domingo, 18 de fevereiro de 2024

Elio Gaspari - Bolsonaro e sua direita negativa

O Globo

Jair Bolsonaro assumiu a Presidência em janeiro de 2019. Dois meses depois, atacou a neutralidade das urnas eletrônicas. Em maio, compartilhou uma mensagem que dizia:

“A hipótese nuclear é uma ruptura institucional irreversível, com desfecho imprevisível.”

Essa ruptura não podia vir do nada. Ao fim do ano, diante das manifestações ocorridas no Chile, Bolsonaro sacou o que viria a ser seu bordão: “A gente se prepara para usar o artigo 142 da Constituição federal, que é pela manutenção da lei e da ordem, caso eles (integrantes das Forças Armadas) venham a ser convocados por um dos três Poderes.”

Bolsonaro operava uma manobra de pinça. Numa ponta, brandia o apocalipse. Noutra, investia contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso. No dia 8 de janeiro a pinça fechou-se. Felizmente, estava torta.

Fora do poder e declarado inelegível, Bolsonaro convocou uma manifestação para o próximo domingo em São Paulo. Desde sua saída do Planalto, o Brasil continua com seus problemas, mas livrou-se de um presidente apocalíptico. Como cidadão, ele deve avaliar o comportamento de seus aliados. Mensagens coletadas pelo repórter Levy Teles mostram que os maus espíritos do 8 de janeiro continuam lá. O Laboratório de Humanidades Digitais (LAB-HD) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) captou alguns exemplos:

“O presidente Bolsonaro está dando um recado: estamos a dias do maior evento de democracia e resgate aos movimentos patrióticos como os 70 dias nos quartéis. Eu estava lá e vocês?”

Ou ainda:

“O Brasil vai se levantar. Os motoclubes estão se levantando, o povo está se levantando, caminhoneiros vão se levantar.”

Bolsonaro jura que nunca pretendeu sair das quatro linhas da Constituição e que nada teve a ver com as invasões do dia 8 de janeiro. Acreditando-se nisso, a manifestação do próximo domingo será um teste para que ele se qualifique. Poderá reaparecer como um líder político, ainda que inelegível, ou como um incitador de desordens, um enamorado pelo Apocalipse.

Há 60 anos, nesses dias, o professor San Tiago Dantas dizia que o Brasil tinha duas esquerdas, a positiva e a negativa. Não lhe deram ouvidos. Passado o tempo, o Brasil tem hoje duas direitas. A direita negativa, na qual Bolsonaro sentou praça, perdeu na eleição de novembro e na ilusão de um golpe em dezembro de 2022.

Teatro ridículo

É ridícula a marquetagem, segundo a qual o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, estará constrangido à manifestação de Bolsonaro no domingo. Ele quer os votos dos bolsonaristas, nunca criticou um só ato do ex-capitão. Em outubro passado acompanhou-o numa visita ao batalhão da Rota. Sem os seus votos, mal se elege vereador.

É preferível um gesto de sinceridade: explicita sua vontade de ser votado e, se for o caso, esclarece quais são as suas divergências.

Um título para Braga Netto

O Exército tem vários patronos. O general Osório é o patrono da Cavalaria, Mallet é o patrono da Artilharia e Sampaio, da Infantaria. Valeria a pena criar o patronato do golpismo palaciano. Ele iria para o general Assis Brasil, que em 1964 coordenava o dispositivo militar do presidente João Goulart.

O mais recente general alistado nessa Arma seria Walter Braga Netto.

Uma coruja anima Nova York

Uma nevasca, duas guerras e uma sucessão presidencial mal parada poderiam abater o humor de Nova York. A coruja Flaco animou uma parte da cidade. Há um ano, Flaco escapuliu do zoológico do Central Park e tornou-se o personagem mais fotografado de Manhattan. Voa pelo parque, pousa em sacadas ou terraços e já foi visto a dezenas de quarteirões de distância.

Flaco escapou das armadilhas, dos carros e das comidas com veneno para matar ratos. Ganhou uma boa reportagem no “New York Times” e verbete na Wikipédia maior que o de Willow, o gato do presidente Joe Biden.

Em algumas culturas, ver uma coruja dá sorte, em outras, não. Em Nova York, onde se vê de tudo, encontrar uma coruja na janela é uma novidade.

Se...

Se Henri Matisse tivesse embarcado para o Brasil em maio de 1940, ele teria pintado lindas mulatas no lugar das odaliscas marroquinas. Se Benito Mussolini tivesse aceito em 1910 o convite para dirigir um jornal socialista em São Paulo, a História da Itália teria sido outra. (Ele pensou em vir, mas desistiu porque sua mulher engravidou.)

Se existissem redes sociais em março de 1964, o general Humberto Castello Branco estaria frito.

Nas primeiras horas da manhã de 31 de março, ele telefonou para o banqueiro José Luiz de Magalhães Lins. Pediu-lhe que falasse com seu tio, o governador Magalhães Pinto, de Minas Gerais, para segurar a aventura do general Mourão Filho, que se rebelara contra o governo de João Goulart.

Segurança mínima

Dois detentos fugiram da prisão de segurança máxima de Mossoró.

Saíram das celas pelo teto, que não tinha reforço de concreto. As câmeras de segurança não funcionaram e o alarme não soou. Finalmente, não tiveram uma muralha no caminho. Abriram um buraco no alambrado e foram em frente.

O Ministério da Justiça anunciou que investiga a possível cumplicidade de agentes penitenciários. Poderia investigar também a compra atabalhoada de equipamentos caríssimos em detrimento da construção de muros. Afinal, muro rende pouco, não demanda contrato de assistência técnica e não é oferecido por intermediários que operam em Brasília.

O anel de Franz Lang

Numa época em que o antissemitismo reaparece com disfarces pretensamente civilizados, o filme “Zona de Interesse” é uma boa oportunidade para se avaliar o casal Rudolf e Hedwig Höss, dois alemães amorosos. Ele não falava do que fazia no serviço e ela cuidava do jardim. Vizinhos para ninguém botar defeito.

O jardim de Höss era vizinho do campo de concentração de Auschwitz e ele era seu comandante. O filme sugere o extermínio dos judeus, mas não mostra câmaras de gás nem fornos crematórios. Em apenas 56 dias, entre maio e junho de 1944, morreram ali 430 mil judeus.

Quem viu o filme, e gostou, conta que ao final, com o fim da guerra, Höss sai da cena.

Não custa lembrar o que lhe sucedeu. Ele virou o jardineiro Franz Lang. Um ano depois do fim da guerra, uma tropa inglesa soube de seu paradeiro, mas Lang negou ser Höss. O capitão Hanns Alexander, um judeu berlinense que caçava nazistas, pediu para ver sua aliança. Nela estava gravado: “Rudolf - Hedwig”. Alexander salvou Höss de um linchamento e, em 1947, aos 45 anos, ele foi enforcado em Auschwitz, perto do crematório e do jardim de Hedwig.

O médico Joseph Mengele, seu colega de campo, teve mais sorte. Trocou de nome, veio para o Brasil, andou pela Argentina e Paraguai, às vezes com a identidade verdadeira, voltou para São Paulo e só veio a morrer em 1979, na Praia de Bertioga, de causas naturais.

4 comentários:

Mais um amador disse...

Essa do Mussolini eu nunca poderia imaginar. Quem diria.

sim disse...


Nem um pio do companheiro Gaspari sobre a morte do Mártir Navalny.

Anônimo disse...

FAÇO AQUI UMA DECLARAÇÃO DE HOMENAGEM À CORAGEM E AO EMPENHO DE ALEXEI NAVALNY
■E rechaço com veemência as teses capciosas contra Navalny que petistas fizeram no meu twitter.

OBRASIL DOS POPULISTAS ESTÁ SENDO ALINHADO A UMA ARTICULAÇÃO ANTUDEMOCRACIA

■■Que horror esse uso ideológico da nossa política externa, com o alinhamento do Brasil às Ditaduras, Terroristas e Autocratas nos últimos governos.
■E não foi só nos governos do PT que o Brasil passou a servir aos interesses políticos das ditaduras, não; o governo Bolsonaro também alinhou o Brasil a ditadores e Autocratas:: Viktor Orbám, Rodrigo Duterte, Vladimir Putin, Donald Trump...

Se fosse uma questão de tratar no âmbito do Estado uma política comercial internacional, não haveria nada de errado; porém, o que está ocorrendo é alinhamento político mesmo do Brasil com ditaduras; e alinhamento bem escancarado.

■Os populistas estão mesmo querendo confrontar as democracias e articularem uma Ordem Mundial Iliberal e antidemocrática. Os BRICS eles já formataram e hegemonizaram dentro das linhas disso que Lula chama de "Nova Ordem".

■■■E esta articulação não se importa em juntar forças do mesmo campo ideológico::
■Se junta Xi Jiping, visto à esquerda, junta também Vladimir Putin, visto à direita; se junta Viktor Orbán, visto à direita, junta também Nicolás Maduro, visto à esquerda.
=》O sabor ideológico do líder a se juntar a esta articulação antidemocracia pode ser à direita ou à esquerda, o critério realmente importante para os que articulam esta à qual chamam de Nova Ordem Mundial é que o posicionamento do líder seja iliberal, anticapitalista e antidemocracia.

■Ideologia já não explicava o mundo ou definia as pessoas há muito tempo.
=》Mas, incrível como neste momento do mundo ficou claro, especialmente nos últimos10 anos, que a contradição fundamental deixou mesmo de ser Esquerda/Direita e passou a ser Iliberais/Liberais ;
Antidemocráticos/Democráticos.

■■■Nós, democratas do mundo, temos que aumentar nossos esforços para tentar preservar os valores de liberdade, justiça e regras democráticas como Ordem e Super-Estrutura Juridico-Política Mundial.
=》Certamente não queremos que a Ordem sejam o fuzil e o bico da botina e que as políticas e os programas sejam as ideias do líder antidemocracia.

ADEMAR AMANCIO disse...

Várias abordagens,muito bom.