O Globo
Bolsonaro seria fruto de uma engrenagem
perversa, análoga àquela que gera machistas estruturais, racistas estruturais
Já não há mais qualquer dúvida (se é que algum dia houve) de que Jair Bolsonaro tenha tramado, costurado, alinhavado e arrematado um golpe — não consumado por motivos de incompetência (sem trocadilho) generalizada. Diante dos depoimentos prestados à Polícia Federal por ex-colaboradores e das provas encontradas em gavetas e celulares, não lhe será possível recorrer à tradição milenar de negar até o fim, contra todas as evidências. Nem reabilitar a tática que se popularizou há alguns anos e alegar que o golpe não era seu, mas de um amigo.
Mais que de um bom advogado, ele precisará de
uma eficiente assessoria de imagem. Porque só lhe resta uma saída: se apropriar
do arcabouço teórico dos adversários e apelar para o golpismo estrutural.
Sim, ele não é golpista: a sociedade é que é.
Ele seria fruto de uma engrenagem perversa, análoga àquela que gera machistas
estruturais, racistas estruturais, homofóbicos estruturais. Os golpes de Estado
— Deodoro em 1889, Vargas em 1930 e 1937, Mourão em 1964 — mais uma penca de
revoltas, levantes, intentonas e quarteladas teriam incorporado a seu DNA — e
ao de todos os brasileiros — uma vocação atávica para soluções de ruptura. Bem
que ele tentou se manter dentro das quatro linhas, mas...
Outro que teria a ganhar com essa
argumentação é Lula.
Era para o presidente estar surfando nas boas notícias (crescimento da
atividade econômica, recuperação do comércio, queda dos juros e da taxa de
desemprego). Mas não para de tropeçar na própria língua: culpa do boquirrotismo
estrutural, que o leva a dizer o que lhe dá na telha, sem medir o estrago que
possa causar. E aí se alista na guerra do companheiro Putin contra a Ucrânia e
deixa em segundo plano a luta contra a dengue. Se empenha em salvar o Hamas, não os
ianomâmis. Quer porque quer controlar a Vale, e a Petrobras que
perca R$ 56 bi em um dia.
Lula pode argumentar que também precisa
desconstruir seu antissemitismo estrutural. E seu igualmente estrutural
autoritarismo, que o leva a apoiar a democracia fajuta de Nicolás
Maduro. Bem como o antipunitivismo estrutural, que o impede de se libertar
de alguns anátemas (criminosos são vítimas da sociedade; então esta é que tem
de ser punida, convivendo com a violência de bandidos de tornozeleira
assaltando transeuntes e assassinos aproveitando saidinhas de ressocialização
para se ressocializar com o crime).
Pode, ainda, se escudar no consumismo
estrutural da zelite para justificar as compras emergenciais (com dispensa de
licitação) que lhe garantem um sono tranquilo numa cama de R$ 42,2 mil, com
colchão de R$ 8,9 mil e duas mesinhas de cabeceira de R$ 15 mil cada uma —
gasto equivalente a quase um ano de Bolsa Família para dez famílias,
considerando o valor médio pago em março de 2024.
O ministro Silvio
Almeida bem que tenta explicar que o conceito de “estrutural” não
retira as responsabilidades pessoais nem se presta a ser usado como álibi. Mas
o feitiço virou contra o feiticeiro, e os teóricos dos preconceitos difusos e
coletivos já devem ter se dado conta do monstro que criaram.
Se todos os brancos são, historicamente,
racistas — como prega a cartilha identitária — e todo homem é refém da “cultura
do estupro”, o ex e o atual presidente têm aí, contra a Justiça e a queda da
popularidade, uma boa linha de defesa. Aliás, a única.
Um comentário:
Lula querendo ''salvar o Hamas'' é demais,tem colunista que parece que bebe antes de escrever!
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