Valor Econômico
Dado que deu origem à investigação é resultado de inúmeros pedidos apresentados à CGU
O indiciamento
do ex-presidente Jair Bolsonaro pela fraude no cartão de vacinação contra a
covid-19 não é o mais grave no conjunto de acusações que pesam
sobre si, mas foi a partir dela que se desenrolou o novelo que desaguou na
presente investigação sobre a tentativa de golpe de Estado.
É emblemático ainda por ter sido provocado
pelo uso da Lei de Acesso à Informação. Não se deu a partir de um
“vazamento” para a imprensa, mas da busca de informações de uma penca de
jornalistas que se valeram de um canal, gerenciado pela Controladoria-Geral da
União, para ter acesso a um dado público.
Os pedidos de LAI chegaram à CGU durante o governo Bolsonaro e foram negados pela Presidência da República com o argumento de que a “intimidade” do titular deveria ser preservada. Não havia intimidade, lembra o atual titular da CGU, Vinícius de Carvalho, em torno de um tema — o rechaço à vacina — sobre o qual o próprio presidente fazia questão de alardear.
Só no fim do governo, Bolsonaro mandou abrir
o sigilo. O indiciamento não deixa claro se isso se deveu ao fato de que o
ex-presidente, àquela época, já havia garantido o passaporte diplomático para
entrar nos Estados Unidos, que o dispensaria do cartão. Pareciam temer, no
entanto, que, face a um eventual pedido de extradição do Brasil ao governo Joe
Biden, Bolsonaro tivesse que viajar para um país para o qual fosse exigido o
comprovante de vacinação.
O que parece inequívoco é que a suposta
associação criminosa para a fraude do cartão e inserção fraudulenta de dados no
Sistema Único de Saúde — objetos do indiciamento — foram perpetradas em meio às
tentativas de reversão do resultado eleitoral e de golpe de Estado.
Foram as tramoias com o cartão de vacinação
que levaram o coronel Mauro Cid à prisão. Preso, Cid decidiu fazer a delação
que levou à Polícia Federal os depoimentos dos ex-comandantes das Forças
Armadas. E foi a partir das revelações desses militares que começou a se
delinear a participação de Bolsonaro na trama golpista.
Quando o ministro Vinícius de Carvalho assumiu
a CGU descobriu o inquérito interno. Seu antecessor havia mandado abrir o
sigilo do cartão de vacinação de Bolsonaro no dia 29 de dezembro. Dois dias
antes, os operadores do esquema de Bolsonaro haviam apagado os dados falsos
inseridos no SUS. Eles foram bem-sucedidos em apagar o registro da suposta
vacina de Duque de Caxias (RJ), mas não com aquela registrada numa unidade de
saúde da Zona Norte de São Paulo.
Às 21h do dia 30 de janeiro, o ex-ministro da
CGU, Wagner Rosário, manda abrir um inquérito na pasta. Foi este inquérito
que caiu nas mãos de Carvalho depois da posse. A apuração seguiu até março,
quando a CGU entregou um relatório à Polícia Federal. Como a PF, ao
quebrar o sigilo telefônico de Mauro Cid, já tinha descoberto que o ex-ajudante
de ordens estava envolvido na fraude do cartão de vacinação de sua mulher e de
suas filhas, as apurações se somaram. Deram na prisão de Cid em maio e no
indiciamento de Bolsonaro nesta terça-feira.
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