O Globo
Nem Campos Neto tentava sabotar o governo,
nem os diretores do Lula forçaram uma queda abrupta dos juros
A autonomia do Banco Central passou em mais um teste, e por muito tempo a reunião da última quarta-feira será lembrada. Ela é simbólica por vários motivos. Primeiro, porque o corte de juros reafirma a confiança da autoridade monetária de que a gestão da economia pelo PT não será leniente com a inflação. Segundo, porque a decisão dividida em 5 a 4 mostrou que o debate interno foi intenso, e esse é o objetivo da independência do Banco. Terceiro, o alinhamento entre os votos do presidente Roberto Campos Neto e dos diretores Gabriel Galípolo e Ailton Aquino mostra que nem o primeiro tentava sabotar o governo, como acusavam radicais petistas, nem os diretores indicados por Lula tentaram forçar uma queda abrupta da Selic, como temiam céticos da Faria Lima. A instituição saiu fortalecida desse encontro do Copom.
Erro e comemoração
No mercado, poucas horas depois da decisão,
a sensação era de alívio até por quem apostou em um corte menor da taxa Selic,
de 0,25 ponto. “Eu errei (a projeção de queda, que ficou em 0,5 ponto), mas
acho que o resultado foi o melhor possível. O voto de minerva do Campos Neto,
ao lado dos dois diretores indicados por Lula, vai reduzir a pressão política
sobre o Banco Central, que terá mais tranquilidade para fazer o seu trabalho.
Isso vai dar mais confiança para o mercado”, confidenciou o economista-chefe de
um grande banco.
‘Visão estratégica’
O voto de Campos Neto diminui o risco de
uma guinada do governo em direção a uma política econômica heterodoxa. Embora
esse tipo de risco não esteja nos modelos de previsão de inflação do Banco
Central, é inegável que esse fator precisa ser levado em consideração nas
decisões de política monetária. Investidores classificaram a postura de Campos
Neto como uma “visão estratégica”.
Curto prazo
A forte alta do dólar de quinta-feira
parece ter sido movimento de curto prazo. Ontem o real recuperou parte das
perdas. Em relatório enviado a clientes, a XP Investimentos reduziu de R$ 5,00
para R$ 4,70 sua estimativa para o dólar no final do ano, mesmo com o corte dos
juros em meio ponto. O que vai definir os rumos do real, na verdade, — além do
cenário internacional — será a capacidade de o Ministério da Fazenda entregar
as medidas de ajuste fiscal, principalmente as de arrecadação, para cumprir as
metas de resultado primário. Quanto maior a confiança nas contas públicas, mais
forte o real e menores os juros.
Risco inflacionário
O petróleo subiu pela sexta semana seguida
e voltou a assombrar a economia internacional, pelo seu impacto inflacionário.
Desde o dia 12 de junho, a alta chega a quase 20% no barril do tipo brent, como
mostra o gráfico. A valorização fez o governo americano adiar um programa de
compra de petróleo para recompor as reservas estratégicas do país. Com a guerra
da Ucrânia, elas caíram ao menor nível desde 1985. Já a China, que vem
comprando petróleo barato dos russos, que sofrem embargo econômico pela
invasão, aproveita para ampliar as próprias reservas. No Brasil, o aumento dos
preços coloca mais pressão sobre a Petrobras. Ontem, o ministro de Minas e
Energia, Alexandre Silveira, disse à Globonews que a margem para a estatal
manter os preços está “no limite”.
Interesse em alta
O mercado agora monitora um por um o posicionamento dos diretores do Banco Central. Segundo Daniel Xavier Francisco, do departamento econômico do banco ABC Brasil, já houve uma forte alta nas buscas pela frase “diretores BC”. “A maior relevância individual dos diretores pode ser percebida no “Google Trends” — a procura por este tópico tem tendência crescente”, disse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário