Calamidade no saneamento perdura no Brasil
O Globo
Ao enfraquecer legislação, governo contribuiu
para manter população em condição insalubre por mais tempo
É desolador o quadro traçado no último
ranking sobre o saneamento nas cem maiores cidades brasileiras do Instituto
Trata Brasil. No ritmo verificado pelo estudo — alta de 55,8%
para 56% na coleta de esgoto e de 51,2% para 52,2% no tratamento —, a
universalização levará décadas, com consequências nefastas para a população e
para o meio ambiente. Diariamente, o equivalente a mais de 5,2 mil piscinas
olímpicas de eflúvios sem tratamento é despejado na natureza. Das 20 cidades
com pior classificação, 11 estão nesse grupo há dez anos.
Os 20 municípios mais bem colocados estão espalhados pelo Brasil. Maringá (PR) está em primeiro lugar. São Paulo, em sétimo, é a capital na melhor situação. Uberlândia, em quinto, é a melhor cidade em Minas Gerais, e Niterói, em sexto, no Rio. Em comum, essas cidades investiram e investem altos valores per capita em saneamento. Não existe outra alternativa para a insalubridade.
O exemplo de Niterói é ilustrativo. Uma
empresa privada assumiu o serviço de saneamento em 1999 e precisou de apenas
cinco anos para elevar a população com água tratada de 72% para 100%. O
problema são os municípios com índices baixos de atendimento, ainda presos às
mesmas empresas estatais que nunca fizeram o suficiente para mudar o quadro
vexatório.
Acabar com essa situação é o objetivo do
Marco do Saneamento aprovado em 2020. Ele abriu a competição no mercado
brasileiro. O objetivo não é um embate estéril entre empresas públicas e
privadas, mas entre as ineficientes e as eficientes. “As novas leis previam que
concessionárias privadas sem capacidade de atingir as metas também perdessem a
concessão”, diz Diogo Mac Cord, líder de Infraestrutura e
Mercados Regulados da consultoria EY e um dos formuladores da lei no governo
passado.
O Marco procurou atacar o problema do
saneamento em duas frentes. Empresas com contratos vigentes passaram a ter de
comprovar capacidade econômica e financeira para universalizar os serviços.
Aquelas que, depois de uma auditoria, não demonstrassem condições estariam
fora. Para promover a competição, todos os novos contratos começaram a ser
licitados.
Num equívoco de grandes proporções, o governo
do PT, por convicção ideológica e pressão de governadores, trabalhou para
enfraquecer o Marco do Saneamento. Graças à ação de parte do Congresso, a regra
da licitação foi mantida. É certo que alguns estados têm prorrogado contratos
sem novas concorrências, mas isso acontece de forma irregular. A mudança mais
grave aconteceu na avaliação independente da capacidade econômica e financeira.
Para beneficiar empresas estatais ineficientes, ela foi enfraquecida, a ponto
de quase não fazer mais sentido.
Essas mudanças não eximem a responsabilidade
dos prefeitos. Há caminhos para melhorar os serviços de tratamento de água e
coleta de esgoto. Mesmo os municípios presos a contratos insatisfatórios podem
usar a lista do Trata Brasil para provar na Justiça a falta de atendimento
adequado. É uma vergonha a situação do saneamento no Brasil. Mais de 33 milhões
de brasileiros não têm acesso à água tratada e 93 milhões vivem sem coleta de
esgoto. Isso precisa mudar rápido. A poucos meses das eleições para prefeitos e
vereadores, essa é uma questão que deve ser avaliada por todo eleitor.
Anistia a áreas ‘não florestais’ aprovada na
Câmara incentiva desmatamento
O Globo
Senadores deveriam rejeitar projeto que
relaxa proteção a campos nativos espalhados por todos os biomas
A Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou nesta semana um novo Projeto de
Lei relaxando a proteção em áreas consideradas “não florestais”, conhecido
como PL dos Campos. O termo vago abrange campos nativos na Mata Atlântica, no
Pantanal, no Cerrado, na Caatinga etc. Na prática, ameaça quase todos os biomas
brasileiros, inclusive áreas extensas da Amazônia. Estima-se que abranja uma
extensão de 48 milhões de hectares, área maior que o Paraguai. Como o texto foi
aprovado de forma terminativa pela CCJ, não precisa ser submetido ao plenário.
Isso significa que seguirá diretamente ao Senado. Espera-se que os senadores o
rejeitem ou que, na pior hipótese, seja vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula
da Silva.
A proposta, em sua versão inicial, tratava
apenas dos campos da Mata Atlântica. Já seria um absurdo. Antes da última
votação na CCJ, porém, o deputado Lucas Redecker (PSDB-RS), relator do projeto,
expandiu seu alcance com alterações em todo o Código Florestal de 2012.
Redecker e o autor do projeto original, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), alegam
que o objetivo é regularizar imóveis rurais nas áreas contempladas, para livrar
seus proprietários de multas e embargos ambientais. É como se fosse uma ampla anistia.
Mas o projeto considera “áreas rurais
consolidadas” todas as liberadas para exploração, mesmo aquelas cuja vegetação
não foi derrubada até 2008, marco temporal estabelecido pelo Código Florestal
para a preservação. O risco de mais devastação vai além, porque também perdem
proteção Áreas de Preservação Permanente (APPs). Livram-se apenas terras
indígenas e Unidades de Conservação, criadas por lei para salvaguardar fauna e
flora.
Pressionada, a ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva, terá de se desdobrar para enfrentar o que virá por aí caso o
projeto passe no Senado e o presidente Lula seja convencido a não vetá-lo, para
não dificultar o já difícil relacionamento do governo com o Congresso. Diante
do avanço da devastação na Amazônia, Marina relançou o Plano de Ação para
Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), criado há 20
anos em sua primeira passagem pela pasta. A iniciativa fez cair o desmatamento
pela metade logo no primeiro ano. Agora, o ministério se esforça para tratar
também do Cerrado, fronteira onde grande parte da devastação é legal, com o
beneplácito de governos estaduais.
Se o PL dos Campos for aprovado pelo
Congresso, o Ministério do Meio Ambiente enfrentará ainda mais dificuldade para
combater os desmatadores. Infelizmente os congressistas parecem acreditar que
há conflito entre o avanço da produção agropecuária e a defesa do meio
ambiente. O agronegócio brasileiro já deu repetidas demonstrações de como
aumentar a produtividade sem desmatar. É esse tipo de atitude que os
parlamentares deveriam se preocupar em valorizar, e não em aprovar uma anistia
que apenas cria mais incentivos para a devastação.
Novo ensino médio dá um passo adiante
Folha de S. Paulo
Acordo entre MEC e Câmara leva à aprovação de
projeto que mira problemas surgidos na implantação; Senado deve ser célere
Finalmente a Câmara
aprovou o projeto que altera a reforma do ensino médio, sancionada
em 2017. Desde lá, a medida foi alvo de ataques de cunho partidário e
corporativista que pediam sua revogação.
Contudo os problemas estruturais que de fato
surgiram na implantação não eram motivo para a interrupção da reforma, que
busca minimizar gargalos dessa etapa do ensino como a evasão escolar.
Nesse sentido, o projeto aprovado pelos
deputados é bem-vindo, já que mantém o cerne da versão original —flexibilização
do currículo e integração da educação profissional à regular— e aponta soluções
para os desafios verificados na prática ao longo dos anos.
Uma das mudanças que mais geraram transtornos
foi a instauração dos itinerários formativos. Não havia critérios técnicos
específicos para a estipulação dessas disciplinas, que têm como objetivo o
aprofundamento de temas de interesse dos alunos, e a maioria das escolas não
conta com professores especializados ou infraestrutura para suprir a contento
essa exigência.
Já o projeto de lei ora aprovado delimitou os
itinerários a apenas cinco áreas: quatro formadas a partir de conteúdos do
currículo regular, como "linguagens, matemática e ciências humanas e
sociais", e a outra reservada aos cursos profissionalizantes.
Tal organização também é importante porque
facilita a criação de diretrizes nacionais claras, uma demanda das redes de
ensino locais. Em relação à carga horária, contempla-se uma necessidade
verificada no ensino técnico.
Na reforma original, o currículo comum a
todos os estudantes era de 1.800 horas em três anos, e os itinerários tinham
1.200. A proposta do MEC da atual gestão mudou para 2.400 e 600,
respectivamente. No entanto os alunos que cursam o modelo profissionalizante
precisam de mais tempo para a formação específica.
Assim, MEC e deputados da base governista
acataram diminuir a carga do currículo regular daqueles que optarem pela
educação profissionalizante para 2.100 horas, aumentando para 900 a parte
flexível —ademais, 300 dessas 2.100 horas podem ser usadas para complementar o
ensino técnico.
Essa alteração é crucial, dado o interesse
do alunado pela formação profissionalizante e da importância
desse modelo para a rápida inserção no mercado de trabalho.
Agora, o Senado deve agir com celeridade para
concluir a aprovação. Já o governo deve monitorar a implementação, auxiliando
as redes regionais, e focar em outros problemas crônicos da educação
brasileira, como a aprendizagem precária, a baixa oferta do ensino integral e a
distorção entre série e idade no ensino fundamental.
Os corpos dos porcos
Folha de S. Paulo
Transplante de rim suíno cria alternativa
tecnológica à escassez de órgãos
Os caminhos da biomedicina não cessam de
surpreender. Quem diria, décadas atrás, que partes dos animais mais
identificados com sujidades viriam a salvar milhares de pessoas? Pois começou a
era dos transplantes com órgãos de porcos, com notável avanço anunciado na
quinta-feira (21).
O Hospital Geral de Massachusetts em Boston
divulgou operação bem-sucedida, comandada por um médico brasileiro, em que um
homem de 62 anos com insuficiência renal grave recebeu um
rim suíno geneticamente modificado. O paciente se recuperava bem.
Dá-se o nome de xenotransplante ao
procedimento em que o doente recebe órgão de outra espécie, para contornar a
escassez de doações humanas. A fila de brasileiros à espera de um rim, por
exemplo, conta cerca de 39 mil pessoas.
Embora pouco se pareçam com humanos, suínos
têm a parte central do corpo e os órgãos vitais nela contidos de tamanhos
comparáveis. A desvantagem está no potencial aumentado para rejeição, dado o
parentesco distante com a espécie Sus scrofa domesticus.
Recorreu-se a dezenas de manipulações de DNA
para diminuir a rejeição, com a retirada de genes porcinos e inserção de genes
humanos. Também foram inativadas sequências genéticas correspondentes a vírus
adormecidos, por assim dizer, no genoma de porcos.
A modificação
genética empregou a técnica batizada Crispr, que deu a Emmanuelle
Charpentier e Jennifer Doudna o Prêmio Nobel de Química em 2020. Ela confere
maiores precisão e eficiência na edição de DNA de seres vivos do que processos
anteriores.
A façanha poderá causar desconforto moral em
algumas pessoas sensíveis à sem-cerimônia com que a biotecnologia cruza
fronteiras antes vistas como imutáveis. Foi assim, nos anos 1970, com os
primeiros transplantes de coração entre humanos e os pioneiros bebês de proveta
—hoje corriqueiros.
Vida longa aos xenostransplantes. De uma perspectiva pragmática, é finalidade nobre destinar corpos de animais para salvar pessoas condenadas pela relutância de parentes, esta sim injustificável, a doar órgãos de entes queridos.
Poder público não pode ser oculto
O Estado de S. Paulo
Lula, que prometeu máxima transparência em
seu governo, igualou o grau de opacidade de Bolsonaro, valendo-se de
justificativa espúria para recusar 1.339 pedidos de acesso à informação
Segundo apurou o Estadão, o governo do
presidente Lula da Silva negou no ano passado 1.339 pedidos de informações sob
a justificativa de conter dados pessoais, impondo 100 anos de sigilo sobre
documentos como a agenda da primeira-dama, comunicações diplomáticas sobre o
julgamento do ex-jogador Robinho ou a lista dos militares da Guarda
Presidencial de plantão no infame 8 de Janeiro.
Transparência e publicidade são pilares do
Estado Democrático de Direito. Não se trata só de coibir ilicitudes, mas de
garantir um ambiente institucional, administrativo, político e econômico capaz
de otimizar recursos públicos, atrair investimentos e promover uma cidadania
vibrante e participativa. A Constituição estabelece uma única exceção, caso o
sigilo seja “imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.
A aversão à transparência não é apanágio
deste governo ou de Brasília. Todo poder emana do povo. Governantes,
parlamentares, magistrados e servidores públicos são seus mandatários. Mas, na
prática, se comportam como mandantes, tratando os cidadãos como súditos e
compartilhando informações como se fossem concessões, não um dever cuja recusa
caracteriza ilicitude.
Segundo apuração do Estadão, 23 das 27
Assembleias Legislativas do Brasil foram reprovadas no teste de transparência,
integridade e governança, mostrando-se incapazes de oferecer dados que deveriam
estar facilmente disponíveis. Há anos a Suprema Corte mantém os inquéritos das
fake news e das milícias digitais sob sigilo, impedindo o povo de escrutinar a
legalidade de medidas excepcionais, como quebras de sigilo, bloqueios de
contas, multas exorbitantes e a censura ou prisão de representantes eleitos,
jornalistas e empresários. É difícil imaginar uma questão de maior interesse
público que a verificação dos fatos ocorridos no maior atentado à democracia
desde o fim da ditadura. Apesar disso, mais de um ano após o 8 de Janeiro, os
Três Poderes mantêm a sete chaves a íntegra das imagens das câmeras de
vigilância.
Na gestão Bolsonaro a opacidade se tornou
política de governo. São inúmeros exemplos: recusas abusivas a solicitações de
informações por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), campanhas de
desinformação, estruturas paralelas nos ministérios, interferências em órgãos
de controle e até a ocultação de dados epidemiológicos na pandemia. O paroxismo
foi a maquinação, junto com o Legislativo, de um “orçamento secreto”.
O caso de Lula, no entanto, é mais grave,
porque se diz paladino da democracia e fez do ataque à cultura do sigilo parte
de sua batalha contra Bolsonaro na eleição. “É uma coisa que vamos ter de
fazer: um decreto, um ‘revogaço’ desse sigilo que Bolsonaro está criando para
defender os amigos”, disse à época. “Qualquer pessoa podia saber o que
acontecia no nosso governo.” A hipocrisia é, de fato, a homenagem que o vício
presta à virtude.
Os primeiros mandatos de Lula antecederam à
LAI, de 2011. Mas em 2013 o governo de sua criatura Dilma Rousseff bateu o
recorde de negativas: 3.732. No último ano de Bolsonaro, foram 1.332. O governo
Lula retirou o sigilo de muitos desses documentos. Mas o apreço de Lula à
publicidade é seletivo. Já em seu primeiro ano, ele superou a marca de
Bolsonaro, com 1.339 negativas. Mesmo se admitindo que uma parcela mínima
desses documentos se enquadre nas exceções previstas na LAI para preservar a
segurança ou a intimidade, o próprio governo baixou um decreto determinando que
eles devem ser disponibilizados, ocultando-se somente os trechos sensíveis. O
sinal ideológico é trocado, mas o recurso às sombras é só mais uma das muitas
táticas que Lula e Bolsonaro utilizam de maneira idêntica.
“A publicidade é com justiça recomendada como
um remédio para doenças sociais e industriais”, disse o jurista americano Louis
Brandeis. “Diz-se que a luz do sol é o melhor dos desinfetantes; a iluminação
pública é o mais eficiente dos policiais.” Muito antes de Brandeis, da
Constituição ou da LAI, a sabedoria popular já havia consagrado esse princípio
universal de maneira mais singela e intuitiva: quem não deve não teme. Ante
tamanho esforço para manter sua administração nas sombras, é de perguntar ao presidente
Lula: por que tanto medo?
O parto do Novo Ensino Médio
O Estado de S. Paulo
Aprovação na Câmara mostra que a discussão
sobre a reformulação do ensino médio atingiu seu grau de maturação; agora é
torcer para que não haja interrupções no Senado
A aprovação do projeto que reformula o Novo
Ensino Médio pela Câmara dos Deputados foi um passo importante para dar
prosseguimento à urgente e necessária reestruturação da etapa mais complexa e
relevante da vida escolar, definidora do futuro de gerações. O consenso em
torno de temas nevrálgicos, que teve na carga horária da base curricular seu
ponto de maior embate, mostrou que o grau de maturação aparentemente foi
alcançado, o que tende a facilitar as discussões no Senado, de onde sairá a
versão final do projeto.
É imprescindível que o trâmite ocorra sem
novas interrupções, como a que emperrou o projeto na Câmara, atrasando ainda
mais a implantação das mudanças. Pelo calendário original, o novo modelo já
deveria estar regulamentado, orientando as escolhas de milhões de adolescentes
durante os três anos do ensino médio. O ponto positivo é que, após intensos
debates, se chegou a uma fórmula que afastou de vez a possibilidade absurda de
revisão completa da reforma aprovada em 2017 – algo que chegou a ser cogitado pela
esquerda irresponsável no início da gestão de Lula da Silva.
De forma geral, a reforma de 2017, comandada
pelo então ministro da Educação Mendonça Filho, adotava princípios corretos de
formação geral básica, organizada por áreas do conhecimento, com a parte
optativa, na qual os estudantes definem disciplinas de acordo com suas áreas de
interesse, abrindo caminho para a educação profissional. O currículo mais
flexível e a disponibilidade de um ensino profissional e técnico arejaram o
modelo para lá de atrasado do ensino médio. Lamentavelmente, houve hiato e
confusão na implementação, em razão da pandemia de covid-19 e da inexistência
de um Ministério da Educação (MEC) funcional nos tenebrosos anos de Jair
Bolsonaro na Presidência.
De volta ao centro dos debates, agora como
deputado relator do projeto, Mendonça Filho fez um bom trabalho na construção
do novo texto, que estabeleceu com o Ministério da Educação um padrão nacional
para a base curricular e a ampliação da carga horária, abrindo espaço para o
incremento da formação técnica.
Os pontos essenciais a serem perseguidos para
que os estudantes tenham autonomia suficiente para se sentirem atraídos pelas
disciplinas do currículo escolhido foram resguardados no projeto. É preciso
compreender que a evasão escolar – que tem no ensino médio sua mais alta taxa,
de 5,9%, de acordo com o censo do MEC de 2023 – não é motivada somente pela
necessidade de os alunos ingressarem prematuramente no mercado de trabalho.
Fosse apenas isso, o País não estaria assistindo ao dramático aumento da geração
“nem-nem”, de jovens que não estudam nem trabalham e que já beiram os 11
milhões, de acordo com dados do IBGE.
Pesa também, e muito, o desinteresse e isso
pode ser explicado pelo alto índice de repetência nessa fase da vida escolar
(3,9%, também de acordo com o MEC) e a falta de identificação com a base
curricular. Dito isso, a instituição de um programa de transferência de renda
como o Pé de Meia, que paga para que o aluno permaneça na escola durante o
ensino médio, não é uma garantia definitiva de frequência escolar, apesar de
seus méritos. Medidas pensadas para tornar os currículos mais convergentes com
os interesses dos estudantes terão, por certo, efeito mais eficaz e perene.
E é sob esse aspecto prioritário que agora o
projeto deve ser examinado pelos senadores. Tão importante quanto a definição
de quantas mil horas são necessárias para o aprendizado desta ou daquela
disciplina – questão pertinente e que já foi exaustivamente pautada nas
discussões técnicas na Câmara – será a adequação às novas normas que pretendem
desengessar a matriz curricular. Após a avaliação pelo Senado, para que as
mudanças possam ser implementadas a partir de 2025 serão necessários ajustes
operacionais, regulamentações estaduais e definição de metas para ampliação de
matrículas. Um trabalho que requer não só técnica, mas também celeridade.
Déficit zero é um propósito
O Estado de S. Paulo
Arrecadação recorde é insuficiente para evitar déficit; União precisa cortar despesas
Diz muito o fato de, apesar da arrecadação
federal recorde de R$ 467,185 bilhões nos dois primeiros meses do ano, o
primeiro relatório bimestral de receitas e despesas de 2024 ter reconhecido um
déficit de R$ 9,3 bilhões para este ano, o equivalente a 0,1% do Produto
Interno Bruto. A coleta excepcional – tanto por ser vultosa quanto atípica – de
impostos e tributos também foi insuficiente para evitar o bloqueio orçamentário
que, como já era esperado, ficou em R$ 2,9 bilhões.
Não significa que o saldo das contas públicas
tenha sido ruim, muito pelo contrário. Como planejado pela equipe econômica, o
bloqueio foi reduzido ao mínimo e o déficit projetado está dentro dos limites
do marco fiscal. A questão é que a máquina arrecadatória do governo girou em
alta rotação em janeiro e fevereiro sob o efeito de novas medidas, em especial
a taxação de investimentos dos super-ricos.
A lei dos fundos exclusivos (alguns
exclusivíssimos, desenhados para um só investidor) e das offshores (aplicações
financeiras mantidas em paraísos fiscais) cortou quase à metade a alíquota para
quem antecipasse o pagamento do Imposto de Renda sobre o estoque de rendimentos
até o fim do ano passado. As parcelas pagas no início deste ano engrossaram a
arrecadação, mas esse efeito não será recorrente no restante do ano.
A conclusão é óbvia e vem sendo
insistentemente repetida em advertências sobre a política fiscal do governo:
não basta apostar apenas na arrecadação; o equilíbrio das contas públicas é
claramente dependente do fechamento das torneiras das despesas. A ampliação de
receitas foi muito forte, como atestam os dados do Ministério da Fazenda. Os R$
186,5 bilhões recolhidos em fevereiro, por exemplo, foram recorde histórico
para o mês desde o início da série histórica, há quase 30 anos.
O esforço para controlar a situação fiscal
precisa passar pelo corte de despesas. E não apenas em medidas de combate aos
desvios de recursos, como ocorreu, também no primeiro bimestre, em consequência
da repressão às fraudes na Previdência Social. Esse cuidado rigoroso com o
dinheiro público é o mínimo esperado da União. Mas é difícil esperar redução de
gastos efetiva de um governo que trata a liberação de recursos como
investimento e, pior, parece incluir nesse conceito também o capital político.
Noves fora, o resultado fiscal deste início
de ano dá fôlego ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em sua campanha quase
quixotesca pelo déficit zero. É bom frisar que o déficit fiscal zero é um
propósito a ser perseguido de fato, não importa o horizonte. É nessa premissa
que as expectativas do governo precisam estar ancoradas para colher frutos pelo
caminho.
Infelizmente, o presidente Lula da Silva já deixou claro que não compartilha dessa lógica. Em fevereiro, quando o salto na receita era tido como certo, saiu-se com mais uma declaração desarrazoada sobre o seu raciocínio. “Você gasta o quanto você arrecada. Se aumentar a arrecadação, a gente tem mais dinheiro para gastar.” Essa é a aritmética do desastre.
Crescimento e responsabilidade
Correio Braziliense
Em maio, como antecipou o Comitê de Política
Monetária (Copom), o alívio no custo do dinheiro será de 0,5 ponto
O Banco Central avisou que vai reduzir o
ritmo de corte da taxa básica de juros (Selic) a partir de junho, muito
provavelmente para 0,25 ponto percentual. Em maio, como antecipou o Comitê de
Política Monetária (Copom), o alívio no custo do dinheiro será de 0,5 ponto. A
Selic está em 10,75% ao ano, bem longe dos 9% projetados para dezembro próximo
pela maioria dos especialistas. A cautela do BC tem a ver com as incertezas
sobre a inflação, que subiu 0,83% em fevereiro, e com o ambiente nada animador
no exterior.
É compreensível a preocupação da autoridade
monetária. Até agora, desde que começou a baixar os juros, tem conseguido
manter as expectativas de inflação entre os agentes econômicos muito próximas
da meta de 3% ao ano sem comprometer o crescimento econômico. Os principais
indicadores apontam que a atividade está caminhando num ritmo acima do estimado
inicialmente, com o mercado de trabalho aquecido e a massa salarial avançando.
Esse quadro benigno ainda não contempla a
totalidade do impacto da queda da taxa Selic, de três pontos percentuais, nas
seis últimas reuniões do Copom. Ou seja, tanto a produção quanto o consumo vão
se beneficiar, mais à frente, do alívio monetário, o que tenderá a dar um novo
fôlego ao Produto Interno Bruto (PIB). É por isso que parte dos analistas
estima crescimento de até 2,6% neste ano, que, se confirmado, será uma vitória
para o governo. No início de 2024, todas as previsões apontavam para um salto
de, no máximo, 1,5%.
Na avaliação do BC, a política monetária mais
restritiva, neste momento, é fundamental para que se mantenha o equilíbrio
entre inflação nas metas e crescimento mais forte da economia. Nada impede que,
mais à frente, se as boas notícias se confirmarem, o Copom volte a acelerar o
passo. Já se antevê para os próximos meses, por exemplo, a queda dos preços dos
alimentos com a entrada da safra de verão. Vale lembrar que, na última semana,
o arroz ficou 14% mais barato no atacado e o feijão teve baixa de 5,4%.
Há outro ponto importante a ser ressaltado e
que está sendo observado com lupa pelo Banco Central e pelos especialistas: o
comportamento das contas públicas. Como janeiro e fevereiro registraram
arrecadação recorde de impostos, devido ao ritmo mais forte da economia, começa
a ficar mais provável o cumprimento da meta fiscal de deficit zero neste ano.
Pelos cálculos do Tesouro Nacional, no primeiro bimestre do ano, houve um rombo
de R$ 9,3 bilhões, o equivalente a 0,1% do PIB.
Mais: um mapeamento feito pelo Bradesco
identificou que, nas últimas semanas, foram anunciados investimentos de quase
R$ 70 bilhões no país, reforçando a volta da confiança no empresariado. Já os
índices que medem a percepção dos consumidores sinalizam que eles estão mais
propensos a satisfazerem as suas necessidades de compras. É tudo o que a
economia precisa para deslanchar.
No exterior, os bancos centrais das
principais economias ainda estão reticentes quanto ao início do processo de
redução dos juros, diante da persistência da inflação. O Federal Reserve (Fed),
o BC norte-americano, já se comprometeu em promover pelo menos três cortes na
taxa básica neste ano, sem indicar o início desse movimento. Mas, tão logo o
afrouxo monetário comece, o Brasil poderá se beneficiar. É questão de paciência
para não se pôr a perder todas as conquistas obtidas até agora.
Os ventos, ainda que fracos, são favoráveis. Portanto, nem o governo nem o Congresso devem desafinar o coro para que a população seja a grande beneficiada em um ambiente econômico mais favorável. Manter os dois pés bem fincados no chão, além de prudência, significa responsabilidade. O Banco Central segue à risca essa cartilha. E não por excesso de conservadorismo, pois ninguém aguenta mais o Brasil convivendo, a todo momento, com solavancos e incertezas. Os que prezam pelo bom senso agradecem.
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