele vai precisar de uma coalizão para governar. Nesse sentido, elogiou muito Mauricio Macri e Patricia Bullrich que "colocaram seus corpos para defender a liberdade". Milei acha que representa essa liberdade. E agradeceu muito também Santiago Capulto, estrategista da sua campanha, indicado por Macri, a quem ele definiu como "arquiteto da vitória".

Ele fez um discurso pensado, de quem sabe que vai ter muitas dificuldades para governar, apesar dessa vitória impressionante, com 11,5 pontos de diferença de Sergio Massa.

Milei vai precisar de uma boa estratégia para conter a trajetória da inflação que já passa dos 140% ao ano. E não se trata de uma estratégia de "vou fechar o Banco Central e a inflação vai sumir", isso não resolve. Nem dizer que vai dolarizar a economia argentina. Como poderia fazer uma dolarização, se o país não tem reservas cambiais? Ele precisa de um plano bem arquitetado. Os arroubos podem impressionar na campanha, mas não na hora de governar.

A inflação argentina é um pouco diferente da brasileira, lá não há uma indexação formal, como sempre teve no Brasil. De qualquer maneira, a inflação a caminho dos 200% ao ano é muito difícil de lidar. Esse vai ser o primeiro desafio de Milei.

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