O Estado de S. Paulo
O anúncio de um instrumento de crédito novo e incentivado é um importante indicador de que erros do passado foram compreendidos
Há anos que a desindustrialização do País é
um tema obrigatório quando os analistas se propõem a enumerar os problemas que
assolam a economia brasileira. Desta forma, poderia parecer evidente que o
anúncio de uma nova política industrial pelo governo federal, feito há algumas
semanas, seria bem recebido pelo mercado, pelos políticos e pelos analistas em
geral. Mas não foi bem assim. E, por isso, vale a pena entender as razões.
O descrédito nas políticas industriais do Brasil tem duas vias. Muitos não acreditam que o Estado seja capaz de implantar políticas efetivas e consistentes, amparados na velha tese de que há vantagens comparativas derivadas dos recursos naturais que determinam que alguns países devem se limitar ao papel de supridores de produtos agrícolas e metais, deixando a produção industrial aos que têm competência para tal.
O descrédito, no entanto, pode não vir do
frágil ideário liberal acima exposto. Atualmente, muitos não acreditam no
Estado brasileiro pelo seu histórico de atuação, não porque advoguem por um
Estado mínimo. Precisamos, desta forma, ir ao longínquo milagre econômico
brasileiro para achar uma política industrial digna do nome. E vale lembrar
que, lá nos anos 70, o governo federal tinha condições de dar incentivos
fiscais para empurrar as empresas para o ampliar de seus investimentos.
Já os anos 80 e 90 foram de significativa
estagnação e luta contra a inflação, o que mobilizou todo o arsenal de
políticas, que, em geral, resultaram em grandes desequilíbrios na nossa
economia. Mesmo a bem-sucedida implantação do Plano Real, no final de fevereiro
de 1994, foi seguida de um período de grande instabilidade no cenário
econômico, por causa da crise russa.
Neste século, duas realidades acabaram
impondo a esterilização de quaisquer políticas de desenvolvimento industrial. A
primeira, a manutenção, por longos períodos, das taxas de juros reais mais
elevadas do mundo. A segunda, a tendência à apreciação do real, o que provocava
a deterioração da capacidade competitiva das empresas brasileiras, seja no
mercado nacional, seja no que toca aos segmentos exportadores. Nesse aspecto,
não podemos deixar de ressaltar que a China ganhou a posição de “fábrica do
mundo”, capturando a grande maioria das oportunidades em novos produtos e
investimentos.
A saída da crise de 2008, “marolinha” ou não,
foi crítica para a credibilidade das políticas industriais. O financiamento
direto via emissão de títulos do Tesouro Nacional, numa escala absolutamente
inédita, e o subsídio de crédito construído em torno da Taxa de Juros de Longo
Prazo (TJLP) produziram muito descrédito no campo fiscal e grandes críticas com
respeito à eficiência do instrumento de crédito utilizado. Conquanto o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tivesse as melhores condições
técnicas para articular a política de investimento, o que ocorreu foi uma
avalanche de crédito barato, e não uma estratégia de desenvolvimento.
A proposta da Nova Indústria Brasil é ancorar
o financiamento em créditos do BNDES e da Financiadora de Estudos e Projetos
(Finep), com suporte da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial
(Embrapii). A abordagem setorial parece um avanço, por ser aderente ao momento
da inserção no mercado nacional e internacional que vivemos. O foco está em
alimentos, medicamentos, vacinas, equipamentos médicos e equipamentos de
defesa. Além disso, temas mais transversais, como a transformação digital da
indústria, a transição energética e a descarbonização da cadeia produtiva e o
bem-estar nas cidades, também ganharam destaque.
Nos últimos dias, em articulação com a nova
política, o governo federal promoveu a criação das Letras de Crédito do
Desenvolvimento (LCDs). Esses documentos podem ser emitidos pelo BNDES e por
outros bancos de desenvolvimento, com previsão de benefício tributário similar
ao hoje concedido às Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), Letras de Crédito
Imobiliário (LCIs), bem como às debêntures de infraestrutura. Note-se que há
limites estritos ao quantitativo anual de emissões, o que é um problema, mas denota
controle do processo.
A iniciativa é digna de aplausos. O BNDES tem
toda condição de levantar recursos no mercado e não precisa que o Tesouro
Nacional coloque seus próprios títulos para financiar os repasses de recursos
ao banco. As fragilidades que estes movimentos de financiamento via Tesouro
trouxeram para a política fiscal ficaram mais do que evidentes e trouxeram
grandes incertezas ao mercado. Repetir seria um grave erro.
A nova política industrial não é ainda uma
realidade de fato, porque muitas questões permanecem em aberto. Mas o anúncio
de um instrumento de crédito novo e incentivado é um importante indicador de
que erros do passado foram compreendidos. O Brasil tem muito a caminhar com a
indústria, mas a reinvenção das políticas de desenvolvimento é a via de
trabalho que melhor constrói o futuro.
*Economista
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