O Globo
A lógica do orçamento secreto — mais que a
opacidade, o autoritarismo nas distribuições — veio para ficar. Mecanismo sem
precedentes para o exercício concentrado de poder pela elite imperial
parlamentar, permanecerá. A única questão sendo como se arranjará — que forma
haverá — para 2024; costurado, no vácuo ligeiro franqueado por uma LDO que
encavala a LOA, o orçamento do ano que vem, a ser novamente peça de ficção. A
questão sendo quão ficcional será a fantasia.
Para aquilatar a ordem de grandeza de apenas uma entre as mordidas projetadas. O Congresso Lira — o Parlamento do Lirão (antes houvesse um Centrão) — avança com inflação própria e estica a corda de suas pretensões para o valor total de emendas parlamentares em 2024: R$ 46 bilhões. (Foram inscritos pouco mais de R$ 36 bilhões para 2023.)
Quase todo mundo em Brasília bravateia em
defesa da meta fiscal haddadeana — também modalidade literária do campo do
fantástico. (Respeite-se o natimorto arcabouço fiscal!) Todo mundo a defender a
austeridade nas contas dos outros. A conta não fecha. Está aí, fiscalista,
Arthur Lira — antes fosse somente a hipocrisia o problema. O presidente da
Câmara a desejar que se sustente o objetivo de equilíbrio fiscal enquanto
trabalha para garantir que não faltem bilhões — mais bilhões — às emendas
parlamentares. (Arrecade-se!)
Para ser exato: Lira articula para que não
lhe faltem, e crescentes, os bilhões em emendas — e, mais, que assim seja sob
amarras que ampliem a porção de pagamento obrigatório, destinações a ser
cumpridas pelo governo segundo calendário determinado, em lei, pelo Congresso.
Seria o Executivo formalizado como despachante do Legislativo. Para ser
preciso: Lula como despachante de Lira.
Não há hipótese em que prospere, como abrigo
adicional dos dinheiros outrora sob emenda do relator (a fachada original do
orçamento secreto), a ideia da nova emenda parlamentar para bancadas
partidárias. Lira não admitiria. Não como nicho-receptáculo de parte do volume
que fora do orçamento secreto. Quer os dinheiros em quantidade crescente, com
cronograma de liberações — e os quer sob seu controle.
Não terá chegado até aqui para que líderes
partidários, em função do tamanho de suas representações, ascendam com
autonomia para apontar o destino do orçamento. Isso lhe é prerrogativa
exclusiva.
Equilíbrio fiscal da carochinha para Faria
Lima à parte, acima de tudo — onde se impõe o mundo real — o equilíbrio, a
estabilidade, do poder de Lira. A República, parece, depende disso; desse
império. E então teremos as emendas de comissão turbinadas. Interditada a
emenda do relator e findo, com 2023, o acordo que realocara a grana do
orçamento secreto para que continuasse sob propriedade dos senhores do
Parlamento, surpresa nenhuma haverá em que se acomodem os dinheiros em rubricas
já existentes, sob os cuidados de comissões cujos comandantes são escolhidos
por Lira e outros alcolumbres, pachecos incluídos.
Todo apoio (até março) à meta fiscal zero de
Haddad; desde que a Fazenda não venha contingenciar o do Congresso. Contratadas
estando — e se alimentando — a expansão dos gastos federais e a expansão da
musculatura de Lira. Conte-se com o presidente da Câmara para aprovar os
projetos de incremento da arrecadação. São muitos os PACs no porvir, ano
eleitoral já despontado, entre os quais o programa de aceleração do crescimento
do fundão eleitoral. Nenhum maior que o PAC de Arthur Lira; que opera na
esperança de atrasar que lhe sirvam café frio.
O homem levou a Caixa e trabalha para que seu
sócio generoso — o governo Lula — nem sequer possa gerir o tempo em que
distribui as emendas. Quer radicalizar a força com que influi nas votações
legislativas: um modelo em que o governo, na Câmara, só precisasse tratar com
ele. Lira é bolsonarista sobretudo na maneira como despreza a política — que
apregoa defender — e esvazia a cultura liberal de representação. Acusa os
críticos de criminalizar a política enquanto esvazia a Câmara de lideranças,
que perverte em comerciantes, e arma o cenário em que o Parlamento seja ele.
Empunha a bandeira da ampliação da autonomia
parlamentar sobre fundos orçamentários — em nome dos deputados — enquanto, na
prática, centraliza em si o controle desses recursos, achatando iguais à
condição de dependentes de favor. Não quero chamar os parlamentares que
embarcam nessa — que embarcados vão faz tempo — de trouxas. Os dinheiros,
afinal, chegam a suas pontas — e não serão tantos os que se preocupam com a
saúde, a relevância, da democracia representativa.
Pagam, aceitam pagar, também o governo topa,
institucionalizado pois, o custo de administração Lira. Ele passará. A cultura
fica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário