O Globo
Acabar com o Banco Central argentino parece
sem sentido, mesmo para quem acha possível a dolarização da economia
O banco central tem outras funções além de
ser a autoridade monetária. Mesmo um país que não tenha moeda própria,
permanece tendo um banco central para cuidar das atribuições legais de
supervisão bancária e financeira. É por isso que os países da União Europeia,
que abriram mão de ter moeda própria em favor do euro, mantiveram o órgão para
a supervisão, como a Alemanha e a Itália. A ideia de acabar com o Banco Central
da Argentina parece
sem sentido, mesmo para quem acha que a dolarização sem dólar é possível.
A dolarização envolveria transformar todos os contratos da economia numa espécie de dólar argentino que equivaleria a um dólar americano. Mas a primeira dificuldade é em que taxa de câmbio os ativos em peso se transformariam em dólar? Hoje há várias taxas na Argentina e no câmbio livre o peso é mais desvalorizado. Dessa escolha dependerá a dimensão da perda de valor de ativos e da riqueza argentina.
Além disso, como é possível dolarizar sem ter
dólar físico? O que os especialistas dizem é que se for bem feita, pode, em
tese, provocar uma onda de repatriação dos dólares de argentinos. Mas isso só
se o plano inspirar confiança. A mudança poderia tornar muito atrativo para
argentinos levarem de volta ao país o dinheiro que têm no exterior. Essa
atratividade seria tanto maior quanto maior for a taxa de desvalorização do
peso.
Há economistas que enxergam um caminho para a
Argentina, mas com o risco de o país deixar de ter autonomia para fazer
política monetária. No processo de implantação há muitas complexidades. Mesmo
os que acham que é possível fazer, dizem que o governo ainda não explicou como
o fará, por isso é difícil dizer se é viável ou não.
A ideia sedutora de que haveria uma forma
simples de acabar com a inflação atraiu os eleitores argentinos que querem se
livrar de uma moeda que perde valor rapidamente. Mas o que existe até agora na
Argentina é uma enorme incerteza sobre o que vai acontecer no governo Javier Milei.
Ele usou a estratégia de dar declarações
bizarras, durante a campanha, como a de que ele pedia conselhos ao seu cachorro
morto, na expectativa de que os eleitores falassem das bizarrices, em vez de
perguntar sobre as propostas. É uma fórmula que a extrema direita usou com
sucesso em vários países do mundo. Assim, captura-se a atenção da opinião
pública para algum não-assunto e o candidato não precisa aprofundar as suas
propostas.
Ontem o mercado comemorou com altas
estratosféricas em alguns papeis argentinos em Nova York, como as ações da YPF
que subiram quase 40%, empresa que ele prometeu privatizar. Isso provavelmente
ocorrerá, avalia o ex-diretor da ANP David Zylberstajn, porque a empresa de
petróleo argentina já foi privatizada e reestatizada. Outros especialistas
também acham que ele cumprirá essa promessa até porque esse pode ser um sinal
forte a indicar que seguirá as promessas liberais que fez.
A YPF é apenas uma fração da Petrobras e
oscilou muito de tamanho na sua história. A Yacimientos Petrolíferos Fiscales,
fundada em 1922, foi privatizada nos anos 1990 pelo governo peronista de Carlos
Menem. Ficou sob o comando da Repsol. Em 2012, foi novamente estatizada no
governo de Cristina Kirchner. Hoje produz 520 mil barris/dia, 21% do que a
Petrobras produz e, no ano passado, suas reservas chegaram a 1,2 bilhão de
barris, pouco mais de um décimo das reservas provadas da petroleira brasileira.
Décio Odonne, que foi diretor da ANP e hoje
preside a Enauta, conta que em termos de produção a empresa oscilou muito. Já
chegou a produzir 600 mil barris diários, nos anos 1990 e, entre 2010 e 2011,
caiu para 150 mil. Só em 2020 entrou em rota de recuperação. A ação da empresa
já chegou a valer US$ 60 na Bolsa de Nova York, no início de 2000, caiu muito e
chegou a US$ 4 dólares há um ano. Depois voltou a subir para em torno de US$
15.
Oddone alertou que no caminho da privatização
da empresa é necessário tomar algumas medidas como a de acabar com o forte
subsídio na área de energia, nos preços de diesel, gasolina e gás.
—Macri tentou fazer um ajuste gradual nisso e
não conseguiu. Milei propõe uma mudança drástica.
A Argentina é um país rico, tem abundantes
recursos naturais e está com seus papeis baratos por causa de prolongada crise.
Por isso o mercado se animou tanto ontem. Contudo, ninguém sabe como Milei
cumprirá suas promessas.
Um comentário:
Verdade.
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