terça-feira, 21 de novembro de 2023

Opinião do dia - Manuel Castells*

Em tempos de incertezas costuma-se citar Gramsci quando não se sabe o que dizer. Em particular, sua célebre assertiva de que a velha ordem já não existe e a nova ainda está para nascer. O que pressupõe a necessidade de uma nova ordem depois da crise. Mas não se contempla a hipótese do caos. Aposta-se no surgimento dessa nova ordem de uma nova política que substitua a obsoleta democracia liberal que, manifestamente, está caindo aos pedaços em todo o mundo, porque deixa de existir no único lugar em que pode perdurar: a mente dos cidadãos.

A crise dessa velha ordem política está adotando múltiplas formas. A subversão das instituições democráticas por caudilhos narcisistas que se apossam das molas do poder a partir da repugnância das pessoas com a podridão institucional e a injustiça social: a manipulação midiática das esperanças frustradas por encantadores de serpentes; a renovação aparente e transitória da representação política através da cooptação dos projetos de mudanças; a consolidação de máfias no poder e de teocracias fundamentalistas, aproveitando as estratégias geopolíticas dos poderes mundiais; a pura e simples volta à brutalidade irrestrita do Estado em boa parte do mundo, da Russia à China, da África neocolonial aos neofascismos do Leste Europeu e às marés ditatoriais na América Latina.

E, enfim, o entrincheiramento no cinismo político, disfarçado de possibilismo realista dos restos da política partidária como forma de representação. Uma lenta agonia daquilo que foi essa ordem política.  

*Manuel Castells. "Ruptura – A crise da democracia liberal", p.144. Editora Zahar. Rio de Janeiro, 2017.

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