Valor Econômico
Ganhar eleição foi a parte fácil. A parte
difícil começa agora. A partir de hoje, atenções estarão voltadas às indicações
econômicas e políticas que o presidente eleito dará
Presidente eleito da Argentina, o libertário
Javier Milei assumirá, em 10 de dezembro, em meio a uma gravíssima crise
econômica. Ele prometeu, em seu discurso de domingo à noite, “mudanças
drásticas”, sem gradualismo.
Seu plano econômico para o curto prazo não é
claro ainda. E ele terá pouco tempo para aplicá-lo e quase nenhuma margem de
erro. Os riscos são enormes. Os próximos seis meses serão decisivos.
A vitória de Milei encerra um ano em que o atual governo de esquerda basicamente adiou o enfrentamento de crise do país e fechou suas contas com dinheiro emprestado, adiando pagamentos e imprimindo moeda. Essa longa protelação, que agravou a situação econômica, acaba agora.
Milei receberá do kirchnerismo a mãe de todas
as heranças malditas. O país está em recessão, com previsão de queda de cerca
de 3% do PIB neste ano. A inflação em 12 meses está em 142,7%. O déficit fiscal
primário deve fechar o ano em 2,5%. E o país praticamente não tem mais reservas
internacionais.
A Argentina está à beira de uma clássica
crise de balanço de pagamentos, quando o país não tem mais dólares para honrar
seus compromissos externos. Na semana passada, Bolívia e Paraguai suspenderam
as exportações de banana até que os importadores argentinos quitem os
pagamentos atrasados.
Há escassez de combustíveis, por falta de
dólares para importação. O risco nos próximos meses é de um novo calote na
dívida, o que atrasaria ainda mais o processo de normalização da economia.
A vitória clara de Milei elimina parte da
incerteza política, mas não a incerteza econômica. O libertário foi muito
eloquente sobre seus planos de longo prazo, como a eliminação do Banco Central,
mas muito vago sobre como pretende enfrentar os desafios dos próximos meses,
que serão decisivos para ele e para o país.
Oito anos atrás, o centrista Mauricio Macri
assumiu a Presidência com um cenário não tão ruim na economia. Ele esperava que
sua vitória gerasse um clima de otimismo, que traria investimentos e dólares ao
país, permitindo um ajuste gradual da economia, menos doloroso. Isso não
aconteceu.
Desta vez, Milei promete um ajuste drástico,
um choque liberal, mas sem dar detalhes. Seus desafios mais imediatos são o
déficit fiscal (que está por trás da inflação alta) e a falta de dólares. A
expectativa é que ele promova um corte duro de gasto público, para reduzir a
necessidade de financiamento do Estado. Mas fazer isso em meio a uma recessão é
difícil, pois pode agravar mais a crise no curto prazo e haverá resistência
política e social.
Ele promete também cortar impostos, o que
implicaria na necessidade de um ajuste fiscal ainda maior. Um plano otimista
demais pode gerar uma onda de desconfiança nos mercados, como aconteceu no
Reino Unido em 2022 e que acabou derrubando a então premiê libertária Liz
Truss.
Sobre a recomposição das reservas, as opções
são igualmente poucas e difíceis. A Argentina não deverá ter acesso tão cedo a
financiamento externo. Resta tentar ampliar as exportações, cortar ainda mais
as importações (o que vai gerar mais desabastecimento) ou dar um novo calote na
dívida.
Além do plano econômico adequado, o novo
governo precisará ainda de habilidade política para implementá-lo. As prováveis
medidas de ajuste, como cortes nos vários subsídios (à energia, aos transportes
etc.), devem piorar a situação econômica no curto prazo e farão a Argentina
empobrecer.
Deverá haver muita tensão social no primeiro
semestre do ano que vem, com protestos e greves. O Congresso ficará sob pressão
e haverá resistência política aos ajustes. O peronismo, na oposição, tem um
histórico de desestabilizar governo rivais.
Sem experiência de governo, há muitas dúvidas
em relação à capacidade de Milei de convencer os argentinos a aceitarem os
sacrifícios. Até agora, ele mostrou mais talento para destruir pontes do que
para construí-las. Isso ficou evidente na primeira frase de seu discurso da
vitória, quando deu “boa noite a todos os argentinos de bem”. Milei agora é o
presidente eleito de todos os argentinos, e não apenas daqueles que ele
considera do bem.
Por isso, é grande na Argentina a expectativa
sobre qual será o papel do ex-presidente Macri no futuro governo. Apesar de
Milei ter ganho a Presidência, o novo governo será de coalizão com Macri, algo
também inédito na história recente do país.
Macri foi fundamental para a vitória de
Milei. O libertário teve cerca de 30% dos votos no primeiro turno. Boa parte
dos 25 pontos que ele agregou nesse segundo turno foram bancados pelo apoio de
Macri. O ex-presidente, porém, é contrário a parte das propostas de Milei, como
a dolarização total da economia. Economistas ligados a Macri trabalham numa
proposta de liberalização maior das contas em moeda estrangeira, para tentar
trazer para o sistema financeiro os bilhões de dólares que os argentinos guardam
em casa.
O partido de Milei terá apenas 12% dos
deputados, 11% dos senadores no Congresso e nenhum governador. Precisará do
apoio da bancada ligada a Macri para aprovar qualquer projeto, e muitas de suas
promessas de campanha precisarão passar pelo Legislativo.
Para Macri, o abraço com Milei é altamente
arriscado. Primeiro porque é incerto se o presidente eleito aceitará a tutela
de Macri. Além disso, se o futuro governo der certo, os louros tenderão a ficar
com Milei, e o partido de Macri corre o risco de se tornar num apêndice de uma
nova direita. Se der errado, Macri será responsabilizado.
Além de fazer tudo certo na política e na
economia, o que já é uma tarefa hercúlea, Milei terá ainda de torcer pelo
imponderável. Ele precisa de uma boa safra agrícola no início de 2024, que
traria dólares à economia e facilitaria o ajuste. Uma nova seca, como a que
ocorreu neste ano, poderá inviabilizar a retomada de economia.
Para Milei, ganhar a dura disputa eleitoral
foi a parte fácil. A parte difícil começa agora. Apesar de a posse ser em 10 de
dezembro, a partir de hoje todas as atenções estarão voltadas às indicações
econômicas e políticas que o presidente eleito dará. A Argentina não tem tempo.
O governo Milei de fato começa hoje.
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