Correio Braziliense
Lula herdou um Congresso que pretende gastar
muito mais e, ao mesmo tempo, quer reduzir impostos. Para se chegar ao deficit
zero em 2024, a conta não fecha
Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, o
senador Eduardo Gomes (PL-TO) é um político moderado e sagaz. Observa a
política com pragmatismo e certo distanciamento das disputas ideológicas. Nesta
quarta-feira, num dia esvaziado do Congresso, jogava conversa fora numa roda de
jornalistas, no cafezinho do Senado. Comentava a agenda litigiosa do Palácio do
Planalto com o Congresso, um prato feito para a oposição. "Os maiores
problemas de Lula com o Congresso foram herdados do governo Bolsonaro", se
divertia. Referia-se às emendas impositivas ao Orçamento da União, às
desonerações da folha de pagamento das empresas e o Perse (Programa Emergencial
de Retomada do Setor de Eventos).
Comecemos pelo último. O Perse foi criado para mitigar os prejuízos de quem teve os negócios paralisados durante a pandemia, como a realização de congressos, feiras e eventos sociais e esportivos; shows, festas e festivais; bufês sociais e infantis; casas noturnas e casas de espetáculo; hotelaria em geral; administração de salas de cinema; e prestação de serviços turísticos, entre outros. O governo quer acabar com o programa, em razão do fim da pandemia e da suspeita de que o Perse estaria sendo usado para lavagem de dinheiro, o que precisa ser investigado. Por meio de medida provisória (MP), todas as empresas beneficiadas perderiam os benefícios fiscais, como alíquota zero de impostos, parcelamento de débitos, redução de juros e multas.
Criado em 2021, o Congresso prorrogou o
programa por mais cinco anos, em dezembro de 2022, contra a opinião de Fernando
Haddad, já então indicado para o Ministério da Fazenda. Agora, a Receita
Federal alertou a equipe econômica de que a renúncia fiscal chegará a R$ 17
bilhões, neste ano, muito acima dos R$ 4,4 bilhões previstos no Orçamento. Há
suspeita de fraudes, que precisam ser investigadas. As instituições ligadas ao
setor, lideradas pelas federações de comércio, reagiram prontamente. O lobby
conta com o apoio de parlamentares diretamente ligados a esses setores.
Outro contencioso são as desonerações da
folha de pagamento, que Lula vetou integralmente. Para aliviar a pressão do
Congresso, o líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (AP), já anunciou que
o presidente Lula poderá enviar um projeto de lei que trata da desoneração da
folha de pagamento, que será extinta em abril, de acordo com uma medida
provisória já editada (MP 1.202/24). No ano passado, deputados e senadores
aprovaram a prorrogação do recolhimento de até 4,5% sobre a receita bruta no
lugar da alíquota de 20% da contribuição previdenciária para 17 setores da
economia, até 2027.
A oposição se articula para derrubar a MP. O
autor do benefício, senador Efraim Filho (União-PB), considerou a medida
provisória um desrespeito ao Congresso Nacional. O presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), mandou recado de que os vetos serão derrubados. Mas faltou
combinar com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que convoca e
pauta o Congresso. Em razão dos seus interesses eleitorais e do ministro de
Minas e Energia, Alexandre Silveira, em Minas Gerais, já nas eleições
municipais, Pacheco se reaproximou de Lula e prefere um bom acordo.
Demandas eleitorais
Outro contencioso são os vetos no valor de R$
5,6 bilhões às emendas de comissão. Foram aprovadas pelo Congresso 7,9 mil
emendas parlamentares individuais, de bancadas estaduais e de comissões, que
somavam R$ 53 bilhões. Com o veto nas emendas de comissão, o valor global
ficaria em torno de R$ 44,6 bilhões. As emendas de comissão seriam no valor de
R$ 16,6 bilhões, mas cairão para R$ 11 bilhões, com os vetos, contra R$ 7,5
bilhões no ano passado. Emendas individuais obrigatórias (R$ 25 bilhões) e as
emendas de bancadas (R$ 11,3 bilhões) não sofreram vetos de Lula, embora
pulverizem o orçamento de investimentos do país.
Obras como o túnel submarino que ligará
Santos e Guarulhos, uma parceria do governo federal com o governo paulista, que
selou a cooperação entre Lula e o governador Tarcísio de Freitas (PR), no valor
estimado de R$ 6 bilhões, não são prioritárias para o Congresso. Deputados e
senadores, pressionados por prefeitos, deputados estaduais e vereadores,
destinam recursos para suas bases eleitorais. Lula herdou de Bolsonaro um
Congresso majoritariamente conservador, que gostou de administrar a execução do
Orçamento da União, com o PP e o PL dando as cartas no Palácio do Planalto, por
meio da Casa Civil e da Secretaria de Governo.
Em parte por causa da pandemia, em parte por
causa de Bolsonaro, Lula herdou um Congresso que pretende gastar muito mais e,
ao mesmo tempo, quer reduzir impostos. Para se chegar ao deficit zero em 2024,
a conta não fecha. É que deputados e senadores estão mais empenhados em
aproveitar as eleições municipais para garantir a própria reeleição em 2026.
Esse é o jogo.
Um comentário:
E segue o jogo.
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