Devastação do Cerrado requer ação do governo
O
Globo
Enquanto
desmatamento vem sendo contido na Amazônia, bate recorde no segundo maior bioma
do país
Os
últimos números de desmatamento do sistema Deter, do Inpe, divulgados na
quinta-feira, trazem motivos para comemoração e, ao mesmo tempo, preocupação. A
comemorar, a redução
significativa na devastação da Amazônia, um alento depois de
sucessivos recordes de destruição durante a gestão de Jair Bolsonaro. A
preocupar, o aumento da
perda de vegetação no Cerrado, que atingiu o maior patamar desde o
início da série histórica, em 2019.
Na Amazônia, os alertas de desmatamento registrado pelo Deter somaram 7.952 quilômetros quadrados entre agosto de 2022 e julho de 2023, a menor marca anual em quatro anos. De acordo com o Inpe, a área desmatada é 7,4% menor que no período anterior (2021-2022). Considerando apenas o mês de julho (tradicionalmente o mais crítico), a redução foi de 66%. A boa notícia não se restringe aos números. De acordo com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o recuo aconteceu em vários estados e municípios, atestando uma queda consistente.
Em
contrapartida, o Cerrado, segundo maior bioma do país, considerado “berço das
águas”, continua sendo um desafio para o governo do presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva, eleito com a promessa de reduzir o desmatamento. Embora a Amazônia tenha
maior apelo internacional, a devastação do Cerrado também deve ser encarada
como prioridade. Pelos números do Inpe, a área verde derrubada atingiu 6.359
quilômetros quadrados, 16,5% acima da registrada no período 2021-2022.
Na
reunião em que os dados foram apresentados pelos ministérios do Meio Ambiente e
da Ciência e Tecnologia, o governo fez ressalvas sobre os números catastróficos
do Cerrado. Alegou que podem ser explicados em parte pelo tempo menor de ação
da União na região, em comparação com a Amazônia. Argumentou ainda que as
responsabilidades precisam ser divididas com os estados, uma vez que eles
emitem as autorizações para supressão de vegetação. Disse também que o
desmatamento no Cerrado poderia ter aumentado “de forma desenfreada” não
tivessem sido tomadas ações emergenciais.
São
argumentos sensatos, mas os números do Cerrado não se tornam melhores com as
explicações. Durante quatro anos, o PT, na oposição, atacou — com razão — a
política antiambiental de Bolsonaro. No governo, espera-se que faça diferente.
Lula firmou compromissos internacionais para combater o desmatamento. Não há
desculpa para os recordes de devastação no Cerrado, especialmente quando se
conseguem resultados expressivos na Amazônia. Claro que são biomas diferentes,
mas o aperto na fiscalização costuma dar resultados em qualquer região. Se os
estados são lenientes, que se cobre deles. O governo dispõe de ferramentas e
informações em tempo real. Basta agir.
É
inegável que houve uma mudança de postura na área ambiental. Operações contra
atividades ilegais se tornaram mais frequentes. Organismos como Ibama e ICMBio,
desmantelados no governo passado, recompuseram equipes de fiscalização. As
multas, antes em extinção, foram retomadas para coibir crimes como o garimpo
clandestino. Mas isso é o que se espera, diante do descalabro da devastação que
fez do país um pária internacional. Não bastam boas intenções. É preciso
mostrar resultados — e logo.
Decisão
do TCU abre perspectiva favorável para aeroportos cariocas
O
Globo
Manutenção
da Changi no controle do Galeão torna menos turbulento reequilíbrio com Santos
Dumont
A decisão do
Tribunal de Contas da União (TCU) que permite ao governo fazer um acordo para
manter a empresa Changi, de Cingapura, à frente da concessão do
Aeroporto Tom Jobim/Galeão, no Rio, torna menos turbulento o plano de
recuperação do terminal, esvaziado nos últimos anos em consequência do
desequilíbrio flagrante em relação ao saturado Santos Dumont. No ano passado, a
Changi desistira do negócio. Depois da troca de governo, manifestou intenção de
permanecer, desde que pudesse renegociar o contrato.
Havia
dúvidas se, legalmente, a concessionária poderia permanecer depois da desistência,
pois a decisão enseja implicações jurídicas. Como o governo não se mostrava
disposto a renegociar o contrato, o caminho natural seria relicitar o
aeroporto. Mas essa também não seria alternativa tranquila. A Changi informou
que, caso saísse, pediria ressarcimento pelos investimentos feitos. Além disso,
um novo leilão demandaria tempo — de dois a três anos —, e a demora para buscar
uma solução para o Galeão não interessa a ninguém.
A
decisão do TCU vale também para outros aeroportos (como Viracopos, em Campinas)
e foi tomada depois de consulta dos ministérios dos Transportes e dos Portos e
Aeroportos. Embora seja positiva para desembaraçar o imbróglio, não encerra a
questão, pois há condicionantes. Uma delas é que as multas e outorgas não pagas
poderão ser repactuadas, mas não subtraídas de outorgas futuras. Negociar não
será tarefa fácil. Conta a favor as partes estarem dispostas a chegar a um
acordo. Para o Planalto, seria interessante manter na administração do Galeão
uma das maiores operadoras aeroportuárias do mundo.
Independentemente
do desfecho da negociação, há medidas urgentes a tomar. Da forma como operam
hoje o Galeão e o Santos Dumont, pouco importa a troca de concessionária, uma
vez que o negócio se mostra pouco atraente. No curto período entre 2019 e 2022,
o Galeão caiu do quarto para o décimo lugar no ranking nacional dos aeroportos
(o número de passageiros diminuiu de 13,6 milhões para 5,7 milhões). Enquanto
isso, o Santos Dumont subiu de sétimo para quinto (o movimento cresceu de 8,9
milhões para 9,9 milhões de passageiros).
Qualquer
solução para o desequilíbrio entre os aeroportos cariocas passa pela restrição
de voos no Santos Dumont e pelo aumento no Galeão. Nos últimos dias surgiram
sinais animadores. Depois de o governo concordar em reduzir o movimento no
Santos Dumont, a Gol
anunciou que ampliará a oferta de voos no Galeão em 38% a partir de outubro e
em 110% a partir de novembro. Latam e Azul também planejam aumentar
a presença no terminal internacional. Espera-se que, gradativamente, os
aeroportos passem a funcionar de forma complementar, como em qualquer cidade do
mundo. Será melhor para todos.
Democracia em jogo
Folha de S. Paulo
Ação de Trump contra eleição, similar à de
Bolsonaro, terá julgamento histórico
Donald Trump ouviu em uma corte federal
americana em Washington, na quinta-feira (3), os termos de seu indiciamento
pela acusação de tentar reverter a derrota sofrida para Joe Biden no
pleito de 2020.
Noves fora o ineditismo de ver um
ex-presidente americano sendo acusado de conspirar contra a democracia de 247
anos, havia um certo senso de déjà-vu. Afinal, este é o terceiro indiciamento e
a segunda passagem de Trump por uma corte em meros quatro meses.
O rol das acusações —duas de defraudar os
Estados Unidos e direitos (penas máximas de 5 anos), e outras duas acerca de
obstrução de Justiça (até 20 anos de cadeia em cada)— era conhecido.
Fora esmiuçado no inquérito congressual
sobre os fatos que levaram ao 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores de Trump
deixaram um comício com ele para depredar o Capitólio, que se reunia para
referendar a vitória de Biden.
Ainda assim, não se trata de comprar o
silêncio de uma mulher na campanha de 2016 ou de esconder documentos secretos
em sua propriedade, objetos dos outros casos.
Trata-se de discutir a democracia
americana, questionada hoje por regimes como China e Rússia.
Claro que tudo depende de qualidade de
provas e da interpretação de juízes, mas o que está em questão é a essência do
sistema: pode alguém eleito dentro de suas regras trabalhar, com recurso até à
violência, para subvertê-lo?
A resposta de Trump, de que sofre
perseguição e que os eleitores o julgarão em 2024, é perigosíssima por alijar o
contrapeso judicial do processo democrático.
O cenário ganha tintas sombrias quando
pesquisas mostram Trump favorito para ganhar a indicação republicana, além de
estar empatado com Biden na disputa.
Não só para os EUA. Como a hélice dupla de
um DNA perverso de populismo direitista, Trump e Jair Bolsonaro (PL) seguiram
juntos na espiral de ascensão e queda.
Usualmente com dois anos de atraso, a rota
percorrida pelo brasileiro emulou de forma notável à do americano, da vitória
impensável aos apoiadores destruindo edifícios, passando pelo questionamento do
sistema eleitoral.
O cipoal de acusações contra Bolsonaro é
mais variado —vai do 8 de janeiro ao caso do hacker a serviço de seus aliados.
Mas, por aqui, a Justiça
Eleitoral já o declarou inelegível até 2030. Nos EUA, Trump pode
concorrer até preso.
O impacto do indiciamento ainda precisa ser
avaliado, mas tudo sugere que o populismo está pronto para mais um desafio nos
EUA, com naturais repercussões globais.
Ensino sem papel
Folha de S. Paulo
Medida que abandona livro didático impresso
em SP é abrupta e pouco transparente
Políticas públicas devem se basear em
evidências e ser decididas de forma transparente, de preferência incorporando
consultas a especialistas e setores da sociedade.
Não é o que se vê na recente decisão da
Secretaria de Educação de São Paulo de abandonar
livros didáticos impressos a partir do 6° ano do ensino fundamental.
De 2024 em diante, como revelou a Folha, o material será totalmente
digital e produzido pela pasta.
Para isso, o governo paulista recusou
exemplares do Programa Nacional do Livro Didático, que são selecionados por
especialistas, comprados pelo MEC e distribuídos para escolas de todo o país.
As justificativas do secretário de
Educação, Renato Feder, para dispensar esse acervo pedagógico gratuito são as
de que o catálogo do PNLD estaria defasado e seria superficial, enquanto o
conteúdo digital seria mais atraente.
Ademais, a uniformização do conteúdo e das
aulas facilitaria o trabalho docente e melhoraria o aprendizado, que seria
testado por provas padronizadas. Os argumentos merecem debate; a forma como se
tomou a medida, porém, é sem dúvida problemática.
Há muito açodamento e pouca transparência.
Uma política que impactará 1,4 milhão de estudantes paulistas no ensino
fundamental e 1,3 milhão no médio não deve ser implementada de forma abrupta e
sem consulta pública. O governo estadual também não especifica qual será o
processo de criação e avaliação do material didático.
Segundo pesquisadores, nenhum país que faz
amplo uso de recursos digitais abandonou completamente os livros físicos. O
modelo mais comum, aponta-se, é o híbrido.
De acordo com o Relatório Global de
Monitoramento da Educação da Unesco deste ano, não há evidências
científicas suficientes a respeito dos benefícios da tecnologia digital na
educação.
Há, sim, associação negativa entre o uso
exagerado de aparelhos digitais e o desempenho dos alunos —sem contar a relação
entre transtornos cognitivos e de humor em jovens com o uso de telas
(celulares, tablets e computadores).
Por fim, a nova regra pode aprofundar
desigualdades, dado que nem todas as escolas possuem a mesma infraestrutura
tecnológica e nem todos os
alunos têm acesso aos dispositivos em casa —como ficou claro
durante a pandemia.
O governo paulista tem opções como fazer testes em pequena escala de sua estratégia ou prever uma implementação gradual. A aposta em uma reviravolta, sem fundamentação mais sólida, afigura-se uma temeridade para os alunos.
O dever de respeitar o Congresso
O Estado de S. Paulo
Não cabe ao STF redigir nova legislação
antidrogas. O problema não está na Lei 11.343/2006, e sim no Judiciário
punitivista, que resiste a aplicar a lei tal como ela foi aprovada
Há grande confusão a respeito do julgamento
no Supremo Tribunal Federal (STF) do Recurso Extraordinário (RE) 635.659 sobre
o porte de drogas para consumo pessoal, confusão essa que parece envolver
também ministros da Corte. Sempre, mas especialmente em relação a temas
politicamente controvertidos, o STF tem o dever de fazer valer a Constituição –
e nada mais do que a Constituição.
Há 17 anos, o Congresso reduziu
consideravelmente a pena do crime de porte de drogas para consumo pessoal.
Segundo o art. 28 da Lei 11.343/2006, “quem adquirir, guardar, tiver em
depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às
seguintes penas: (i) advertência sobre os efeitos das drogas; (ii) prestação de
serviços à comunidade; (iii) medida educativa de comparecimento a programa ou
curso educativo”.
Ou seja, não é uma eventual decisão do STF
no RE 635.659 que fará com que o porte de drogas para consumo pessoal não leve
ninguém à cadeia. Isso já foi definido pelo Congresso. No entanto, o Judiciário
tem resistido a obedecer à vontade do legislador. Com a redução da pena do
porte de drogas em 2006, juízes passaram a condenar como crime de tráfico de
entorpecentes o que antes era mero porte de drogas para consumo pessoal. Assim,
por força da interpretação distorcida, a Lei 11.343/2006 gerou efeito contrário.
Em vez de reduzir a pena do porte de drogas, a lei gerou uma onda de
criminalização das drogas, com magistrados ampliando o conceito de tráfico para
englobar o que era porte para consumo pessoal.
O problema não é, portanto, o art. 28 da
Lei 11.343/2006. Em vez de conduzir ao ativismo judicial – instituindo uma nova
regulação para as drogas, sob pretexto de inconstitucionalidade –, o STF tem o
dever de proteger a vontade do Legislativo, assegurando a aplicação efetiva da
Lei 11.343/2006 por todos os juízes e tribunais do País. Ninguém deve estar na
cadeia em razão de porte de drogas para consumo pessoal – e isso não porque
alguns ministros assim o querem, mas em razão de uma lei aprovada pelos
representantes do povo eleitos pelo voto.
No entanto, a incompreensão sobre o papel
do STF parece incluir também alguns ministros da própria Corte. O ministro
Alexandre de Moraes utilizou o seu voto para redigir uma nova legislação
antidrogas. Por exemplo, propôs um critério de quantidade, e apenas em relação
à maconha, para distinguir usuários de traficantes.
Ora, uma vez que não há nada na
Constituição diferenciando a maconha de outras substâncias ilícitas – tampouco
a Lei 11.343/2006 faz essa distinção –, a proposta de Alexandre de Moraes
ultrapassa os limites do cargo. Ao inventar uma nova regulação das drogas, a
partir de como acha que ela deveria ser, o ministro do STF atua como se fosse
parlamentar. Com razão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, qualificou
como “invasão de competência do Poder Legislativo” eventual decisão do STF que
crie um novo regime jurídico, diferente do que foi aprovado pelo Congresso,
para as drogas.
Se o STF almeja contribuir para uma atuação
do Estado mais racional em relação aos entorpecentes, a primeira condição é
respeitar as competências constitucionais, bem como os fatos. Atualmente, o
principal problema não tem origem na Lei 11.343/2006, mas na recusa do
Judiciário em aplicar a lei. Inconstitucional não é o art. 28, e sim a
ampliação do conceito de tráfico de drogas.
Aqui, o dever do Supremo é assegurar
respeito à vontade do Legislativo, que desde 2006 excluiu a pena de prisão para
o porte de qualquer droga para consumo pessoal. Nessa tarefa, cabe ao
Judiciário fixar diretrizes mínimas para que todas as suas instâncias e órgãos
apliquem igualmente a lei, sem arbitrariedades punitivistas. Mas esse trabalho
requer especial contenção. Ao prover orientação para o Judiciário, o STF não
pode substituir, tampouco dar a impressão de que está substituindo, o
Congresso, o que seria inconstitucional e politicamente desastroso.
A hora da política na Margem Equatorial
O Estado de S. Paulo
Corretamente, Lula sugere a possibilidade
de explorar petróleo na Margem Equatorial; aos técnicos, cabe definir os
riscos, e aos políticos eleitos, cabe a decisão sobre assumi-los
Em viagem ao Norte, o presidente Lula abordou
a possibilidade de explorar petróleo na Margem Equatorial. “É uma decisão que o
Estado brasileiro precisa tomar, mas o que a gente não pode é deixar de
pesquisar. Primeiro, temos de pesquisar se tem aquilo que a gente pensa que tem
lá. E quando a gente achar, a gente vai tomar uma decisão do Estado brasileiro
– o que a gente vai fazer, como é que a gente pode explorar.”
Como se sabe, o Ibama negou à Petrobras uma
perfuração para sondar a existência de petróleo em um bloco a 160 km da costa e
a mais de 500 km da foz do Amazonas. Ele integra uma extensão de bacias da
Guiana ao Rio Grande do Norte, que, com potencial próximo ao do pré-sal, pode
ser a nova fronteira energética brasileira.
O Ibama justifica a negativa com base em
“inconsistências preocupantes para a operação segura” em uma área de “alta
vulnerabilidade socioambiental”. O órgão tem legitimidade e autonomia para
tanto, e, nesse sentido, o ônus da prova é da Petrobras. Por outro lado, quando
Lula diz que é “difícil” haver problemas porque é uma área “a 530 km de
distância da Amazônia”, exprime o senso comum. Desde 2015, 24 petrolíferas
atuam na costa da Guiana e do Suriname em 60 pontos de exploração, sem nenhum
incidente. É difícil para o cidadão comum conceber por que uma empresa com a
excelência da Petrobras não poderia fazer o mesmo com até mais segurança –
tanto mais em se tratando de uma única perfuração exploratória. Neste sentido,
o ônus da prova é do Ibama.
Em nenhuma extração petrolífera ou mineral
há risco zero. O Ibama tem competência para identificar projetos viáveis ou
inviáveis com base na avaliação de riscos, respectivamente, mínimos ou máximos.
Mas entre os dois polos há um risco médio. Nessa zona cinzenta, a decisão é não
só técnica, mas política, quer dizer, cabe ao povo, por meio de seus
representantes eleitos, decidir se assume riscos potenciais em prol de ganhos
reais. E esses ganhos são possivelmente imensos. Entre 2015 e 2021, o PIB da
Guiana quase dobrou, de US$ 4,1 bilhões para mais de US$ 8 bilhões. Hoje o país
tem o quarto maior PIB per capita das Américas. Nos últimos dois anos o PIB
saltou quase 100% e nos próximos dois deve saltar mais 100%.
O problema é que a zona cinzenta de
discricionariedade política é também sujeita à intromissão ideológica. Boa
parte da militância ambientalista considera a combinação Amazônia + petróleo –
ainda que já haja extração na própria floresta e a perfuração solicitada seja a
centenas de quilômetros da foz – inexoravelmente catastrófica, e há indícios de
que o Ibama e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, levaram em conta esses
humores para transformar a controvérsia em uma espécie de cause célèbre. Não é
só que a Margem já seja explorada com segurança em outros países, mas o próprio
Ibama participou do comitê que autorizou, há dez anos, a oferta de mais de 40
blocos na região que agora diz ser inviável.
Mas a combinação Amazônia + petróleo não só
não é necessariamente destrutiva, como pode ser extremamente benéfica, não só
socialmente, mas ambientalmente. Não há lugar para o petróleo nas matrizes
energéticas do futuro, mas no presente ele ainda é o maior combustível do
crescimento econômico. A Guiana é um dos países que avançam mais aceleradamente
no Índice de Desenvolvimento Humano. A melhor maneira de erradicar crimes
ambientais, mais do que a repressão, é investir recursos em uma economia
sustentável que dissuada as populações locais de apelarem a práticas
predatórias para garantir a prosperidade de suas famílias. Com mais dinheiro em
caixa, aumenta também a capacidade da Petrobras de investir em pesquisa e
desenvolvimento de energias limpas.
É a essas possibilidades que Lula se refere
quando diz às populações do Norte que podem “continuar sonhando”. E quando diz
que a negativa do Ibama “não é definitiva”, age como chefe de Estado, convocando
os membros de seu governo, sobretudo o Ministério do Meio Ambiente, a buscar
soluções de compromisso para maximizar benefícios sociais e ambientais.
Mais um golpe baixo de Putin
O Estado de S. Paulo
Ataque contra as exportações ucranianas de grãos mostra o quão longe o ditador pode ir
A ofensiva russa às exportações de grãos
ucranianos golpeou duplamente a esperança de uma solução pacífica e razoável do
conflito. Primeiro, ela sinaliza que Vladimir Putin não hesitará em empregar a
economia como arma e impor custos e vítimas à população ucraniana, à sua
própria e à do mundo inteiro para avançar sua guerra criminosa. Mostra também
que Putin não busca uma saída diplomática, mas se prepara para uma guerra maior
e mais longa. Por outro lado, o golpe baixo é um sinal de que suas opções estão
se esgotando.
Em meados do ano passado, as partes
beligerantes fizeram um acordo supervisionado pela Turquia e pela ONU para
garantir o escoamento de grãos ucranianos pelo Mar Negro. Normalmente, a
Ucrânia responde por 10% das exportações de trigo para o mundo e de 10% a 15%
das de milho. O acordo ajudou a reduzir os preços aos níveis pré-guerra e
evitar uma epidemia de fome. Mas, no dia 17, a Rússia repudiou o acordo e
passou a bombardear portos e outros canais de exportação.
A alegação de Putin de que o acordo só
enriqueceu países ocidentais e que as promessas de isentar exportações russas
de sanções foram quebradas é uma mentira flagrante. As exportações russas de
alimentos e fertilizantes não estão sob sanções e cresceram em 2022, e o
arranjo beneficiou todos os que importam alimentos.
A intenção de Putin é estrangular a
economia ucraniana e extorquir o Ocidente. A curto prazo, o primeiro objetivo
deve se mostrar mais bem-sucedido. Desde o início da guerra, a Ucrânia e seus
aliados buscam rotas alternativas. Mas elas são insuficientes e custosas e
também têm sido atacadas por Putin.
No mercado global, embora os preços já
tenham subido, as pressões devem ser, por ora, amortecidas. Desde 2022, as
safras e exportações de trigo da Europa, Austrália, Canadá, EUA e da própria
Rússia aumentaram. A escassez do milho ucraniano tende a ser compensada pela
produção do Brasil. Mas, a médio prazo, os riscos de desastre alimentar
crescem. O bloqueio concentrará o suprimento em poucos exportadores, tornando o
mercado mais vulnerável a novos choques. Ondas de calor e estiagem podem
reduzir as safras. E as exportações russas são manipuladas a serviço da guerra
de Putin.
Além dos impactos econômicos, a ofensiva de
Putin sinaliza o afastamento da diplomacia. Recentemente, seu Parlamento
biônico aprovou uma lei ampliando a capacidade de alistamento compulsório.
Putin sugere que a condição para retomar o acordo é um alívio às sanções. Mas a
chantagem não será aceita pelos ocidentais, que já planejam maneiras de romper
o bloqueio ilegal em águas internacionais, seja fornecendo mísseis à Ucrânia,
seguros aos comboios ou, no limite, escolta militar. Mas isso amplia os riscos
de confronto direto entre a Rússia e outros países.
Para as nações que pressionam por um cessar-fogo desigual ou tentam se manter neutras, essa situação serve para advertir de que sua isenção só fortalece as mãos do tirano russo para perpetuar crimes contra a Ucrânia, e, se necessário, sacrificar suas próprias populações.
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