terça-feira, 21 de novembro de 2023

Dora Kramer - Saudade da ribalta

Folha de S. Paulo

Sem muito a fazer, Bolsonaro fustiga Tarcísio em busca da relevância perdida

Jair Bolsonaro anda sem atividades relevantes com as quais se ocupar. Transita entre prestações de contas à polícia, cerimônias de entrega de medalhas em Câmaras Municipais e gestos que deem a impressão de que será um cabo eleitoral imprescindível à direita, mesmo impedido de concorrer por decisão da Justiça.

À falta do que fazer, fustiga Tarcísio de Freitas, que tem mais a fazer. Precisa governar São Paulo, cujos problemas não são poucos nem pequenos. Já ao ex-presidente sobra tempo livre para cavar espaço no noticiário político.

Apenas se antagonizar ao presidente da República já não rende, sendo a recíproca verdadeira. Para Luiz Inácio da Silva também é ativo gasto. Por isso o ex-presidente resolveu fazer algo que é notícia pelo inusitado da coisa: afetar contrariedade com o governador que ajudou a eleger.

Brigar com aliado chama mais atenção do que combater o adversário. Bolsonaro decidiu apostar alto quando disse que a relação com Tarcísio não "andava bem". Por quê? Relação civilizada com o governo federal, apoio à Reforma Tributária e atitudes não condizentes com o bolsonarismo-raiz.

Tarcísio faz gestos para adoçar a boca dos radicais como quando anistia multas da pandemia ou presta absurda homenagem a Erasmo Dias em obra pública.

Perfumarias insuficientes para aplacar a saudade que Bolsonaro tem da ribalta e por isso precisa criar caso, como criou com a ciência, com a China, com jornalistas, com o STF, com a legislação ambiental e com o próprio vice, Hamilton Mourão.

Por mais que Bolsonaro provoque em busca de reação, marcar posição na toada da extrema direita não interessa a Tarcísio, cujo plano é outro: entregar uma boa administração de São Paulo e se reeleger em 2026, a fim de concorrer em 2030 na defesa dos ideais da direita. Algo mais civilizado que os anseios saudosistas de um cacique anacrônico em busca da relevância perdida.