Plenário do STF deve julgar acordos de leniência
O Globo
Recurso da PGR em caso envolvendo J&F dá
ao Supremo oportunidade de formular tese para outros casos do tipo
O recurso apresentado pelo procurador-geral
da República, Paulo Gonet,
contra a anulação da multa de R$ 10,3 bilhões no acordo de leniência da J&F
dá ao Supremo Tribunal Federal (STF)
a chance de promover uma correção de rumo necessária em processos dessa
natureza. Em dezembro, o ministro Dias Toffoli suspendeu,
em decisão individual, os pagamentos de multas devidas pela empresa dos irmãos
Joesley e Wesley Batista. No fim de janeiro, Toffoli tomou decisão semelhante
em relação ao acordo de leniência da Odebrecht (atual Novonor), cujas provas já
invalidara em setembro.
Dada a relevância e o vulto de ambos os casos, o esperado era que Toffoli os tivesse enviado para avaliação do plenário. Não havia urgência e, mais grave, haveria reflexos em mais de um Poder. Pelos valores envolvidos, casos dessa monta têm impacto até nas contas públicas. Sua envergadura é evidente não apenas nas cifras. Por envolverem o combate à corrupção, também têm valor simbólico.
Por tudo isso, seria inadequado que o recurso
de Gonet no caso da J&F fosse decidido pela Segunda Turma do STF,
composta de apenas cinco dos 11 integrantes da Corte. Não se trata de levar a
questão para esta ou aquela formação de ministros porque o placar será
favorável a qualquer lado. O ponto essencial é outro: num caso dessa
importância, a sociedade precisa ouvir a opinião de todos. O mesmo vale para a
decisão tomada por Toffoli que beneficiou a Odebrecht.
No recurso apresentado pela
Procuradoria-Geral da República no caso da J&F, Gonet menciona a Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.051. Nela, PSOL, PCdoB e
Solidariedade pedem uma suspensão mais ampla das multas estabelecidas em vários
acordos de leniência. No entendimento de Gonet, o recurso contra a decisão
envolvendo a J&F deve ser julgado em conjunto com a ADPF 1.051, que já
tramita no plenário sob a relatoria do ministro André Mendonça. É esperado que
a questão seja levantada pelo próprio Mendonça, caso o recurso chegue à Segunda
Turma, de que ele é parte. Tal ação fornece um argumento persuasivo para que os
casos sejam julgados no plenário, que poderá formular uma tese geral para
qualquer acordo de leniência.
Ex-integrantes do STF gostam
de lembrar a época em que bastava um integrante de uma turma propor levar uma
ação ao plenário para que a sugestão fosse acolhida de forma colegiada. A
Lava-Jato mostrou que nem sempre é assim. Em 2021, o ministro Edson Fachin
solicitou que a suspeição do ex-juiz Sergio Moro fosse decidida pelos 11
ministros, mas foi vencido na Segunda Turma. O precedente não significa que o
pedido de Gonet deva ser ignorado. Caso Mendonça confirme a expectativa de
propor o deslocamento de competência, os demais ministros da Segunda Turma
deveriam aprovar a transferência.
O STF como
um todo deve se pronunciar, pois isso daria mais legitimidade à decisão final,
qualquer que seja. A confiança dos brasileiros na Justiça depende da
transparência com que temas de amplo impacto na sociedade são tratados. Se as
ações relativas a esquemas de corrupção bilionários envolvendo empresas do
porte da J&F e da Odebrecht não merecem atenção do plenário, quais
mereceriam?
Limitação das ‘saidinhas’ dos presídios é
passo no rumo certo
O Globo
Objetivo de ressocialização não tem sido
cumprido: mais de 3 mil presos não voltaram à cadeia no Natal
A Comissão de Segurança Pública do Senado
aprovou por unanimidade o projeto que altera a Lei de Execuções Penais e acaba
com as “saidinhas” de presos em feriados e datas comemorativas. A proposta, que
já passou pela Câmara dos Deputados, seguiu ontem para o plenário do Senado
depois de ter sido aprovado regime de urgência na votação.
Pelo projeto, relatado pelo senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), os presos que se enquadram nas normas para o
benefício poderão usar a saída temporária apenas para frequentar cursos
profissionalizantes, supletivo, de ensino médio ou superior, desde que não
tenham cometido crime hediondo, praticado com violência ou grave ameaça. As
novas regras preveem que o juiz possa determinar o monitoramento do detento por
tornozeleira eletrônica.
Com base na legislação atual, os presos podem
deixar a cadeia até cinco vezes por ano, sem vigilância direta, para visitar a
família, estudar fora ou participar de atividades de ressocialização. Fazem jus
à “saidinha” detentos em regime semiaberto, com bom comportamento, sem registro
de falta grave ao longo de um ano, que tenham cumprido parte da pena (um sexto
para réus em primeira condenação e um quarto para reincidentes). Que dois
ex-chefes do tráfico tenham preenchido esses requisitos e aproveitado a última
“saidinha” para fugir diz muito sobre os defeitos da atual lei.
Discutidas há mais de dez anos, as
“saidinhas” voltaram à pauta depois do assassinato do sargento da PM Roger Dias
da Cunha, em Belo Horizonte (MG), em janeiro. Ele foi alvejado com dois tiros
na cabeça, à queima-roupa, durante perseguição pelo roubo de um carro. O
suspeito do crime havia sido liberado numa “saidinha” de Natal e era
considerado foragido. No Rio, 253 presos não voltaram aos presídios depois do
Natal (de um total de 1.785). Os números evidenciam que os critérios adotados
para a liberação de detentos têm sido falhos. A realidade mostra que, uma vez
foragidos, dificilmente a Justiça consegue
levá-los de volta à cadeia.
Embora a restrição às “saidinhas” possa ser
criticada como radical demais — os senadores poderiam estabelecer critérios
menos rígidos, ainda assim capazes de evitar os abusos —, a realidade é que um
a cada 20 presos não volta para a cadeia. No Natal, o benefício foi concedido
em 17 das 27 unidades da Federação. Dos 52 mil que deixaram as prisões, cerca
de 3 mil não voltaram. A média encobre disparidades. Em estados como Rio de
Janeiro, Bahia, Pará e Sergipe, mais de 10% ficaram nas ruas.
O Ministério Público alega que as “saidinhas”
são importantes para a ressocialização dos presos, mas os abusos mostram que
elas não vêm funcionando para isso. Detentos têm aproveitado o benefício como
brecha para voltar às atividades criminosas, e muitas autoridades fazem vista
grossa porque isso alivia a superlotação dos presídios. Evidentemente, o
Projeto de Lei em tramitação no Senado não resolverá todos os problemas de uma
legislação de execução penal demasiado leniente. Mas ao menos é um passo no rumo
certo.
Está mais distante acordo entre Mercosul e EU
Valor Econômico
Interesses de UE e Mercosul, que deveriam se
aproximar na reta final da negociação, estão se distanciando
Uma intensa batalha travada nas últimas
semanas põe em risco o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul.
Negociado desde o fim do século passado, o acordo parecia concluído em 2019,
quando novas exigências ambientais do lado europeu adiaram sua conclusão. O
notório desprezo do ex-presidente Jair Bolsonaro para com as questões
ambientais deixou os europeus mais ressabiados. Com a volta do presidente Lula
ao poder, havia a expectativa de que fosse destravado. Lula até tentou
concluí-lo no fim do ano passado, quando o Brasil presidiu o Mercosul. Mas
naquele momento emergia a ativa oposição francesa, a preocupação do Mercosul
com as sanções no campo ambiental e o governo negacionista de Javier Milei na
Argentina.
A divergência recrudesceu. Houve o cerco a
Paris promovido por milhares de tratores que se perfilaram em estradas
francesas com o objetivo de bloquear a capital, externando o repúdio dos
agricultores, em parceria inédita com ambientalistas, ao que consideram uma
ameaça de concorrentes do Mercosul, que não seguem as mesmas regras ambientais
da União Europeia e têm uma produção mais barata. O movimento chegou a
Bruxelas, onde Parlamento Europeu foi atacado com ovos, pedras e esterco.
Agricultores europeus se manifestaram em vários outros países, entre os quais
Alemanha, Espanha, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Malta e Polônia.
A disputa com o Mercosul catalisou uma série
de queixas dos agricultores europeus, como a importação de produtos ucranianos
para ajudar no esforço de guerra de Kiev, e o aumento de custos com
combustíveis e regras de proteção ambiental, que encarecem a produção. A França
é o maior produtor agrícola da União Europeia. Pressionado pelos agricultores,
o presidente francês, Emannuel Macron, disse à Comissão Europeia que é
impossível fechar o acordo comercial. Macron se manifestou quatro dias antes da
reunião da cúpula da União Europeia, realizada no primeiro dia de fevereiro.
As autoridades brasileiras reagiram
diplomaticamente. Minimizando a posição de Macron, disseram que ele não
representaria a opinião oficial da União Europeia (UE), e pontuaram que o
Mercosul conversa com a Comissão Europeia, que negocia acordos comerciais em
nome dos 27 países do bloco, e que esperavam a continuidade das negociações.
De fato, alguns dias depois, na reunião de
cúpula, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, e o da Alemanha, Olaf
Scholz, falaram a favor do acordo. “Para a Espanha, o Mercosul é importante na
relação econômica e geopolítica que devemos ter com um continente tão
importante”, disse Sánchez. “Sou um grande fã de acordos de livre comércio e
também do Mercosul", disse Scholz. Macron, por sua vez, reafirmou que a
França se opõe a ele na sua forma atual, pedindo que as regras ambientais e
sanitárias impostas aos agricultores europeus sejam as mesmas para os parceiros
comerciais.
De um lado, Macron tem alguma razão ao
afirmar que o acordo da União Europeia com o Mercosul está defasado no tempo.
Em 1999, quando começou a ser costurado, não havia a preocupação atual com a
transição energética e com a questão ambiental. A antiglobalização e o
protecionismo cresceram com força na pandemia e com a expansão da China.
Mas uma união de interesses distintos, até
divergentes, conspira contra a conclusão do entendimento. O proverbial
protecionismo francês já era uma oposição conhecida a ser driblada. O
calendário impôs outro obstáculo. A protelação do acordo encostou nas eleições
para o Parlamento Europeu, de 6 a 9 de junho, e seus pontos mais polêmicos
influenciarão na votação. É esperado que a onda direitista que se espalha por
vários países europeus, com especial importância na Alemanha, conduzirá um
maior número de deputados dessas forças, em detrimento dos socialistas e
partidos de centro.
A extrema-direita representa a segunda força
política em mais de um terço dos países do bloco, e a votação pode se
transformar em um referendo não só do acordo com o Mercosul, mas da própria
União Europeia. Os eleitos vão compor o Parlamento até 2029.
O nacionalismo da direita se une ao
ambientalismo dos verdes para colocar mais dificuldades ao acordo. Os verdes
apoiam as ações que a União Europeia já vêm aplicando em seu relacionamento
comercial com os países de fora do bloco - exigências ambientais, sanitárias e
de sustentabilidade. Um dos exemplos é o relatório de todas as emissões geradas
no processo produtivo de bens inicialmente cobertos pelo Mecanismo de Ajuste de
Carbono na Fronteira (CBAM) - ferro, aço, cimento, alumínio, fertilizantes,
eletricidade, hidrogênio - que os importadores deverão passar a apresentar
neste ano.
A relação de produtos vai aumentar no futuro. A partir de dezembro, começará a ser aplicada a lei antidesmatamento europeia, que atinge 34% das exportações brasileiras para o bloco, com regras de rastreabilidade e geolocalização e cláusulas espelho, que obrigam os produtos importados a cumprirem as mesmas exigências aplicadas aos produtos europeus. Os interesses de UE e Mercosul, que deveriam se aproximar na reta final, estão se distanciando.
Dívida pública é risco a não subestimar
Folha de S. Paulo
Passivo atinge 74,3% do PIB; sem contenção de
gastos, alta vai pressionar inflação e comprometer crescimento da economia
A dívida pública brasileira aumentou
do equivalente a 71,7% do Produto Interno Bruto para 74,3% no ano passado,
conforme divulgou o Banco Central. O fato de a alta ter ficado abaixo do que se
temia de início não a torna menos alarmante.
Se a diferença entre os percentuais parece
pouca coisa, convém esclarecer que, em valores atuais, trata-se de um
endividamento adicional de algo como R$ 280 bilhões, mais de R$ 100 bilhões
acima do gasto anual do Bolsa Família —um montante com o qual arcará, com juros
elevados, toda a sociedade.
Em padrões internacionais adotados pelo Fundo
Monetário Internacional, o passivo governamental do Brasil chega a 84,6% do
PIB, patamar com poucos paralelos no mundo emergente. Um dos poucos casos é o
da quebrada Argentina, para a qual o FMI estima quase 90% do PIB.
Outros são Índia (com 81,9%) e China (83%),
cujos PIBs crescem em ritmo muito superior.
Em demais países comparáveis, as proporções
são bem menores, como no México (52,7%), no Chile (38,4%), na Turquia (34,4%) e
na Rússia em guerra (21,2%).
Um dos motivos a tornar nossa dívida
particularmente danosa é o fato de os juros domésticos estarem entre os maiores
do mundo há décadas —período que atravessa governos de diferentes orientações e
deveria ser suficiente para eliminar teorias conspiratórias sobre a política do
Banco Central.
As próprias dimensões do endividamento ajudam
a explicar os juros anômalos. Credores, afinal, tendem a cobrar mais de um
governo deficitário que tem muito a pagar.
Entre outros fatores, também contribui para o
fenômeno o excesso de crédito subsidiado, que força o BC a adotar taxas ainda
mais elevadas para conter a atividade econômica e os índices de inflação.
Em quaisquer hipóteses, cumpre apontar que
nem mesmo o muito improvável cumprimento da meta de déficit orçamentário zero
neste ano bastará para conter o avanço da dívida pública como proporção do PIB
—uma vez que os juros serão superiores ao ritmo de crescimento da renda
nacional.
Nas condições atuais, o passivo continuará em
alta contínua, como alertou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), para irritação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Trata-se de
mera matemática.
Sem uma política de contenção dos
gastos de governo, em especial os de caráter permanente, o
desequilíbrio do Orçamento provocará pressão inflacionária, crédito escasso,
desconfiança de consumidores e empresários, baixo investimento e, portanto,
expansão econômica abaixo de medíocre.
Saúde e religião
Folha de S. Paulo
Lei garante liberdade de crença; pelo SUS,
hospital não deve negar contraceptivo
O recente caso em que uma unidade do
Hospital São Camilo em São Paulo se recusou a realizar uma inserção de DIU levantou
debate relevante sobre o alcance da moral religiosa na prestação de serviços de
saúde por empresas privadas.
Segundo regimento da instituição confessional
católica, a execução de procedimentos anticoncepcionais, em mulheres e homens,
é proibida porque atentaria contra valores cristãos —exceto em casos graves,
como endometriose.
A bancada feminista do PSOL na Câmara
Municipal entrou com ação civil contra o hospital no Tribunal de Justiça. Em
sua decisão a favor do São Camilo, o juiz Otavio Tioiti Tokuda afirmou que
"a busca por métodos anticoncepcionais impede o
direito à vida, por mera busca de prazer sexual, situação que
afronta a moralidade cristã".
O texto acirrou ânimos ao dar a entender que
o planejamento familiar vincula-se apenas ao sexo.
Na verdade, trata-se de medida de saúde
pública, preconizada pela OMS e pela lei brasileira, e diretamente ligada à
emancipação econômica e profissional feminina devido ao peso da maternidade na
empregabilidade e nos salários da mulheres —assim mostram as pesquisas de
Claudia Goldin, prêmio Nobel de Economia em 2023.
Mas o magistrado aponta, como outros
especialistas, que o caráter privado de orientação católica do hospital permite
a recusa do procedimento em consulta particular, sob risco de ser violado o
"direito constitucional de liberdade de consciência e de crença".
Deve-se ressaltar, porém, que a Constituição
determina que o planejamento familiar é direito fundamental. A lei 9.263/96
disciplina essa norma, assegurando que o Sistema Único de Saúde (SUS) é
obrigado a garantir programa que inclua a assistência à contracepção.
A Sociedade Beneficente São Camilo é
mantenedora de cerca de 40 hospitais, e muitos atendem pelo SUS. Nesses casos,
é inaceitável que se proíba acesso a contraceptivos.
A eficácia e a segurança do DIU, assim como de outros métodos, são atestadas por pesquisas. Empresas de saúde privadas têm obrigação de aliar seus regimentos internos à legislação.
A PGR fez sua parte
O Estado de S. Paulo
Recurso interposto contra a decisão de Toffoli que livrou a J&F do pagamento de uma multa bilionária é oportunidade de ouro para o Supremo realizar uma necessária correção de rumos
Na segunda-feira passada, o procurador-geral
da República, Paulo Gonet, recorreu da decisão do ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Dias Toffoli que suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões prevista no
acordo de leniência firmado entre a J&F e o Ministério Público Federal
(MPF).
Assim, não há mais razão formal para o
silêncio dos demais ministros do STF diante do ímpeto de Toffoli de agir como
“revisor” dos escândalos de corrupção comprovadamente ocorridos nos governos do
PT. O recurso é uma oportunidade de ouro para o Pleno realizar uma correção de
rumos no STF. Afinal, a tremenda confusão que Toffoli tem causado ao revisitar
os acordos de leniência firmados no âmbito das Operações Lava Jato, Greenfield
e Cui Bono, entre outras, tem potencial para causar danos muito mais graves à Corte
e ao País do que a mera mácula na biografia de um juiz – o que só tem
importância, claro, no plano individual.
Nesse sentido, foi muito oportuno o destaque
dado por Gonet para a higidez do acordo de leniência firmado entre a J&F e
a Procuradoria da República do Distrito Federal, que nada tem a ver com a
força-tarefa da Operação Lava Jato sediada em Curitiba. O procurador-geral
deixou claro que a suposta “chantagem institucional” de que teriam sido pobres
vítimas os executivos da J&F só pode ser fruto de “ilações e conjecturas
abstratas sobre coação e vício da autonomia da vontade negocial”. De fato, só alguém
extremamente lhano para crer que uma empresa com capacidade para contratar a
peso de ouro os melhores advogados do País aceitaria se submeter a um acordo
que não lhe fosse vantajoso. Decerto não há quem pague multa de bom grado, mas
entre isso e encarar a Justiça, os irmãos Batista fizeram sua opção.
Do ponto de vista processual, Gonet sustentou
que Toffoli nem sequer poderia decidir sobre o pedido da J&F. E não porque
o ministro seja suspeito – o que ele é –, mas porque é incompetente. Citando um
antigo voto do próprio Toffoli, no qual o ministro criticara a concentração de
decisões no âmbito da Lava Jato no Paraná, Gonet salientou que não há um
“relator natural” da revisão de todos os acordos de leniência em curso no STF.
Mas Toffoli, misturando alhos com bugalhos, acolheu o argumento da J&F de
que o pleito da empresa tinha relação com outra ação proposta pela Odebrecht –
a que culminou na anulação das provas que serviram de base para o acordo de
leniência firmado entre a empreiteira e os procuradores da Lava Jato – e não
redistribuiu o processo, o que seria correto.
Para sustentar sua causa, a Odebrecht
argumentou que não poderia pagar a multa com a qual se comprometeu enquanto não
analisasse as provas obtidas pela Polícia Federal (PF) na Operação Spoofing –
aquela que revelou ao País a série de erros processuais gravíssimos cometidos
por membros da força-tarefa da Lava Jato e o então juiz federal Sérgio Moro. A
questão é que a J&F não tem rigorosamente nada a ver com esse caso.
Gonet não chega a fazer a distinção
explicitamente, mas fica nítido em seu arrazoado o contraste entre a robustez
das provas que sustentaram o acordo de leniência da J&F com o MPF no
Distrito Federal e a ilegalidade das provas obtidas na Operação Spoofing,
provas estas que, registrese, têm sido usadas de forma oblíqua pelo STF para
reverter uma série de decisões antes válidas juridicamente, especialmente a que
anulou a condenação do presidente Lula da Silva. Registre-se que os irmãos
Joesley e Wesley Batista concordaram com o pagamento de uma multa de mais de R$
10 bilhões para se verem livres das garras da Justiça.
Agora, Gonet estuda contestar a decisão de
Toffoli que beneficiou a Odebrecht. Por muitas razões, mas, sobretudo, pelo
resgate da confiança no STF por parte expressiva da sociedade e pela
integridade do instituto da leniência, é no melhor interesse do País que esses
recursos sejam deferidos.
A temperatura do café de Lira
O Estado de S. Paulo
O presidente da Câmara entra no último ano de
mandato disposto a manter o poder e a influência sobre seus pares, mas corre o
risco de dobrar demais a aposta e travar a agenda na Casa
Ao deflagrar sua ofensiva contra o governo,
elevando o tom de desafio ao Executivo e insinuando retaliação se suas queixas
não forem atendidas, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), descortinou
uma realidade dupla de quem enfrenta uma corrida contra o tempo no exercício do
poder. Está em jogo tanto a preservação de sua força política como presidente
da Câmara e como líder do Centrão quanto o risco de mergulhar numa espiral
descendente. Tal risco parece contradizer a imagem de poderoso negociador, mas
o fato é que Lira iniciou seu último ano no comando da Câmara, período em que
precisará fazer um sucessor de confiança para seguir com prestígio político,
liderar o bloco que conquistou e chegar a postos mais elevados no futuro. Ou
desidratar-se no meio do caminho.
Seu duro discurso na reabertura dos trabalhos
legislativos teve, portanto, dois alvos preferenciais. Na mira principal, um
Executivo às vezes reticente na cessão de cargos, verbas e poder. Mas, ao
afirmar que o governo não tem palavra, descumpre acordos e bloqueia verbas
acertadas, o presidente da Câmara deu também um recado aos colegas. Declarou
que os parlamentares teriam mais legitimidade para decidir a destinação do
dinheiro público do que a “burocracia não eleita” do governo e, em calculada
primeira pessoa do plural, buscando personificar uma queixa coletiva, avisou:
“Não subestimem esta Mesa Diretora. Não subestimem os membros deste
Parlamento”. Na fala, Lira e o Parlamento são uma coisa só.
Esse amálgama entre ele e a Câmara, numa
condição simultânea de instituição, líder e representante, é fundamental para
preservar-lhe o poder. Por ora, a incerteza do futuro se contrapõe à força
considerável que tem no presente. Sua musculatura política, como se sabe, deu a
Lira uma bancada para chamar de sua. Mais do que o Centrão (oficialmente
composto por PP, Republicanos, Solidariedade e PTB), Lira também conquistou um
bloco de apoio, e nele estavam, até o início de fevereiro, nada menos do que
oito partidos: PP, União Brasil, PSDB-Cidadania, PDT, PSB, Solidariedade,
Patriota e Avante. A baixa começou: a bancada do PSB protocolou ofício
oficializando a saída do bloco, e há quem preveja a saída do PDT. O bloco de
apoio a Lira seguirá como o maior da Casa, mas isso não torna mais luminoso o
horizonte do presidente da Câmara.
Premido agora pelo relógio do mandato, um
adversário implacável mesmo para as lideranças políticas mais experientes, Lira
dobrou a aposta. Sua artilharia não se encerrou depois do discurso na Câmara,
da tentativa de pedir a cabeça do ministro das Relações Institucionais,
Alexandre Padilha, e das ausências nas solenidades de abertura dos trabalhos do
Poder Judiciário e de posse do novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
Primeiro, Lira conseguiu esvaziar uma reunião convocada pelo ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, com líderes do Congresso para tratar do futuro da reoneração
da folha salarial. Depois, num gesto pouco usual, cobrou da ministra da Saúde,
Nísia Andrade, o esclarecimento sobre os critérios utilizados pela pasta na
liberação de recursos apadrinhados por parlamentares.
Em contrapartida, até aqui se assiste à
reação discreta, comedida e de aparente tranquilidade do Palácio do Planalto,
ainda que no bastidor esteja lançando iscas para dividir o Centrão e o bloco de
apoio a Lira. O presidente Lula da Silva está longe de ser um neófito nas
artimanhas do poder e sabe que o calendário lhe é mais favorável no momento.
Ademais, tem como trunfo a agenda econômica prioritária no Congresso, que tem o
apoio de Lira. Explícita ou não, a queda de braço se estenderá ao longo do ano também
com os movimentos da sucessão na presidência da Câmara e a incerteza de qual
papel o governo terá na disputa.
O risco, para o equilíbrio entre os Poderes e
para o Brasil, é a aposta de Lira seguir elevada demais. Se o café começar a
ser servido morno na Mesa Diretora da Câmara, sua reação poderá ser ainda mais
incisiva e truculenta, ampliando o desequilíbrio entre os Poderes e travando a
agenda do Congresso. Todos perderão, num caminho arriscado para ele, danoso
para o Legislativo e prejudicial para o País.
BC acerta ao manter cautela
O Estado de S. Paulo
Alta de emprego e salários pressiona
inflação, e setor de serviços pode surpreender
O presidente do Banco Central (BC), Roberto
Campos Neto, disse que o comportamento da economia brasileira pode surpreender
no primeiro semestre. Embora nada indique que o agronegócio deva repetir o
desempenho do ano passado, crucial para o crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB), o setor de serviços está puxando a economia para cima, segundo Campos
Neto. “A gente vê serviços puxando bastante o crescimento”, afirmou.
A notícia, ainda que positiva, explica muito
da cautela que o BC tem demonstrado na condução da política monetária. Na
semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a Selic em 0,5
ponto porcentual, de 11,75% para 11,25% ao ano, a despeito da ansiedade do
governo e de uma parte dos analistas financeiros.
Se o comunicado divulgado após a reunião
havia citado as incertezas internacionais, a ata do Copom deu destaque a
preocupações com a dinâmica do mercado de trabalho e os aumentos salariais
acima da inflação, que requerem “acompanhamento minucioso”. Ainda que os
reajustes possam refletir questões temporárias, eles puxam os preços para cima,
sobretudo os serviços, mais resistentes aos efeitos da política monetária.
“Destacou-se a causalidade recíproca entre os
preços e a dinâmica de rendimentos, suas respectivas defasagens e as
elasticidades de impacto de um sobre outro. O Comitê seguirá atento à dinâmica
dos rendimentos nas diversas pesquisas para melhor avaliar o grau de ociosidade
no mercado de trabalho e seus potenciais impactos sobre a inflação de
serviços”, disse a ata.
Na dúvida, o BC não quer pagar para ver.
Afinal, “um mercado de trabalho mais apertado, com reajustes salariais acima da
meta de inflação, pode potencialmente retardar a convergência da inflação,
impactando notadamente a inflação de serviços e de setores mais intensivos em
mão de obra”.
Por isso, a ata reafirmou ser necessário
manter uma política monetária “contracionista e cautelosa”, que reforce a
dinâmica inflacionária. Caso essas pressões realmente sejam temporárias, tal
precaução, no mínimo, contribuirá para reduzir a inflação de maneira mais
célere. No mais, as expectativas de inflação continuam desancoradas e ainda
preocupam o Banco Central. Reduzi-las, segundo a ata, requer uma atuação firme
da autoridade monetária.
Na área fiscal, o Copom repetiu trechos de
atas anteriores, mas a preocupação sobre o aumento do crédito direcionado ganha
outro peso depois que o governo divulgou sua política industrial, na qual os
financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
terão papel relevante.
Nada muda no curto prazo, e a ata reafirmou a
possibilidade de redução da Selic em 0,5 ponto porcentual nas duas próximas
reuniões – cenário esperado por todos os integrantes do comitê, inclusive os
quatro membros indicados pelo presidente Lula da Silva.
A dúvida que remanesce é até onde a taxa básica de juros poderá cair, e tudo vai depender da evolução do processo desinflacionário, com o qual o governo pode colaborar muito se mantiver inalterada a meta de déficit fiscal zero no próximo mês.
Carnaval de paz e civilidade
Correio Braziliense
A maior manifestação popular do país não é um evento comum. Leva às ruas as mais belas tradições do povo brasileiro, que revelam as multifaces da nossa pluralidade cultural
A partir de amanhã, o Brasil para. Começa o
carnaval, a maior festa popular do país. Milhares de brasileiros deixam de lado
problemas, necessidades e embarcam na avenida da Folia de Momo. Há décadas, a
festa é uma atração internacional. Nas principais cidades, desembarcam turistas
de todos os cantos do planeta.
Neste ano, algumas capitais, como Belo
Horizonte, chegarão à avenida com novidades. Blocos de mulheres foram
organizados para protestar contra o aumento de vítimas de feminicídio. No
Distrito Federal, bem como em outras grandes cidades, as mulheres aproveitarão
a festa para condenar o assédio masculino e outros comportamentos criminosos.
Na passarelas, entrará também o "não é
não", slogan criado por um coletivo feminino contra a violência e o
assédio sexual, outra brutalidade também proveniente do machismo. A advertência
virou adesivo e tatuagem temporária, que elas poderão usar tanto na roupa
quanto no corpo, para que os potenciais agressores de plantão possam não
só ouvir, mas também ler e, assim, se comportarem de modo respeitoso.
O Ministério da Saúde lançou a campanha de
orientação para que a ressaca do carnaval não acarrete problemas graves de
saúde, como as Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). O uso de
preservativos é precaução básica para evitar as IST mais conhecidas: HIV;
sífilis; herpes genital; HPV; gonorreia; infecção por clamídia; hepatites B e
C; infecção pelo HTLV; e tricomoníase. A recordação do carnaval não pode ser
associada à perda da boa saúde nem tornar o folião dependente de tratamentos
médicos pelo resto da vida. "Use camisinha. Previna-se!", recomenda o
Ministério da Saúde. O alerta vale para os héteros e o público LGBTQIAP ,
afinal todos são pessoas com sentimentos e merecedoras de respeito.
Carnaval é um momento de enorme e contagiante
alegria, e de descontração plena. Evitar conflitos, afastar-se daqueles que têm
comportamentos inconvenientes, seja por má educação, seja por excesso de bebida
alcoólica, é a melhor conduta para aproveitar a folia. Cantar, sambar,
participar dos desfiles das escolas e dos blocos carnavalescos são tudo que
importa nesses dias em que o país está unido na maior festa popular do planeta.
Se os foliões têm que ter responsabilidade,
cuidar de si e dos que estão ao seu lado, é fundamental também que as forças de
segurança pública tenham estratégia e estejam alerta para salvaguardar a
integridade dos carnavalescos. Intervir com moderação ao menor sinal de
conflito, evitando que uma discussão ou desentendimento tenha um desfecho
letal.
O carnaval é a maior manifestação popular do país. Não é um evento comum. Leva às ruas as mais belas tradições do povo brasileiro, que revelam as multifaces da nossa pluralidade cultural. Paz e alegria têm de ser o tom mais alto da alegria de Momo. Feliz carnaval a todos e todas.
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