sábado, 5 de agosto de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Devastação do Cerrado requer ação do governo

O Globo

Enquanto desmatamento vem sendo contido na Amazônia, bate recorde no segundo maior bioma do país

Os últimos números de desmatamento do sistema Deter, do Inpe, divulgados na quinta-feira, trazem motivos para comemoração e, ao mesmo tempo, preocupação. A comemorar, a redução significativa na devastação da Amazônia, um alento depois de sucessivos recordes de destruição durante a gestão de Jair Bolsonaro. A preocupar, o aumento da perda de vegetação no Cerrado, que atingiu o maior patamar desde o início da série histórica, em 2019.

Na Amazônia, os alertas de desmatamento registrado pelo Deter somaram 7.952 quilômetros quadrados entre agosto de 2022 e julho de 2023, a menor marca anual em quatro anos. De acordo com o Inpe, a área desmatada é 7,4% menor que no período anterior (2021-2022). Considerando apenas o mês de julho (tradicionalmente o mais crítico), a redução foi de 66%. A boa notícia não se restringe aos números. De acordo com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o recuo aconteceu em vários estados e municípios, atestando uma queda consistente.

Em contrapartida, o Cerrado, segundo maior bioma do país, considerado “berço das águas”, continua sendo um desafio para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito com a promessa de reduzir o desmatamento. Embora a Amazônia tenha maior apelo internacional, a devastação do Cerrado também deve ser encarada como prioridade. Pelos números do Inpe, a área verde derrubada atingiu 6.359 quilômetros quadrados, 16,5% acima da registrada no período 2021-2022.

Na reunião em que os dados foram apresentados pelos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia, o governo fez ressalvas sobre os números catastróficos do Cerrado. Alegou que podem ser explicados em parte pelo tempo menor de ação da União na região, em comparação com a Amazônia. Argumentou ainda que as responsabilidades precisam ser divididas com os estados, uma vez que eles emitem as autorizações para supressão de vegetação. Disse também que o desmatamento no Cerrado poderia ter aumentado “de forma desenfreada” não tivessem sido tomadas ações emergenciais.

São argumentos sensatos, mas os números do Cerrado não se tornam melhores com as explicações. Durante quatro anos, o PT, na oposição, atacou — com razão — a política antiambiental de Bolsonaro. No governo, espera-se que faça diferente. Lula firmou compromissos internacionais para combater o desmatamento. Não há desculpa para os recordes de devastação no Cerrado, especialmente quando se conseguem resultados expressivos na Amazônia. Claro que são biomas diferentes, mas o aperto na fiscalização costuma dar resultados em qualquer região. Se os estados são lenientes, que se cobre deles. O governo dispõe de ferramentas e informações em tempo real. Basta agir.

É inegável que houve uma mudança de postura na área ambiental. Operações contra atividades ilegais se tornaram mais frequentes. Organismos como Ibama e ICMBio, desmantelados no governo passado, recompuseram equipes de fiscalização. As multas, antes em extinção, foram retomadas para coibir crimes como o garimpo clandestino. Mas isso é o que se espera, diante do descalabro da devastação que fez do país um pária internacional. Não bastam boas intenções. É preciso mostrar resultados — e logo.

Decisão do TCU abre perspectiva favorável para aeroportos cariocas

O Globo

Manutenção da Changi no controle do Galeão torna menos turbulento reequilíbrio com Santos Dumont

A decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que permite ao governo fazer um acordo para manter a empresa Changi, de Cingapura, à frente da concessão do Aeroporto Tom Jobim/Galeão, no Rio, torna menos turbulento o plano de recuperação do terminal, esvaziado nos últimos anos em consequência do desequilíbrio flagrante em relação ao saturado Santos Dumont. No ano passado, a Changi desistira do negócio. Depois da troca de governo, manifestou intenção de permanecer, desde que pudesse renegociar o contrato.

Havia dúvidas se, legalmente, a concessionária poderia permanecer depois da desistência, pois a decisão enseja implicações jurídicas. Como o governo não se mostrava disposto a renegociar o contrato, o caminho natural seria relicitar o aeroporto. Mas essa também não seria alternativa tranquila. A Changi informou que, caso saísse, pediria ressarcimento pelos investimentos feitos. Além disso, um novo leilão demandaria tempo — de dois a três anos —, e a demora para buscar uma solução para o Galeão não interessa a ninguém.

A decisão do TCU vale também para outros aeroportos (como Viracopos, em Campinas) e foi tomada depois de consulta dos ministérios dos Transportes e dos Portos e Aeroportos. Embora seja positiva para desembaraçar o imbróglio, não encerra a questão, pois há condicionantes. Uma delas é que as multas e outorgas não pagas poderão ser repactuadas, mas não subtraídas de outorgas futuras. Negociar não será tarefa fácil. Conta a favor as partes estarem dispostas a chegar a um acordo. Para o Planalto, seria interessante manter na administração do Galeão uma das maiores operadoras aeroportuárias do mundo.

Independentemente do desfecho da negociação, há medidas urgentes a tomar. Da forma como operam hoje o Galeão e o Santos Dumont, pouco importa a troca de concessionária, uma vez que o negócio se mostra pouco atraente. No curto período entre 2019 e 2022, o Galeão caiu do quarto para o décimo lugar no ranking nacional dos aeroportos (o número de passageiros diminuiu de 13,6 milhões para 5,7 milhões). Enquanto isso, o Santos Dumont subiu de sétimo para quinto (o movimento cresceu de 8,9 milhões para 9,9 milhões de passageiros).

Qualquer solução para o desequilíbrio entre os aeroportos cariocas passa pela restrição de voos no Santos Dumont e pelo aumento no Galeão. Nos últimos dias surgiram sinais animadores. Depois de o governo concordar em reduzir o movimento no Santos Dumont, a Gol anunciou que ampliará a oferta de voos no Galeão em 38% a partir de outubro e em 110% a partir de novembro. Latam e Azul também planejam aumentar a presença no terminal internacional. Espera-se que, gradativamente, os aeroportos passem a funcionar de forma complementar, como em qualquer cidade do mundo. Será melhor para todos.

Democracia em jogo

Folha de S. Paulo

Ação de Trump contra eleição, similar à de Bolsonaro, terá julgamento histórico

Donald Trump ouviu em uma corte federal americana em Washington, na quinta-feira (3), os termos de seu indiciamento pela acusação de tentar reverter a derrota sofrida para Joe Biden no pleito de 2020.

Noves fora o ineditismo de ver um ex-presidente americano sendo acusado de conspirar contra a democracia de 247 anos, havia um certo senso de déjà-vu. Afinal, este é o terceiro indiciamento e a segunda passagem de Trump por uma corte em meros quatro meses.

O rol das acusações —duas de defraudar os Estados Unidos e direitos (penas máximas de 5 anos), e outras duas acerca de obstrução de Justiça (até 20 anos de cadeia em cada)— era conhecido.

Fora esmiuçado no inquérito congressual sobre os fatos que levaram ao 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores de Trump deixaram um comício com ele para depredar o Capitólio, que se reunia para referendar a vitória de Biden.

Ainda assim, não se trata de comprar o silêncio de uma mulher na campanha de 2016 ou de esconder documentos secretos em sua propriedade, objetos dos outros casos.

Trata-se de discutir a democracia americana, questionada hoje por regimes como China e Rússia.

Claro que tudo depende de qualidade de provas e da interpretação de juízes, mas o que está em questão é a essência do sistema: pode alguém eleito dentro de suas regras trabalhar, com recurso até à violência, para subvertê-lo?

A resposta de Trump, de que sofre perseguição e que os eleitores o julgarão em 2024, é perigosíssima por alijar o contrapeso judicial do processo democrático.

O cenário ganha tintas sombrias quando pesquisas mostram Trump favorito para ganhar a indicação republicana, além de estar empatado com Biden na disputa.

Não só para os EUA. Como a hélice dupla de um DNA perverso de populismo direitista, Trump e Jair Bolsonaro (PL) seguiram juntos na espiral de ascensão e queda.

Usualmente com dois anos de atraso, a rota percorrida pelo brasileiro emulou de forma notável à do americano, da vitória impensável aos apoiadores destruindo edifícios, passando pelo questionamento do sistema eleitoral.

O cipoal de acusações contra Bolsonaro é mais variado —vai do 8 de janeiro ao caso do hacker a serviço de seus aliados. Mas, por aqui, a Justiça Eleitoral já o declarou inelegível até 2030. Nos EUA, Trump pode concorrer até preso.

O impacto do indiciamento ainda precisa ser avaliado, mas tudo sugere que o populismo está pronto para mais um desafio nos EUA, com naturais repercussões globais.

Ensino sem papel

Folha de S. Paulo

Medida que abandona livro didático impresso em SP é abrupta e pouco transparente

Políticas públicas devem se basear em evidências e ser decididas de forma transparente, de preferência incorporando consultas a especialistas e setores da sociedade.

Não é o que se vê na recente decisão da Secretaria de Educação de São Paulo de abandonar livros didáticos impressos a partir do 6° ano do ensino fundamental. De 2024 em diante, como revelou a Folha, o material será totalmente digital e produzido pela pasta.

Para isso, o governo paulista recusou exemplares do Programa Nacional do Livro Didático, que são selecionados por especialistas, comprados pelo MEC e distribuídos para escolas de todo o país.

As justificativas do secretário de Educação, Renato Feder, para dispensar esse acervo pedagógico gratuito são as de que o catálogo do PNLD estaria defasado e seria superficial, enquanto o conteúdo digital seria mais atraente.

Ademais, a uniformização do conteúdo e das aulas facilitaria o trabalho docente e melhoraria o aprendizado, que seria testado por provas padronizadas. Os argumentos merecem debate; a forma como se tomou a medida, porém, é sem dúvida problemática.

Há muito açodamento e pouca transparência. Uma política que impactará 1,4 milhão de estudantes paulistas no ensino fundamental e 1,3 milhão no médio não deve ser implementada de forma abrupta e sem consulta pública. O governo estadual também não especifica qual será o processo de criação e avaliação do material didático.

Segundo pesquisadores, nenhum país que faz amplo uso de recursos digitais abandonou completamente os livros físicos. O modelo mais comum, aponta-se, é o híbrido.

De acordo com o Relatório Global de Monitoramento da Educação da Unesco deste ano, não há evidências científicas suficientes a respeito dos benefícios da tecnologia digital na educação.

Há, sim, associação negativa entre o uso exagerado de aparelhos digitais e o desempenho dos alunos —sem contar a relação entre transtornos cognitivos e de humor em jovens com o uso de telas (celulares, tablets e computadores).

Por fim, a nova regra pode aprofundar desigualdades, dado que nem todas as escolas possuem a mesma infraestrutura tecnológica e nem todos os alunos têm acesso aos dispositivos em casa —como ficou claro durante a pandemia.

O governo paulista tem opções como fazer testes em pequena escala de sua estratégia ou prever uma implementação gradual. A aposta em uma reviravolta, sem fundamentação mais sólida, afigura-se uma temeridade para os alunos.

O dever de respeitar o Congresso

O Estado de S. Paulo

Não cabe ao STF redigir nova legislação antidrogas. O problema não está na Lei 11.343/2006, e sim no Judiciário punitivista, que resiste a aplicar a lei tal como ela foi aprovada

Há grande confusão a respeito do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do Recurso Extraordinário (RE) 635.659 sobre o porte de drogas para consumo pessoal, confusão essa que parece envolver também ministros da Corte. Sempre, mas especialmente em relação a temas politicamente controvertidos, o STF tem o dever de fazer valer a Constituição – e nada mais do que a Constituição.

Há 17 anos, o Congresso reduziu consideravelmente a pena do crime de porte de drogas para consumo pessoal. Segundo o art. 28 da Lei 11.343/2006, “quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (i) advertência sobre os efeitos das drogas; (ii) prestação de serviços à comunidade; (iii) medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”.

Ou seja, não é uma eventual decisão do STF no RE 635.659 que fará com que o porte de drogas para consumo pessoal não leve ninguém à cadeia. Isso já foi definido pelo Congresso. No entanto, o Judiciário tem resistido a obedecer à vontade do legislador. Com a redução da pena do porte de drogas em 2006, juízes passaram a condenar como crime de tráfico de entorpecentes o que antes era mero porte de drogas para consumo pessoal. Assim, por força da interpretação distorcida, a Lei 11.343/2006 gerou efeito contrário. Em vez de reduzir a pena do porte de drogas, a lei gerou uma onda de criminalização das drogas, com magistrados ampliando o conceito de tráfico para englobar o que era porte para consumo pessoal.

O problema não é, portanto, o art. 28 da Lei 11.343/2006. Em vez de conduzir ao ativismo judicial – instituindo uma nova regulação para as drogas, sob pretexto de inconstitucionalidade –, o STF tem o dever de proteger a vontade do Legislativo, assegurando a aplicação efetiva da Lei 11.343/2006 por todos os juízes e tribunais do País. Ninguém deve estar na cadeia em razão de porte de drogas para consumo pessoal – e isso não porque alguns ministros assim o querem, mas em razão de uma lei aprovada pelos representantes do povo eleitos pelo voto.

No entanto, a incompreensão sobre o papel do STF parece incluir também alguns ministros da própria Corte. O ministro Alexandre de Moraes utilizou o seu voto para redigir uma nova legislação antidrogas. Por exemplo, propôs um critério de quantidade, e apenas em relação à maconha, para distinguir usuários de traficantes.

Ora, uma vez que não há nada na Constituição diferenciando a maconha de outras substâncias ilícitas – tampouco a Lei 11.343/2006 faz essa distinção –, a proposta de Alexandre de Moraes ultrapassa os limites do cargo. Ao inventar uma nova regulação das drogas, a partir de como acha que ela deveria ser, o ministro do STF atua como se fosse parlamentar. Com razão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, qualificou como “invasão de competência do Poder Legislativo” eventual decisão do STF que crie um novo regime jurídico, diferente do que foi aprovado pelo Congresso, para as drogas.

Se o STF almeja contribuir para uma atuação do Estado mais racional em relação aos entorpecentes, a primeira condição é respeitar as competências constitucionais, bem como os fatos. Atualmente, o principal problema não tem origem na Lei 11.343/2006, mas na recusa do Judiciário em aplicar a lei. Inconstitucional não é o art. 28, e sim a ampliação do conceito de tráfico de drogas.

Aqui, o dever do Supremo é assegurar respeito à vontade do Legislativo, que desde 2006 excluiu a pena de prisão para o porte de qualquer droga para consumo pessoal. Nessa tarefa, cabe ao Judiciário fixar diretrizes mínimas para que todas as suas instâncias e órgãos apliquem igualmente a lei, sem arbitrariedades punitivistas. Mas esse trabalho requer especial contenção. Ao prover orientação para o Judiciário, o STF não pode substituir, tampouco dar a impressão de que está substituindo, o Congresso, o que seria inconstitucional e politicamente desastroso.

A hora da política na Margem Equatorial

O Estado de S. Paulo

Corretamente, Lula sugere a possibilidade de explorar petróleo na Margem Equatorial; aos técnicos, cabe definir os riscos, e aos políticos eleitos, cabe a decisão sobre assumi-los

Em viagem ao Norte, o presidente Lula abordou a possibilidade de explorar petróleo na Margem Equatorial. “É uma decisão que o Estado brasileiro precisa tomar, mas o que a gente não pode é deixar de pesquisar. Primeiro, temos de pesquisar se tem aquilo que a gente pensa que tem lá. E quando a gente achar, a gente vai tomar uma decisão do Estado brasileiro – o que a gente vai fazer, como é que a gente pode explorar.”

Como se sabe, o Ibama negou à Petrobras uma perfuração para sondar a existência de petróleo em um bloco a 160 km da costa e a mais de 500 km da foz do Amazonas. Ele integra uma extensão de bacias da Guiana ao Rio Grande do Norte, que, com potencial próximo ao do pré-sal, pode ser a nova fronteira energética brasileira.

O Ibama justifica a negativa com base em “inconsistências preocupantes para a operação segura” em uma área de “alta vulnerabilidade socioambiental”. O órgão tem legitimidade e autonomia para tanto, e, nesse sentido, o ônus da prova é da Petrobras. Por outro lado, quando Lula diz que é “difícil” haver problemas porque é uma área “a 530 km de distância da Amazônia”, exprime o senso comum. Desde 2015, 24 petrolíferas atuam na costa da Guiana e do Suriname em 60 pontos de exploração, sem nenhum incidente. É difícil para o cidadão comum conceber por que uma empresa com a excelência da Petrobras não poderia fazer o mesmo com até mais segurança – tanto mais em se tratando de uma única perfuração exploratória. Neste sentido, o ônus da prova é do Ibama.

Em nenhuma extração petrolífera ou mineral há risco zero. O Ibama tem competência para identificar projetos viáveis ou inviáveis com base na avaliação de riscos, respectivamente, mínimos ou máximos. Mas entre os dois polos há um risco médio. Nessa zona cinzenta, a decisão é não só técnica, mas política, quer dizer, cabe ao povo, por meio de seus representantes eleitos, decidir se assume riscos potenciais em prol de ganhos reais. E esses ganhos são possivelmente imensos. Entre 2015 e 2021, o PIB da Guiana quase dobrou, de US$ 4,1 bilhões para mais de US$ 8 bilhões. Hoje o país tem o quarto maior PIB per capita das Américas. Nos últimos dois anos o PIB saltou quase 100% e nos próximos dois deve saltar mais 100%.

O problema é que a zona cinzenta de discricionariedade política é também sujeita à intromissão ideológica. Boa parte da militância ambientalista considera a combinação Amazônia + petróleo – ainda que já haja extração na própria floresta e a perfuração solicitada seja a centenas de quilômetros da foz – inexoravelmente catastrófica, e há indícios de que o Ibama e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, levaram em conta esses humores para transformar a controvérsia em uma espécie de cause célèbre. Não é só que a Margem já seja explorada com segurança em outros países, mas o próprio Ibama participou do comitê que autorizou, há dez anos, a oferta de mais de 40 blocos na região que agora diz ser inviável.

Mas a combinação Amazônia + petróleo não só não é necessariamente destrutiva, como pode ser extremamente benéfica, não só socialmente, mas ambientalmente. Não há lugar para o petróleo nas matrizes energéticas do futuro, mas no presente ele ainda é o maior combustível do crescimento econômico. A Guiana é um dos países que avançam mais aceleradamente no Índice de Desenvolvimento Humano. A melhor maneira de erradicar crimes ambientais, mais do que a repressão, é investir recursos em uma economia sustentável que dissuada as populações locais de apelarem a práticas predatórias para garantir a prosperidade de suas famílias. Com mais dinheiro em caixa, aumenta também a capacidade da Petrobras de investir em pesquisa e desenvolvimento de energias limpas.

É a essas possibilidades que Lula se refere quando diz às populações do Norte que podem “continuar sonhando”. E quando diz que a negativa do Ibama “não é definitiva”, age como chefe de Estado, convocando os membros de seu governo, sobretudo o Ministério do Meio Ambiente, a buscar soluções de compromisso para maximizar benefícios sociais e ambientais.

Mais um golpe baixo de Putin

O Estado de S. Paulo

Ataque contra as exportações ucranianas de grãos mostra o quão longe o ditador pode ir

A ofensiva russa às exportações de grãos ucranianos golpeou duplamente a esperança de uma solução pacífica e razoável do conflito. Primeiro, ela sinaliza que Vladimir Putin não hesitará em empregar a economia como arma e impor custos e vítimas à população ucraniana, à sua própria e à do mundo inteiro para avançar sua guerra criminosa. Mostra também que Putin não busca uma saída diplomática, mas se prepara para uma guerra maior e mais longa. Por outro lado, o golpe baixo é um sinal de que suas opções estão se esgotando.

Em meados do ano passado, as partes beligerantes fizeram um acordo supervisionado pela Turquia e pela ONU para garantir o escoamento de grãos ucranianos pelo Mar Negro. Normalmente, a Ucrânia responde por 10% das exportações de trigo para o mundo e de 10% a 15% das de milho. O acordo ajudou a reduzir os preços aos níveis pré-guerra e evitar uma epidemia de fome. Mas, no dia 17, a Rússia repudiou o acordo e passou a bombardear portos e outros canais de exportação.

A alegação de Putin de que o acordo só enriqueceu países ocidentais e que as promessas de isentar exportações russas de sanções foram quebradas é uma mentira flagrante. As exportações russas de alimentos e fertilizantes não estão sob sanções e cresceram em 2022, e o arranjo beneficiou todos os que importam alimentos.

A intenção de Putin é estrangular a economia ucraniana e extorquir o Ocidente. A curto prazo, o primeiro objetivo deve se mostrar mais bem-sucedido. Desde o início da guerra, a Ucrânia e seus aliados buscam rotas alternativas. Mas elas são insuficientes e custosas e também têm sido atacadas por Putin.

No mercado global, embora os preços já tenham subido, as pressões devem ser, por ora, amortecidas. Desde 2022, as safras e exportações de trigo da Europa, Austrália, Canadá, EUA e da própria Rússia aumentaram. A escassez do milho ucraniano tende a ser compensada pela produção do Brasil. Mas, a médio prazo, os riscos de desastre alimentar crescem. O bloqueio concentrará o suprimento em poucos exportadores, tornando o mercado mais vulnerável a novos choques. Ondas de calor e estiagem podem reduzir as safras. E as exportações russas são manipuladas a serviço da guerra de Putin.

Além dos impactos econômicos, a ofensiva de Putin sinaliza o afastamento da diplomacia. Recentemente, seu Parlamento biônico aprovou uma lei ampliando a capacidade de alistamento compulsório. Putin sugere que a condição para retomar o acordo é um alívio às sanções. Mas a chantagem não será aceita pelos ocidentais, que já planejam maneiras de romper o bloqueio ilegal em águas internacionais, seja fornecendo mísseis à Ucrânia, seguros aos comboios ou, no limite, escolta militar. Mas isso amplia os riscos de confronto direto entre a Rússia e outros países.

Para as nações que pressionam por um cessar-fogo desigual ou tentam se manter neutras, essa situação serve para advertir de que sua isenção só fortalece as mãos do tirano russo para perpetuar crimes contra a Ucrânia, e, se necessário, sacrificar suas próprias populações.

 

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