Decisão na Argentina
Folha de S. Paulo
Qualquer que seja o resultado da eleição, há
pouca chance de melhora na economia
Os argentinos decidem neste domingo (19) de
quem será o mandato para presidir o país nos próximos quatro anos. As opções do
segundo turno, o peronista Sergio Massa e o anarcodireitista Javier Milei,
dificilmente resgatarão a nação vizinha da arapuca econômica em que se meteu.
Porção menosprezada no antigo império
espanhol, a Argentina tornou-se um dínamo no final do século 19, quando a sua
renda per capita se aproximava da dos Estados Unidos. O país sul-americano
explorava com eficiência seu invejável potencial agropecuário, educava
rapidamente a população e atraía muita imigração europeia.
Essa máquina engripou em meados do século 20, não por coincidência no momento em que ideias econômicas intervencionistas e populistas encontraram no peronismo a sua encarnação política. Hoje a renda argentina não ultrapassa um terço da norte-americana.
Insolvente em divisas não fosse o socorro
financeiro do Fundo Monetário Internacional, a Argentina chega à eleição com
inflação anual de 143% e em aceleração. O Produto Interno Bruto deve encolher
2,5% neste ano —terá passado
metade do mandato de Alberto Fernández no vermelho.
O aparente paradoxo dessa situação é o
ministro da Economia, Sergio Massa, ter-se qualificado, com a maior parcela da
votação, para o segundo turno presidencial.
O custo dos analgésicos que Massa distribuiu
no cargo para favorecer seu desempenho na urna, sob a forma de novas rodadas de
subsídios e artifícios tarifários, se acumula no colossal passivo
orçamentário que terá de ser enfrentado tão logo o vencedor do pleito
presidencial seja conhecido.
Do outro lado está Milei, a propugnar pela
dolarização de uma economia com aguda carência de dólares, o que redundaria
numa recessão ainda mais brutal. O aventureiro ilude compatriotas com a ideia
de que "abolir" o Banco Central resolverá a questão.
Autodeclarado "anarcocapitalista",
Milei é a versão
argentina do outsider de direita em voga nas democracias ocidentais.
Difamador das instituições, semeador de
mentiras, vendedor de saídas fáceis e erradas, o desafiante tem tudo para dar
com os burros n’água caso se sagre vencedor, até porque não terá maioria
automática no Legislativo.
Em meio a tanta instabilidade econômica, é
forçoso reconhecer a virtude da democracia na Argentina. Desde que se livrou de
uma ditadura violenta, 40 anos atrás, o país não abriu mão de solucionar no
voto e dentro da lei as suas divergências políticas.
É do interesse dos argentinos, do Brasil e da
comunidade das nações democráticas que continue assim.
Preservar o IBGE
Folha de S. Paulo
Preocupam falas do chefe do instituto, que
deve ser tratado como órgão de Estado
São justificáveis os temores suscitados por
declarações recentes e um tanto obscuras do presidente do IBGE, Marcio
Pochmann.
Durante palestra a servidores do órgão, o
economista aventurou-se a filosofar sobre a produção das estatísticas do
instituto, a seu ver moldada somente em experiências de países do Ocidente como
Estados Unidos, Inglaterra e França.
Haveria que considerar, postulou, "o
deslocamento do centro dinâmico do mundo para o Oriente" —e o exemplo que
lhe ocorreu foi o
da ditadura chinesa, notória pela divulgação de dados duvidosos.
Da mesma maneira tortuosa, Pochmann também
anunciou o que parece ser uma nova era da divulgação dos números do órgão.
"A comunicação do passado era aquela em que o IBGE produzia as
informações, os dados, fazia uma coletiva e transferia a responsabilidade para
o grande público através dos meios de comunicação tradicional. Isso ficou para
trás."
E completou: "Hoje cada um de nós tem a
capacidade de comunicação, é um produtor de informação também, de análise, de
opinião. Isso tem gerado uma sociedade complexa, inclusive pelo fato da difusão
de fake news, de mentiras".
O discurso poderia ser tomado como devaneio
momentâneo ou falatório vazio —não fosse a
muito conhecida trajetória de Pochmann.
Adepto fervoroso das teses econômicas mais
exóticas da esquerda latino-americana, o presidente do respeitadíssimo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística chegou ao posto graças a sua
fidelidade ao correligionário Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em administrações passadas do partido, de
2007 a 2012, teve passagem desastrosa pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplica (Ipea), quando comprometeu a credibilidade da instituição ao alinhá-la à
agenda política do Planalto.
Uma conduta assim teria consequências muito
mais funestas no IBGE —ao qual cabem estatísticas fundamentais como o tamanho
da população, a expansão da economia e a situação do mercado de trabalho, que
guiam políticas públicas e embasam as avaliações domésticas e globais sobre a
governança do país.
Trata-se de órgão de Estado, não de governo,
cujo trabalho deve seguir diretrizes transparentes e estar a cargo de um quadro
de servidores qualificados. Até onde se sabe, tais condições têm sido
respeitadas por governos de diferentes orientações. Que assim continuem.
Indefinição na Argentina gera apreensão
O Globo
Nenhum dos dois candidatos no segundo turno
parece ter competência para reverter a decadência do país
Os argentinos escolhem hoje quem será
empossado presidente em 10 de dezembro. Ambos os candidatos que passaram ao
segundo turno, o peronista Sergio Massa e
o ultraliberal Javier Milei,
são ruins. Massa é ministro da Economia de um país onde a inflação deverá
fechar o ano perto de 200% e a proporção de pobres e miseráveis não para de
crescer. Milei é um populista com ideias tresloucadas, como dolarizar a
economia. Embora nenhum deles aparente ter competência para tirar o país da
espiral descendente, há diferenças essenciais entre os dois. A principal é que
Milei representa uma ameaça à democracia.
No discurso, ele defende conceitos como
liberdade de expressão e participação política, além de ideias democráticas. Na
prática, seguindo a estratégia de Donald Trump e Jair Bolsonaro, tem aumentado
o tom das acusações — sem evidências — de fraude no sistema eleitoral. Há
poucos dias, sua campanha apresentou denúncia, com base em “fontes anônimas”,
acusando as forças de segurança de ter alterado o conteúdo das urnas em favor
de Massa, vencedor no primeiro turno em outubro. Para mobilizar seus eleitores,
Milei decidiu, de forma premeditada, erodir a confiança em eleições justas,
portanto na democracia.
O perfil dos eleitores de Milei na Argentina
e de Bolsonaro no Brasil é distinto. Mas os dois grupos compartilham
características marcantes. Uma delas, revela pesquisa da Universidade de
Oxford, é a inclinação por teorias conspiratórias. Em caso de derrota, pior se
por margem estreita, o temor é Buenos Aires ser tomada por uma onda de
vandalismo como a vista em Washington e em Brasília. Mesmo que seja aclamado
vencedor, Milei dificilmente abandonará o estilo provocador, com ataques
infundados às instituições. Sem maioria no Congresso, não faltarão incentivos
para embates.
Caso ganhe, Massa certamente receberá a
proverbial herança maldita. A ironia é que se trata de herança de si mesmo. Ele
próprio ajudou a piorar a situação. A dois meses do primeiro turno, anunciou um
pacote eleitoreiro com todas as marcas do populismo irresponsável. Quase 7,5
milhões de aposentados ganharam bônus, os atendidos por programas sociais
receberam benefícios ampliados, trabalhadores formais passaram a ter acesso a
uma nova linha de crédito e os que trabalham por conta própria obtiveram alívio
tributário. Tudo isso num país onde o governo gasta há anos muito mais do que
pode e tem uma dívida impagável de US$ 43 bilhões com o Fundo Monetário
Internacional (FMI).
Se eleito, para fazer o ajuste econômico que
até hoje adiou, Massa terá de romper com a ala kirchnerista de seu partido,
defensora da falida estratégia econômica do nuevo desarrollismo, que tanto
estrago fez lá (e também aqui, nos governos petistas). É incerto se, no poder,
Massa obteria apoio da oposição que não aderiu a Milei. A Argentina não dispõe
de um “centrão” disposto a aderir a qualquer projeto político.
Os argentinos celebraram em outubro 40 anos
de democracia, período ininterrupto mais longo de sua história. Crises não
faltaram em quatro décadas. A eleição de hoje representa outro teste. O melhor
a esperar de quem quer que vença é assumir com o compromisso de desmanchar a
impressão, compartilhada mundo afora, de que os desastres econômicos argentinos
não são meros acidentes, mas aparentemente o objetivo dos governantes.
Golpes em anúncios digitais exigem ação de
plataformas e autoridades
O Globo
Pesquisa descobriu que Meta permite
publicidade com links para arapucas financeiras e até para jogo do bicho
Pesquisa do NetLab, laboratório da Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encontrou nas
redes da Meta —
empresa controladora de Facebook, Instagram e WhatsApp —
anúncios suspeitos de fraude. Peças
publicitárias do Desenrola Brasil, programa do governo para renegociação de
dívidas, ou promoções da Black Friday têm sido usadas para disseminar links a
golpes financeiros.
No início do mês, dezenas de postagens usavam
grandes marcas do varejo simulando promoções para atrair internautas a sites de
conversas fora da rede. Nada muito diferente da enxurrada de mensagens de
quadrilhas que invadem os telefones celulares com alertas falsos sobre
problemas bancários, para induzir incautos a ligar para uma central 0800 e
fornecer números de contas, cartões, senhas ou fazer um Pix.
A legislação ambígua do Brasil tem facilitado
a atração de jogadores, por meio das plataformas da Meta, para arriscar a sorte
em roletas digitais em Curaçao, paraíso fiscal no Caribe. Anúncios no Facebook
prometem ganhos de até R$ 5 mil com o jogo.
Até o jogo do bicho, uma contravenção penal,
circula nos anúncios da Meta. Não é possível saber se os anúncios são
publicados pelas quadrilhas que tradicionalmente controlam o negócio ou se não
passam de outras iscas para atrair incautos para golpes financeiros. Para o
internauta, o melhor é sempre desconfiar.
Permitir que uma plataforma digital seja
usada para crimes financeiros ou contravenções equivale a ser cúmplice. Fica
cada vez mais difícil para as gigantes digitais se esconder atrás da fachada de
meras “empresas de tecnologia”, na tentativa de se esquivar da responsabilidade
judicial pelo que deixam circular em suas redes. “Todos os dias encontramos uma
quantidade incalculável de anúncios ilícitos, fraudulentos, enganosos, com
golpes de todos os tipos, usando indevidamente nome de empresas, marcas e instituições
conhecidas para cometer crimes”, disse ao GLOBO Rose Marie Santini,
coordenadora do NetLab. O diagnóstico dela é preciso e certeiro: “As
plataformas precisam respeitar as leis brasileiras e estar sujeitas ao mesmo
regime jurídico de quem presta serviço de publicidade fora do ambiente
digital”.
Como as demais gigantes digitais, a Meta parece se considerar imune a decisões de governos. A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, publicou em julho medida cautelar contra a veiculação de anúncios fraudulentos do Desenrola Brasil. Somente na sexta-feira anunciou que aplicará multa de R$ 150 mil para cada dia de descumprimento. Se falta regulação e há muito desrespeito a normas e leis, existe também leniência no poder público para fazer cumpri-las.
O STF não deve ser protagonista da política
O Estado de S. Paulo
Se é verdade que a Constituição obriga o
Supremo a atuar em matérias políticas, como disse Barroso em evento no
‘Estadão’, também é verdade que isso não autoriza Corte a fazer política
Na abertura do seminário O papel do Supremo
nas democracias, organizado pelo Estadão em parceria com o Broadcast e
patrocínio da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o ministro Luís Roberto
Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou um panorama das aflições
vividas pelas democracias constitucionais em tempos de populismo autoritário e
do consequente protagonismo exercido pelos tribunais constitucionais ao redor
do mundo.
Barroso discorreu sobre os elementos
caracterizadores das democracias constitucionais – soberania popular, Estado de
Direito, proteção dos direitos fundamentais – e enfatizou o papel dos tribunais
constitucionais na garantia da convivência entre esses elementos – uma
convivência tensionada nos últimos tempos por governos populistas, em sua
cruzada pela imposição das decisões das maiorias políticas inclusive sobre
direitos fundamentais e freios institucionais.
Como era de esperar, Barroso dedicou-se
especialmente ao caso brasileiro. Citou os enfrentamentos do STF com o governo
do ex-presidente Jair Bolsonaro, salientando as ações da Corte nos campos
ambiental, sanitário, eleitoral e democrático.
Daí passou à exposição da “singularidade” do
papel do STF no País e das razões da percepção pública de seu protagonismo.
Lembrou, primeiro, que a Constituição de 1988 é um documento abrangente, que
“constitucionalizou inúmeras matérias que, em outras partes do mundo, são
deixadas para a política”. Essa constitucionalização remeteria a solução de
controvérsias constitucionais ao Poder Judiciário, notadamente ao Supremo, em
vez da política.
Além disso, o protagonismo do STF se veria
incrementado pelas diferentes ações judiciais que dão acesso à Corte (ação
direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade,
etc.) e pelos diversos autores que podem recorrer diretamente a ele (presidente
da República, Mesas da Câmara e do Senado, procurador-geral da República, OAB,
etc.).
Barroso negou também as acusações de ativismo
por parte do STF, afirmando que, na maioria dos casos assim qualificados no
debate público (instalação de CPIs, despenalização do porte de drogas), a Corte
não recorreu a princípios abstratos para disciplinar uma situação concreta
desprovida de regulamentação – o que caracterizaria o ativismo. Para o
ministro, as pessoas frequentemente chamam de “ativista” as decisões de que não
gostam.
A exposição feita por Barroso trouxe
esclarecimentos relevantes e convincentes em sua maioria, mas deixou de tocar
num ponto igualmente importante. Ao focar as razões “externas” do protagonismo
do STF, notadamente o desenho constitucional brasileiro, Barroso ignorou as
razões “internas” desse protagonismo, que dizem respeito a comportamentos da
Corte ou de seus ministros – comportamentos que explicam parte da visão
negativa da opinião pública sobre o Supremo.
Nesse ponto, sobram exemplos: manifestações
de ministros na imprensa sobre casos sob julgamento ou que nem chegaram ainda
ao STF; presença de ministros em eventos promovidos por partes com causas no
tribunal; e acertos políticos e desacertos pessoais entre ministros
transmitidos via TV Justiça ou embutidos em decisões monocráticas. A isso têm
se somado decisões preocupantes, que desvalorizam direitos fundamentais, como
provam os tantos processos e réus sob jurisdição exclusiva do Supremo, os
inquéritos intermináveis e certas restrições à liberdade de expressão. Nesse
contexto, o argumento de que a atuação do STF visa a proteger a democracia
convence menos, pois, afinal, uma das condições da democracia é justamente o
respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.
Garantir esse respeito é papel do Supremo –
muito mais do que, como disse Barroso, “fazer uma interlocução com a
sociedade”, “ouvir as pessoas” e “construir pontes”. Essa é uma tarefa dos
políticos. São eles que atuam “na ponta”, no contato com eleitores e no
desenlace de questões políticas. Ao STF cabe uma atuação “na origem”,
garantindo as condições para a estabilidade e o desenvolvimento da democracia
constitucional tão bem evocada pelo ministro.
Juízo final na Argentina
O Estado de S. Paulo
Argentinos elegem seu presidente hoje
totalmente às escuras em relação ao rumo que Milei ou Massa darão à economia do
país. Quem quer que vença terá de fazer um governo de emergência
Imprevisível e certamente apertado, o
resultado da eleição presidencial na Argentina, hoje, não dará ao vencedor
nenhum motivo para celebrar. Imediatamente, terá que apresentar um plano
factível para superar o caos econômico e social do país. O problema é que, até
a véspera do pleito, a consistência das propostas do peronista Sergio Massa e
do anarcocapitalista Javier Milei diluía-se entre a vaga continuidade de
políticas já fracassadas ao longo da trevosa era kirchnerista e a aposta em uma
“destruição criativa” cujo risco maior está na decomposição da governabilidade.
Como nunca antes desde a redemocratização do país, os argentinos terão uma
eleição que mais se parece com o juízo final.
Ao contrário do esperado, o quadro nebuloso
sobre o futuro da economia da Argentina acentuou-se ao longo de uma campanha
eleitoral altamente polarizada, na qual a difusão do discurso do medo ofuscou
ainda mais a clareza do eleitorado. Os argentinos vão às urnas cegos em relação
a seu destino, embora cientes do quanto lhes pesa o descontrole da inflação,
prevista em nível próximo a 200% no final do ano, e do quanto dependem de
subsídios sociais para fechar as contas do mês. O rancor do eleitor é tão genuíno
quanto a incerteza.
A espiral inflacionária exige um profundo
ajuste nas contas públicas e um manejo eficaz das políticas monetária e
cambial, sem perder de vista medidas das quais 40% da população, atirada à
pobreza, depende para sobreviver. Não importa quem vença a eleição, um choque
na economia é praticamente inevitável. A magnitude desse choque, entretanto,
ainda é tão desconhecida quanto a capacidade política de Massa ou de Milei de
adotá-lo.
Grosso modo, as promessas centrais de Milei –
dolarização da economia argentina, eliminação do Banco Central e drástico corte
nos gastos públicos – esbarram na resistência até mesmo de segmentos de direita
no Congresso argentino. Já as apostas de Massa no crescimento econômico a
partir da exploração de gás, petróleo e lítio, além da preservação de subsídios
sociais ora ampliados por motivação eleitoral, sugerem que o cardápio peronista
de ideias fracassadas permanece o mesmo. Em qualquer dos casos, é possível
antever enormes riscos para a governabilidade e de rebelião social. Ainda estão
frescos na memória os momentos de profunda tensão no final do abreviado governo
de Fernando de la Rúa, em 2001, quando o presidente teve que fugir da Casa
Rosada de helicóptero em meio a protestos cuja repressão deixou mais de 30
mortos.
Por mais obscuro que seja o cenário de hoje,
entretanto, é preciso considerar a formidável resistência de uma economia
sujeita a inflação crescente, a recessão, a duas dezenas de taxas de câmbio e a
reservas internacionais exíguas. A Argentina não implodiu no mesmo caos de 2001
nem recorreu à moratória como solução ao endividamento. Embora atolado, o país
tampouco deixa de figurar entre os primeiros dos rankings de desenvolvimento
humano da América Latina, ainda dispõe de respaldo do Fundo Monetário Internacional
(FMI) e do Clube de Paris e registra alta competitividade em alguns segmentos
privados.
Em resumo, por enquanto, não se trata de um
caso definitivamente perdido. Daí a urgência de o vencedor da eleição expor com
toda a clareza um rumo sensato, pragmático e bem fundamentado para a economia.
O apoio doméstico e internacional às reformas necessárias depende do descarte
de fórmulas mágicas, populistas e inconstitucionais. Sem isso, a percepção de
seriedade do governo a ser empossado em 10 de dezembro estará esvaziada.
Seja qual for o resultado eleitoral,
espera-se o reforço do caminho democrático escolhido pelos argentinos há 40
anos. Questionamentos gratuitos e sem comprovação sobre a legitimidade do
pleito – como fez “El Loco” Milei, bem ao estilo de Jair Bolsonaro e Donald
Trump – não devem ser tolerados, em respeito à cidadania e à Constituição do
país. Os argentinos já sofrem suficientemente sob o peso de uma economia
desmantelada em seus fundamentos. Não merecem tentativas golpistas contra o
Estado de Direito Democrático que, com esforço, construíram.
O desafio legal de Israel
O Estado de S. Paulo
Israel deve ser a antítese do Hamas:
defender-se e proteger os inocentes no campo inimigo
Após seis semanas de guerra, a segunda fase
da ação de Israel – a invasão ao norte de Gaza iniciada há três semanas – foi
consumada. O sucesso militar intensifica os desafios políticos.
A crise do Hospital Al-Shifa encapsula esses
desafios. As leis da guerra exigem evitar ataques a instalações civis,
especialmente de infraestruturas médicas, exceto sob três condições: se servem
para cometer atos hostis; se as forças invasoras emitem advertências; e se,
após um período razoável, essas advertências não tiverem surtido efeito.
As alegações de que o hospital era uma base
do Hamas são plausíveis. Uma verificação isenta ainda está pendente, mas as
armas e o túnel revelados pelas forças israelenses parecem confirmá-las.
E as outras condições? No dia 12, as forças
israelenses anunciaram uma rota de escape para civis do AlShifa e dois outros
hospitais. Estima-se que 60 mil palestinos abrigavam-se nele. No dia da
invasão, restavam só 1,5 mil. Os médicos dizem que não conseguiam se mover
entre os prédios por causa da troca de tiros, indicando que o Hamas disparou
contra os israelenses. Tudo isso sugere que o hospital era um alvo legítimo e
foi legitimamente alvejado.
Mas com o seu controle surgem outros deveres.
Israel afirma que está provendo combustível e suprimentos aos pacientes que
restaram. Também precisa prover instalações emergenciais nos arredores e
garantir refúgios aos que dali tiveram que sair.
Agora que o Hamas foi neutralizado no norte e
quase 2 milhões de palestinos estão comprimidos no sul, Israel enfrentará
desafios similares em larga escala: como obliterar o Hamas e minimizar os danos
a civis?
As prometidas pausas humanitárias e o alívio
às rotas de suprimento via Egito serão cruciais para legitimar suas operações.
Israel precisará criar novas instalações emergenciais, levar pacientes a
hospitais israelenses e estabelecer campos de refugiados.
Mesmo que os radicais no governo e parte dos
israelenses se oponham a auxiliar os palestinos, isso é não só um imperativo
moral, mas estratégico. Quando o Hamas massacrou barbaramente 1.400 pessoas e
sequestrou mais de 200, seu objetivo era provocar uma retaliação bárbara de
Israel e forçá-lo a invadir Gaza para libertar os reféns. Os terroristas
queriam uma crise humanitária, confiando que a cada dia a opinião pública
global esqueceria a barbárie do Hamas e se concentraria no sofrimento contínuo
dos palestinos, degradando a imagem de Israel entre seus aliados e insuflando o
radicalismo.
Os fanáticos islâmicos, assim como os esquerdistas, são irremediáveis. Antes que a primeira bomba caísse em Gaza, quando os cadáveres de inocentes ainda estavam quentes, essas hostes já haviam decidido que eles não eram inocentes, mas “opressores”, e que Israel era “terrorista” e “genocida”. Mas, para as pessoas sensatas, Israel precisa provar que – na direção diametralmente oposta ao Hamas – está fazendo tudo o que pode para proteger seus civis e aliviar o sofrimento dos inocentes no campo inimigo. Só assim consumará uma vitória não só militar, mas também política, sobre o Hamas.
A escolha dos argentinos
Correio Braziliense
Todas as pesquisas de intenções de votos apontam que qualquer dos dois candidatos — Sergio Massa, de centro-esquerda, e Javier Milei, da direita radical — pode sair vitorioso
Os argentinos vão às urnas neste domingo em
meio a um grande suspense. Nunca o país chegou a um pleito presidencial tão
dividido como agora. Todas as pesquisas de intenções de votos apontam que
qualquer dos dois candidatos — Sergio Massa, de centro-esquerda, e Javier
Milei, da direita radical — pode sair vitorioso com uma pequena margem de
diferença em relação ao oponente. A indefinição é tamanha que a economia
argentina, com inflação anual de 143%, praticamente parou à espera da decisão
dos eleitores.
A Argentina está em crise há mais de duas
décadas. Sucessivos planos econômicos fracassados empurraram o país para um
buraco que parece não ter fundo. Políticas econômicas ineficientes e escolhas
erradas nas urnas contribuíram para o caos que levou a nação vizinha a ostentar
a triste estatística de ter mais de 40% da população na pobreza. Os programas
sociais adotados ao longo dos últimos anos não foram suficientes para fazer
frente à escalada dos preços. Os mais ricos abandonaram a moeda local, o peso,
e buscaram proteção no dólar.
Em meio a esse tormento sem fim, o
ultradireitista Milei conseguiu aglutinar apoio das camadas mais
desfavorecidas, dos jovens e, sobretudo, da elite argentina. Com um discurso de
rompimento com tudo o que está estabelecido, promete acabar com o Banco Central,
romper com Brasil e China, os dois principais parceiros comerciais da
Argentina, sair do Mercosul, dolarizar a economia e promover um enxugamento sem
precedentes do Estado, com o fim de todos os subsídios e programas sociais.
Massa, por sua vez, é o atual ministro da
Economia de um governo sem qualquer representatividade. Há um ano e meio no
posto, vem pregando que pode promover os ajustes necessários na economia para
conter a inflação, ampliar as exportações, atrair investimentos estrangeiros e
dar um novo alento ao povo tão sofrido. Nos pronunciamentos mais recentes, tem
assegurado que, com o fim da seca que devastou o agronegócio, o país voltará a
ser um dos celeiros do mundo, criando empregos e distribuindo renda.
Para que lado penderá a maioria dos eleitores
só se saberá depois de abertas as urnas. O certo é que o risco de uma
radicalização, seja quem for o vencedor, pode levar a Argentina a conviver com
fenômenos muito parecidos com os vistos no Brasil. Nas últimas semanas, Milei e
seguidores mais fanáticos passaram a questionar a seriedade do sistema
eleitoral argentino. Ele afirma que foi roubado nas primárias que o definiram
como candidato e no primeiro turno da disputa presidencial. O argumento está
pronto para ser usado em caso de derrota.
Por mais que os argentinos estejam
insatisfeitos com os rumos da economia, o desemprego e a inflação aviltante, é
preciso que saibam preservar a democracia conquistada a tanto custo, depois de
um longo e sangrento período ditatorial. Não pode haver espaço para que
radicais tentem atacar os pilares democráticos, como ocorreu nos Estados
Unidos, com a invasão ao Capitólio, e no Brasil, com a destruição das sedes dos
Três Poderes. As duas maiores democracias das Américas foram abaladas e os
riscos de destruição continuam presentes.
Escolhas à direita ou à esquerda não
significam a usurpação do direito mais sagrado dos eleitores, que é o voto. O
poder de escolha previsto na Constituição argentina deve se sobrepor a qualquer
tentativa de minar o sistema político em vigor que, se não é perfeito, é o que
garante a alternância de poder e permite à sociedade decidir seu futuro. O
mundo, sabe-se, vive um momento complexo. Há, hoje, mais autocracias e regimes
autoritários do que democracias. A Argentina certamente sabe em que direção
pretende ir. Mas qualquer descuido pode resultar num caminho sem retorno. Todo
poder neste domingo está com os eleitores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário