sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Maria Cristina Fernandes - Operação da PF sobre Abin abre novo flanco no bolsonarismo, mas mantém os mesmos vícios

Valor Econômico

Excepcionalidade aberta pelo STF no inquérito das fake news é reproduzida no caso da Abin

A deflagração da operação da Polícia Federal que investiga o aparelhamento de um contrato entre a Abin e a empresa israelense Cognyte (ex-Verint) permite ao governo e ao Supremo Tribunal Federal realocar o foco de investigações e inquéritos até aqui dominados pela tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023.

Passado um ano daquela intentona, cujo julgamento desperta, até entre governistas, a percepção de que a bandeira da defesa da democracia passou a abrigar exageros pontuais, eis que surge um caso de indiscutível ilegalidade, pela invasão de privacidade e aparelhamento de uma agência de Estado. O problema não está nas operações sigilosas mas no uso delas para municiar o presidente de informações que não são do interesse nacional.

Tanto a manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, quanto a decisão do ministro do Supremo Tribunal, Alexandre de Moraes, que autorizou a operação, explicitam a abundância de evidências sobre as intenções do gabinete paralelo montado pelo então diretor-geral da Abin, hoje deputado federal, Alexandre Ramagem (PL-RJ), com a colaboração de agentes da Polícia Federal.

Segundo esses documentos, a inclusão dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes nos rastreamentos visavam a fabricar um relacionamento com a advogada de uma facção criminosa. A extensão do rastreamento dos ex-deputados Rodrigo Maia e Joice Hasselmann também visavam a monitorar parlamentares por quem o bolsonarismo se sentia traído. Maia sabia desde então que era monitorado porque via relatos de sua rotina reproduzidos nas redes sociais de parlamentares da bancada bolsonarista.

E, finalmente, Moraes e PGR subscrevem o levantamento do currículo da promotora do MP-RJ responsável pelo caso Marielle Franco e a investigação da investigação das “rachadinhas”, que envolve o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) como parte da atuação ilegal da Abin.

O acesso aos rastreamentos ilegais guardados em “nuvem”, franqueados à Polícia Federal pela empresa israelense contratada pela Abin, permitirá saber se, além de Ramagem, outros parlamentares estão envolvidos na montagem e usufruto desta rede de espionagem. Ao cobrar “providências” do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, sugere estar movido por este temor. Pacheco é presidente da Casa que tem uma relação conflituosa com os ministros do STF marcada por ameaças de impeachment. A operação da Abin os acua.

A deflagração desta operação no início de um ano de eleições municipais não passará em branco sobre a disputa carioca. Ramagem é o candidato preferido da família Bolsonaro. O ex-presidente ganhou a disputa na capital em 2022 a despeito do conjunto da obra. A operação parece, até aqui, ter mais potencial para desgastar Ramagem do que para afetar o apelo do bolsonarismo numa disputa marcada por interesses locais. A dúvida é saber com que candidato.

A operação avança no mapeamento das afrontas à democracia promovidas pela era Bolsonaro, o que não justifica que se paute pelos mesmos vícios. Quando o inquérito das “fake news” foi aberto, em 2019, um dos fatos investigados era a quebra de sigilo fiscal de familiares de ministros, entre eles, Alexandre de Moraes.

Isso não impediu que o então presidente do STF, Dias Toffoli, escolhesse (e não sorteasse) Moraes como relator. A excepcionalidade virou regra. O ministro vítima de espionagem é também aquele que autoriza a operação, conduz o inquérito e, provavelmente, participará de seu julgamento.

 

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