Folha de S. Paulo
A polarização é obra de lideranças e sua
sobrevida e intensidade dependerão muito do incerto futuro de Bolsonaro e da
disposição da direita de buscar rotas mais civilizadas
A polarização política inquieta todos quantos aspiram a
uma democracia sólida e estável para o país. A lembrança da invasão da Praça do Três Poderes pelas hordas bolsonaristas, a
completar um ano na segunda-feira que vem, serve de alerta para os riscos de
novas sortidas da direita radical. Contorná-los requer clareza sobre os perigos
da divisão dos brasileiros entre "nós" e "eles".
Recomendo, por oportuno antes de tudo, o último episódio de 2023 do podcast "Fora da política não há salvação", no qual o cientista político Claudio Couto (FGV-SP) entrevista seu colega Antonio Lavareda (Ipesp), reconhecido estudioso da opinião pública. Retomo aqui algo daquela proveitosa conversa.
A polarização política não constitui
propriamente uma novidade. Em certa medida, é induzida pela eleição em dois
turnos para os cargos executivos. Além de reduzir a duas as opções dos
eleitores na segunda volta, esse sistema pode induzi-los, já na primeira, a
afunilar suas escolhas nos candidatos mais bem colocados.
Por outro lado, como mostraram os cientistas
políticos Cesar Zucco e David
Samuels, a oposição entre petismo e antipetismo vem estruturando a disputa
presidencial há muito tempo. E, pelos menos desde 2006, agrupa os eleitores em
dois campos nítidos e estáveis.
A novidade em 2018 foi a ascensão, no polo
antipetista, de uma liderança facistoide que tomou o lugar até então ocupado
pelo PSDB, sigla comprometida com a democracia. Essa revolução e tanto no
condomínio das direitas ampliou a distância entre os dois polos e fez mais
áspera a disputa entre eles.
Ainda é cedo, porém, para dizer até que ponto
a extrema-direita bolsonarista está alojada nos corações dos eleitores e quão
sólida é sua liderança no campo do antipetismo.
Recente pesquisa da Genial/Quaest traz indícios contraditórios
sobre o grau de polarização na sociedade. De um lado, só 6 em cada 100
eleitores de Bolsonaro —sete entre os lulistas— se dizem arrependidos de seus
votos. Além do mais, o que uns e outros fizeram diante das urnas se correlaciona
com sua avaliação do novo governo.
De outro lado, 15% dos que sufragaram o
ex-capitão erguem o polegar para o desempenho de seu adversário vitorioso;
índice pouco menor acredita que o governo está no rumo certo e 25% daqueles se
dizem otimistas quanto ao desempenho da economia em 2024. Muito cedo, portanto,
para falar em identidades políticas calcificadas.
De todo modo, sendo a polarização obra de
lideranças, sua sobrevida e intensidade dependerão muito do incerto futuro de
Bolsonaro e da disposição da direita de buscar rotas mais civilizadas.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap
Um comentário:
Que bom!
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