O Estado de S. Paulo
‘Dama do tráfico’ expõe audácia do crime e desleixo na capital da República
É inadmissível e imperdoável o Ministério da
Justiça, responsável pela Segurança Pública, abrir as portas e os gabinetes,
com direito a fotos, a uma mulher conhecida como “dama do tráfico”, condenada a
dez anos de prisão por diferentes crimes e casada com o “Tio Patinhas”, líder
do Comando Vermelho no Amazonas, que cumpre pena de 30 anos, inclusive por
homicídios (no plural).
O secretário de Assuntos Legislativos do ministério, Elias Vaz, assumiu a responsabilidade, mas isso é pouco para quem recebeu a “dama do tráfico”, Luciane Barbosa Farias, e a encaminhou a outros três integrantes da cúpula da pasta do ministro Flávio Dino. O mínimo que Vaz deveria fazer, até para reduzir a pressão sobre Dino, era pedir demissão – se é que não o fez após a conclusão desta edição.
O escândalo, revelado pelos repórteres do
Estadão André Shalders e Tácio Lorran, sem adjetivos, só com fatos, expõe falta
de controle e indigência grave e pouco usual. Quem já visitou ministérios,
Congresso e Judiciário sabe que são exigidos crachá ou documento de identidade,
antes de passar pela segurança. Não é chegar e ir entrando.
Segundo o ministério, era “impossível” a
inteligência identificar quem era a “visitante” e o risco que ela trazia. Como?
Para que serve a inteligência? E há complicadores: ela foi a primeira vez,
voltou, circulou e se encontrou com quatro secretários ou diretores, sem nem
sequer estar na agenda de qualquer um deles.
A “dama do tráfico” também fez um “tour” pelo
Congresso, onde tirou fotos com parlamentares governistas e na porta de
gabinetes da oposição, e nas sedes da ONU em Brasília, do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) e do Ministério dos Direitos Humanos, tudo a pretexto de uma
pauta sobre “questão prisional”. O que ela realmente queria? E o que conseguiu?
Além de expor a vulnerabilidade dos Poderes
da República – já vandalizados em 8/1 –, esse erro tem alto custo político para
o governo, porque os bolsonaristas forçam a barra para criar uma hipotética
ligação de Lula e do PT com facções criminosas. Pura cortina de fumaça para
disfarçar as ligações perigosas da família Bolsonaro com milicianos no Rio, até
condecorando um preso acusado de assassinato, depois morto pela polícia.
De qualquer forma, o Ministério da Justiça e
os outros ilustres endereços da República mostraram-se despreparados e
negligentes, enquanto a “dama do tráfico” confirma a desenvoltura, audácia e
dimensão do crime organizado no Brasil, além da incúria do próprio sistema
judiciário. Como uma criminosa condenada a dez anos de prisão pode estar livre,
leve, solta e aprontando dessas e outras?
Um comentário:
Muito bom o artigo,eu só achei aquela expressão ''indigência'' fora de lugar,rs.
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