Milei precisa saber lidar com limites políticos
Folha de S. Paulo
Reformas liberais são necessárias na
Argentina, mas derrotas no Legislativo mostram que confronto é estratégia
perigosa
Javier Milei completa cem dias à frente do
governo argentino pouco depois de sofrer mais uma derrota legislativa que
mostra seus limites políticos. Foi rejeitado pelo Senado o Decreto de
Necessidade e Urgência (DNU), que declara emergência pública até o fim de 2025
e promove alterações profundas na regulação da economia do país.
A votação por
42 a 25 (quatro abstenções) contra o texto piora a já
conflituosa relação entre o mandatário e o Legislativo. O placar revela
dificuldades mesmo com parlamentares de centro-direita à princípio simpáticos
ao novo governo, que tampouco são poupados pela retórica agressiva de Milei.
Mesmo com a rejeição, o decreto continua em vigor até que os deputados se pronunciem, o que ainda não tem data para ocorrer. Mantidas por ora, as novas regras —que eliminam subsídios à energia, removem congelamentos, cortam despesas públicas, abrem mercados e contêm o poder dos sindicatos— funcionam como pilar ainda frágil da nova política econômica.
Milei já fora obrigado a retirar do
Legislativo a chamada
emenda ônibus, com centenas de artigos, em razão de forte oposição
de governos provinciais. A tentativa agora é negociar um pacto de dez pontos
com os governadores.
Até lá, o ultraliberal depende de que
apareçam resultados positivos de suas medidas. A liberação de preços antes
congelados, a desvalorização do câmbio oficial e o corte dramático de gastos,
necessários, agravaram de imediato a recessão e o aumento da pobreza.
De melhor, houve superávit orçamentário no
primeiro bimestre e notam-se sinais incipientes de menor pressão inflacionária,
embora as taxas sigam exorbitantes. Em 12 meses, são 276,2%; do pico de 25,5%
em dezembro, mediu-se recuo para 13,2% em fevereiro.
Milei conta com alguma sorte também para
recompor reservas em moeda forte com a alta da safra agrícola deste 2024, que
reverte a quebra do ano passado e deve impulsionar exportações. É digno de nota
que o peso vem se fortalecendo nas últimas semanas.
Minoritário no Parlamento, o governo por ora
continua apostando no confronto, na crença de que o mandato popular lhe dá
maior margem de manobra. Trata-se de estratégia obviamente perigosa.
Pesquisa de opinião indica que o eleitorado
argentino está quase exatamente dividido entre a aprovação e a reprovação a
Milei —que tem argumentos poderosos ao apontar o desastre econômico legado pela
administração de esquerda que o precedeu.
Nada disso o exime, porém, de buscar diálogo
e negociação dentro dos limites democráticos. Substituir um populismo por outro
não solucionará o drama argentino.
Mães ainda meninas
Folha de S. Paulo
Com alta taxa de gravidez precoce, devem-se
alocar recursos em educação sexual
Sabe-se que a gravidez na adolescência
aumenta os riscos de complicações de saúde tanto para a gestante quando para o
bebê.
Agora, um amplo estudo realizado no Canadá
aponta que mulheres que tiveram filhos nessa faixa etária têm maior
probabilidade de morrer antes dos 31 anos de idade.
A gestação nessa idade é geralmente
indesejada e eleva a propensão a abandono escolar, depressão, emprego precário
e abuso de drogas lícitas e ilícitas, o que contribui para casos de suicídio ou
estilo de vida mais ariscado.
O Brasil está longe de enfrentar
satisfatoriamente o problema, que atinge sobretudo regiões e estratos mais
pobres.
Segundo levantamento da Unicef, o índice
mundial de filhos nascidos de mães entre 15 e 19 anos de idade em 2022 era de
42 por 1.000 —e de 2 a cada 1.000 entre aquelas de 10 a 14 anos. No Brasil as
taxas são de 43 e 2, respectivamente.
Nossos números são muito superiores aos da
Europa, o que seria de esperar, e também piores do que os de vizinhos como
Chile (19 e 1) e Uruguai (29 e 1).
Aqui, em 2023, 2,4 milhões de jovens entre 14
e 19 anos e 13,3 mil meninas com menos de 14 deram à luz. Nordeste (91.288 e
5.044) e Norte (49.734 e 3.216) têm os números mais altos —contudo a primeira
região tem 26,9% da população do país, e a segunda, só 8,5%.
Os dados mostram a importância de facilitar o
acesso a contraceptivos na rede básica de saúde, mas há mais a fazer.
A educação sexual, exigida para o recebimento
de verbas federais do Programa Saúde na Escola, foi excluída como condicionante
sob Jair Bolsonaro (PL). No ano
passado, ela foi reincorporada, o que levou a reações da ala mais
conservadora do Congresso.
Tanto OMS quanto Unicef preconizam a
disciplina no currículo escolar. Um quinto das brasileiras que engravidam na
adolescência não sabe como
evitar a concepção e volta a fazê-lo antes dos 18 anos.
Governos em todas as esferas precisam
articular ações interdisciplinares, com foco em localidades mais precárias,
para conter essa mazela que afeta a saúde física e mental de crianças e
adolescentes.
Problema do governo não está na comunicação
O Globo
Lula deveria cuidar da epidemia de dengue, da
crise na segurança pública e da paralisia na educação
Na reunião ministerial de segunda-feira, o
presidente Luiz Inácio Lula da
Silva tentou esboçar reação à queda de popularidade. Cobrou de seus ministros
que façam mais, viajem mais pelo Brasil e divulguem mais suas realizações.
Atribuiu as deficiências do governo sobretudo a falhas de comunicação.
É um diagnóstico que ignora o problema real.
Está correta sua percepção de que é preciso fazer bem mais do que foi entregue
em pouco mais de um ano de mandato — e as pesquisas refletem isso. Mas, por
mais que o governo esteja perdendo a disputa estridente nas redes sociais, é um
despropósito atribuir a queda de popularidade a outra coisa senão à avalanche
de problemas que assombram os brasileiros.
É verdade que, na economia, os resultados têm
sido satisfatórios. A inflação está controlada, o desemprego caiu, e a renda
subiu. Mas esses fatores não têm sido suficientes para alavancar a imagem de
Lula. Nem mesmo programas sociais como o Bolsa Família, noutros tempos garantia
de dividendos políticos, têm surtido o mesmo efeito. O povo quer mais.
Não se pode menosprezar a experiência do
cidadão no dia a dia. Na saúde, uma das maiores preocupações da população, o
Brasil enfrenta uma epidemia de dengue que não dá trégua. Em pouco mais de dois
meses, a doença superou o recorde de 2015 e já registra quase 1,9 milhão de
casos. As mortes somam 561 (outras 1.020 estão em investigação). As respostas
do governo têm sido tímidas. Houve demora nas campanhas para combater os focos
do mosquito transmissor da doença e para começar a vacinar os adolescentes.
Outra epidemia que se alastra de forma
impiedosa é a violência. Não se pode fingir que nada acontece. Em diferentes
regiões, brasileiros têm sido expostos a episódios brutais de assassinatos,
roubos, feminicídios, estupros e se sentem desamparados. A principal política
do governo federal tem sido empurrar a responsabilidade aos estados, que,
sozinhos, não têm como combater facções criminosas transnacionais. A fuga do
presídio de Mossoró e a busca inglória aos fugitivos são um triste retrato da
segurança.
Na educação, outra área em que as
expectativas são altas, o desempenho também é sofrível. A reforma do ensino
médio, aprovada em 2017, foi suspensa e continua empacada no Congresso. O MEC
não se esforça para destravá-la. Perde-se tempo em discussões intermináveis, e
nada avança.
Lula teve o mérito de resgatar a democracia
brasileira do abismo em que fora lançada por Bolsonaro. Mas o contraste com o
passado vai esmaecendo com o tempo, e resta o presente. No terceiro mandato,
ele tem reciclado programas dos anteriores em vez de dar respostas condizentes
com os anseios atuais do Brasil. Preocupa-se mais com aparições internacionais
e uma guerra a milhares de quilômetros de distância do que com desejos e
carências concretos da população.
Melhorar a comunicação não esvaziará postos
de saúde e hospitais abarrotados com doentes infectados pela dengue sem
atendimento adequado. Nem impedirá que famílias chorem os mortos na guerra
diária da violência. Ou evitará que estudantes fracassem em exames e na
carreira devido à péssima qualidade do ensino. Lula está certo ao dizer que o
governo precisa fazer mais. Mas não se trata de problema de comunicação. O que
o governo precisa é trabalhar mais — e trabalhar direito.
Milei chega a 100 dias de governo com apoio
popular e desafios no Congresso
O Globo
Negociação no Parlamento é crucial para o
êxito da terapia de choque capaz de reerguer a Argentina
Javier Milei completou
cem dias à frente do governo argentino mantendo intacto o apoio popular que o
levou à Presidência: 56,3% da população avalia sua imagem como positiva ou
regular, pouco mais que sua votação na eleição (55,6%). Contrariando quem
previa rápida perda de popularidade, Milei tem o apoio das ruas, apesar das
medidas duras tomadas desde a posse.
Tendo herdado uma situação econômica caótica,
ele trouxe certa esperança ao país. A inflação, que foi de 26% em dezembro, vem
desacelerando. O Ministério da Economia refinanciou 77% dos títulos de dívida
com vencimento neste ano. A taxa de juros caiu 20 pontos percentuais. Os pesos
em circulação têm encolhido 17% ao mês, sinal de que o governo parou de
imprimir dinheiro para financiar gastos. As contas públicas registraram em
janeiro o melhor resultado em 12 anos.
Repetidos governos populistas levaram a
Argentina à beira do abismo, com inflação descontrolada, reservas cambiais
exauridas, falta de crédito, uma crise atrás da outra. Com sua agenda
ultraliberal, Milei chegou ao poder prometendo salvar a economia. Seu bordão: o
governo não tem dinheiro (no hay plata). Cortou subsídios, desvalorizou o peso,
acabou com o controle de preços, baixou decretos e mandou reformas ao Congresso
para liberalizar a economia. Para um paciente em estado grave, a receita foi de
choque.
Um resultado imediato da estratégia foi o
aumento agudo na pobreza. Um estudo da Universidade Católica Argentina estimou
os pobres em 57,4% da população (eram 49,5% em dezembro). A venda nas farmácias
caiu 45,8% em janeiro na comparação com o mesmo mês em 2023. Os preços de
planos de saúde privados subiram entre 120% e 150% de dezembro a janeiro, mais
25% em fevereiro. Como os salários não acompanharam a escalada, muitas famílias
pararam de pagar.
Por enquanto, Milei tem conseguido convencer
a maioria de que esse é o único caminho possível para salvar a economia. Ele
não terá todo o tempo do mundo até ser cobrado com mais afinco. Politicamente,
carece de base de apoio no Congresso para aprovar seus projetos. Na semana
passada, o Senado rejeitou um pacote com mais de 300 medidas para
desregulamentar a economia. As medidas seguem válidas até a Câmara votar, mas é
difícil que sobrevivam. Sua outra iniciativa legislativa, um conjunto
abrangente de mudanças reunidas numa “Lei Ônibus”, foi rejeitada. O governo
teve de voltar à mesa de negociação no varejo.
A resposta de Milei à falta de apoio parlamentar será determinante para o futuro de seu governo e da Argentina. Seu plano agora é firmar um pacto com os governadores, influentes no Congresso. Para que tenha sucesso, precisará ceder em vários pontos da agenda. E será obrigado a negociar com aqueles que qualifica como “a casta”: políticos, empresários e sindicalistas que, na sua visão, impedem mudanças. Se demorar a encontrar saída política, a oportunidade de avanços terá sido desperdiçada. Se, ao contrário, obtiver sucesso, seu governo poderá lograr a proeza de reerguer a Argentina.
É preciso esforço maior para a produtividade
crescer
Valor Econômico
É vital melhorar a educação e aumentar a taxa de investimentos
Além de ter empurrado o PIB para cima,
deve-se à agropecuária outro feito: a produtividade do trabalho cresceu em
2023, após dois anos de queda. A formalização no mercado de trabalho e o
aumento da ocupação dos mais escolarizados também ajudaram, segundo o
Observatório da Produtividade Regis Bonelli, do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
O FGV Ibre calculou que a produtividade por
hora efetivamente trabalhada aumentou 1,9% no ano passado. Em 2022, caiu 4,4%
e, em 2021, recuou 8,1%. Em 2020, primeiro ano da pandemia, houve um ganho
atípico de 12,7%, causado pela saída do mercado dos trabalhadores de mais baixa
produtividade, sobretudo os informais e aqueles com menor escolaridade,
especialmente do setor de serviços, em consequência do afastamento social.
Excluída a variação excepcional, foi a primeira alta da produtividade desde o
aumento de 0,5% de 2018.
A produtividade total dos fatores (PTF),
outra medida que reflete a eficiência com que capital e trabalho se transformam
em produção, também subiu em 2023, 0,7%. O indicador apresentou aumento pela
primeira vez desde 2017, com exceção também do efeito atípico da pandemia.
A reação do ano passado foi comandada pela
agropecuária, cuja produtividade saltou 21,1%, enquanto a da indústria aumentou
bem menos, 2%, mas sem deixar de surpreender. Já a dos serviços cresceu apenas
0,1%. A produtividade da agropecuária vem apresentando crescimento ao longo dos
anos, embora seu comportamento seja volátil e siga o resultado das safras.
No Relatório Trimestral de Inflação divulgado
em dezembro, o Banco Central reconheceu que a agropecuária foi o setor que mais
contribuiu para o aumento da produtividade, avaliando que as inovações
tecnológicas fizeram com que o setor liberasse mão de obra para outros
segmentos da economia. Segundo o relatório, de 2000 a 2022, a ocupação cresceu
em todas as atividades, com exceção da agropecuária, onde recuou à taxa média
de 1,2% ao ano.
Os autores do estudo do BC também observam
que a produtividade do trabalho cresceu a 0,5% ao ano no mesmo período,
mostrando expansão em seis de 12 atividades econômicas analisadas. A
agropecuária se destaca em crescimento da produtividade, com avanço expressivo
de 4,4% ao ano, apesar de sua baixa participação no valor adicionado bruto da
economia. Sua contribuição oscila de 5% a 6% do PIB, de acordo com o IBGE.
Para Fernando Veloso, coordenador do
observatório Regis Bonelli, o aumento da produtividade agregada em 2023 pode
ter sido um pouco mais disseminado. Excluindo a agropecuária, os pesquisadores
do FGV Ibre observaram, por exemplo, que os segmentos mais produtivos foram os
que apresentaram maior expansão do valor adicionado, como a indústria extrativa
mineral, que cresceu 8,7%, a intermediação financeira, com 6,6%, e os serviços
de utilidade pública. Serviços como um todo compõem 67,4% do valor adicionado.
O comportamento do mercado de trabalho teve
peso, segundo Veloso. Em janeiro de 2023, as ocupações formais, que têm maior
produtividade, estavam 9,7% acima do período pré-pandemia, enquanto as
informais estavam só 1% acima, na série com ajuste sazonal. Além disso, foi a
mão de obra mais escolarizada que teve mais sucesso em se colocar no mercado de
trabalho, influenciando a melhoria.
Como a agropecuária deve crescer bem menos
neste ano, sua contribuição para a produtividade deve diminuir. A previsão de
aumento do PIB inferior aos 2,9% de 2023 igualmente não ajuda, uma vez que
outros setores também serão afetados. Uma desaceleração da economia prejudica
segmentos importantes em outros setores.
Para impulsionar a produtividade de modo
abrangente, não se deve depender apenas de um setor, como ocorreu com a
agropecuária, que, por exemplo, é vulnerável às mudanças climáticas. Para o FGV
Ibre, sem promover a produtividade do setor de serviços, que concentra cerca de
70% das horas trabalhadas, vai ser muito difícil ter ganhos sustentados. Outro
fator que torna ainda mais premente uma atuação proativa é o fim do bônus
demográfico. O aumento da produtividade ajuda a compensar a redução da oferta
da mão de obra jovem em relação à que deixa o mercado de trabalho.
Um dos pontos-chave é melhorar a educação. O Brasil registra notas baixas nos testes internacionais como o Pisa, e também apresenta número elevado de evasão escolar. Dados da Pnad Contínua mostram que mais de 9 milhões de jovens não concluíram o ensino básico - 20% da população entre 15 e 29 anos. É preciso reformular o ensino de modo a atender as necessidades e interesses desses jovens. Levantamento encomendado pelo Itaú Educação e Trabalho e Fundação Roberto Marinho mostrou que 73% dos jovens de 15 a 29 anos que não terminaram o ciclo básico gostariam de completar os estudos; e, desse total, quase oito em cada dez (77%) gostariam de fazer o ensino médio técnico. Igualmente importante é incentivar o investimento. A taxa foi de 16,5% do PIB, abaixo da registrada em 2022.
Contingenciamento sem malabarismos
O Estado de S. Paulo
Cumprimento da meta fiscal exigirá mais que
interpretações criativas da lei
Um parecer da área técnica do Tribunal de
Contas da União (TCU) deixou claras as inconsistências da tese que o governo
pretende emplacar sobre o tamanho do contingenciamento de despesas do
Orçamento. Elaborado em resposta a uma consulta feita pelo Ministério do
Planejamento à Corte de contas, o relatório mostra que a proposta de impor
limites ao bloqueio de gastos, incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) deste ano, não apenas não tem respaldo legal, como também é uma infração
passível de punição dos gestores envolvidos e que, no limite, pode configurar
crime de responsabilidade.
O parecer não é impositivo, ou seja, não
necessariamente será acatado pelo relator da proposta, ministro Jhonatan de
Jesus. E o presidente do tribunal, Bruno Dantas, enfatizou que a competência
constitucional para decidir sobre o caso é do plenário. Mas a fundamentação
dada pela área técnica não abre espaço para dúvidas sobre o posicionamento que
o TCU deveria assumir – a não ser que a decisão da Corte de contas sobre o caso
tenha caráter eminentemente político.
Como se sabe, os contingenciamentos foram
instituídos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), uma lei complementar, e
são o principal instrumento a que o Executivo pode recorrer caso haja uma
frustração de receitas que incorra em risco de descumprimento da meta fiscal.
Não são, nem nunca foram, opcionais, tampouco podem ser limitados ou eliminados
por uma lei ordinária, como é o caso da LDO. Para os técnicos, portanto, a
interpretação que o governo tenta emplacar via LDO “abala a harmonia do sistema
normativo que rege as finanças públicas e não é a melhor solução para o caso”.
Os servidores do TCU não estão sozinhos nessa
avaliação. Nota técnica elaborada pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização
Financeira da Câmara seguiu a mesma linha. O limite ao contingenciamento
proposto pela LDO, supostamente baseado em dispositivos do arcabouço fiscal
proposto pelo próprio governo Lula, “subverte a lógica” do próprio arcabouço e
“extrapola o espaço interpretativo concedido pelo texto legal”.
O governo tampouco pode se dizer surpreso.
Chamados a opinar sobre o dispositivo da LDO que permitia um bloqueio menor,
servidores do Tesouro Nacional recomendaram que ele fosse vetado. Foram, no
entanto, ignorados pelo secretário Rogério Ceron, que preferiu seguir o
entendimento defendido pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), autoras intelectuais da tese do
contingenciamento menor incluída na LDO.
É bom lembrar que a AGU e a PGFN tiraram tal
solução da cartola quando o presidente Lula, preocupado em garantir a execução
de emendas e investimentos em um ano eleitoral, passou a relativizar a
importância de cumprir a meta fiscal. De fato, a tese da AGU e da PGFN nunca
parou em pé, mas pode ter dado algum tempo para que o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, tentasse persuadir o presidente sobre a importância da
responsabilidade fiscal para a construção da credibilidade de seu governo.
Não se sabe até que ponto o presidente foi
realmente convencido, mas Lula da Silva admitiu, na reunião ministerial da
última segunda-feira, que cortes orçamentários às vezes são necessários.
Livrou, inclusive, o ministro da Fazenda e a ministra do Planejamento, Simone
Tebet, da responsabilidade pelos bloqueios.
A arrecadação da União foi recorde em
janeiro, e tudo indica que as receitas em fevereiro serão fortes o suficiente
para adiar o anúncio de um contingenciamento neste mês. O problema de fundo, no
entanto, permanece e voltará a pautar os debates muito em breve. Se há dúvidas
sobre se o vigor da arrecadação será mantido durante o ano todo, há indícios de
que as despesas obrigatórias foram subestimadas e estão crescendo acima do
esperado, o que pode comprimir o reduzido espaço dos gastos discricionários que
o governo tenta proteger da tesourada.
Fato é que cumprir o limite de despesas e a
meta fiscal exigirá revisão de gastos e reformas estruturais, bem mais que
malabarismos criativos como o que o governo submeteu ao TCU.
A fritura da ministra da Saúde
O Estado de S. Paulo
Pressão pela demissão de Nísia Trindade diz
muito mais sobre as suspeitíssimas intenções de seus detratores do que sobre
sua competência científica e administrativa para estar onde está
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, está sob
ataque. Alvo de cobiça pelo volume de recursos que administra (um orçamento de
cerca de R$ 220 bilhões apenas para este ano), o cargo de Nísia fez crescer os
olhos do Centrão – sempre voraz, mas ainda mais em ano eleitoral – e de alas do
próprio PT, partido do presidente Lula da Silva, especialmente do diretório do
Rio, Estado de origem da ministra.
Em que pesem algumas justas críticas que
possam ser feitas à gestão de Nísia à frente da Saúde, a ministra tem sido
atacada por motivos que dizem muito mais sobre as intenções suspeitíssimas de
seus detratores do que sobre sua competência científica e administrativa para
estar onde está.
Que fique claro: é de muito dinheiro e poder
de influenciar Lula que se está falando. Nem os incuráveis adictos por emendas
do Centrão nem tampouco os petistas fluminenses, entre outros, estão
interessados, minimamente que seja, em fazer mais e melhor do que Nísia tem
feito no Ministério da Saúde.
Se a pasta, hoje, ainda claudica em algumas
de suas frentes de atuação, é de justiça reconhecer que, quando chegou a
Brasília, a ministra encontrou terra arrasada. A razia promovida pelo governo
de Jair Bolsonaro na área da saúde não encontra paralelo em nenhuma outra da
administração pública federal – talvez só na seara ambiental os bolsonaristas
tenham feito estrago semelhante.
Em meio a essa faina de reconstrução, Nísia
tem encontrado resistências de onde menos deveriam partir. Lula pode dizer
quantas vezes quiser que “confia” na ministra e que ela “será mantida” no
cargo, pois só ele tem a prerrogativa de nomear e demitir ministros – de resto,
uma obviedade. Mas suas atitudes não se coadunam com essa confiança. Mais bem
dito: Nísia não parece contar com o apoio irrestrito do presidente da República
para levar adiante um esforço de moralização do Ministério da Saúde, como ficou
claro pela irritação do chefe ao se dirigir a ela, à beira do desrespeito,
durante a reunião ministerial realizada há poucos dias.
Como tem sido noticiado, a ministra estaria
sofrendo fortes pressões políticas porque não daria vazão à liberação de
emendas parlamentares na velocidade exigida pelos glutões da República. Outras
críticas pesadas sobre Nísia vieram de Lula, ninguém menos, após a TV Globo
exibir uma reportagem sobre o estado de calamidade em que se encontram os seis
hospitais federais no Rio. É curioso que essas pressões tenham aumentado no
exato momento em que a ministra, ora vejam, decidiu mexer justo nesse vespeiro.
Até a estátua de Drummond na orla de
Copacabana sabe que, ao longo dos anos, a rede de hospitais federais no Rio foi
tomada como uma mina de ouro por uma bandidagem multifacetada. Numa espécie de
rodízio, quadrilhas ora formadas por políticos locais, ora por milicianos ou
traficantes, quando não por consórcios entre dois ou mais desses grupos, têm
saqueado o erário por meio de licitações fraudulentas, superfaturamento de
insumos médicohospitalares e realização de procedimentos fantasmas, entre
outros malfeitos. Tudo, claro, à custa do bem-estar físico e emocional da
população que mais carece de serviços públicos de saúde.
Recentemente, a ministra editou uma portaria
que aumentava os poderes do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH),
responsável pela administração dos hospitais federais – sobretudo o poder de
gerir as compras estatais, talvez o maior sorvedouro de dinheiro público dessa
rede. O então chefe do DGH, Alexandre Telles, médico da confiança de Nísia, foi
exonerado pela ministra no dia 18 passado. Em seu lugar assumiu um quadro do PT
fluminense, a ex-deputada Cida Diogo.
São péssimos sinais que Lula dá à sociedade.
Nísia, como qualquer outro membro do primeiro escalão do governo, à exceção de
Geraldo Alckmin, pode ser demitida a qualquer momento. Porém, pelo que se sabe
até agora, essa demissão, caso ocorra, terá sido pela razão errada: a
capitulação do governo às chantagens do Centrão, no melhor cenário, ou às
pressões do crime organizado, no pior.
SP refém da incompetência
O Estado de S. Paulo
No jogo de empurra sobre a responsabilidade
pelos apagões, sobra tudo para os cidadãos
Cinco bairros centrais de São Paulo, a maior
metrópole da América Latina, sofreram apagão por mais de seis horas no último
dia 18. Na Vila Buarque, uma das vizinhanças afetadas, a energia elétrica
demorou mais de 24 horas para ser retomada. Foi um dia perdido. A recorrente
interrupção de fornecimento essencial de eletricidade a moradores, empresas,
escolas, hospitais e clínicas faz dos paulistanos os reféns do monopólio da
Enel, a empresa responsável pela distribuição de energia elétrica na cidade.
Igualmente são reféns da negligência do Poder Público na fiscalização da
qualidade do serviço prestado.
Este não foi o primeiro blecaute vivido pelos
cidadãos de São Paulo, e provavelmente não será o último. Apagões localizados
na capital paulista antecederam e sucederam ao que deixou mais de 1,4 milhão de
endereços sem luz por dias a fio em novembro passado, atribuído a uma tormenta
de magnitude excepcional. Acidentes e incidentes, por certo, ocorrem.
Entretanto, não cabe ao consumidor, sujeito ao corte sumário de energia em caso
de inadimplência, ser obrigado a precaver-se com velas, nobreaks e geradores. É
seu direito receber da concessionária a eletricidade nos parâmetros contratados
– ainda mais quando, ao contrário do que ocorre no setor de telefonia, ele não
pode recorrer aos serviços de uma empresa concorrente.
O mais recente apagão em São Paulo indica que
o plano de contingência da Enel para enfrentar falhas na distribuição de
energia não vale o preço do papel em que foi impresso. A empresa pode até ter
corrido para estancar a causa técnica do blecaute e oferecido gerador a um dos
hospitais da região atingida, como mencionou em nota. Mas, novamente, deixou
clara sua incapacidade de minimizar os efeitos da crise e de prover soluções e
informações críveis aos atingidos.
A Enel tentou dividir com a Sabesp a
responsabilidade pelo último blecaute. A estatal paulista provedora de água e
saneamento, por sua vez, refutou a acusação de que uma de suas obras atingiu a
rede de fiação elétrica subterrânea. Nessa guerra de versões, o Ministério de
Minas e Energia (MME) determinou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
uma apuração “célere e rígida dos fatos” e também exigiu a “responsabilização e
punição rigorosa da concessionária, que tem de forma reiterada apresentado problemas
na qualidade da prestação de serviços”.
Embora já tenha apontado a Enel como culpada, o governo federal não pode se eximir de responsabilidade. Sua imprudente lógica de enfraquecer e politizar as agências reguladoras, como a Aneel, tem resultado em ineficiência na fiscalização dos serviços públicos prestados e na punição de concessionárias pelo desrespeito de regras contratuais. Nesse jogo de empurra, o problema todo sobra para o paulistano, que, seja qual for a condição meteorológica ou metafísica, não sabe se amanhã terá luz – uma necessidade básica.
O que está em jogo no caso Robinho
Correio Braziliense
O ex-atacante foi julgado e condenado à
revelia pela Justiça italiana por abuso sexual de uma jovem albanesa de 23
anos, em janeiro de 2013, durante uma balada em uma casa noturna na cidade de
Milão
Está marcado para hoje, no Superior Tribunal
de Justiça (STJ), o julgamento do pedido de homologação da sentença da Itália
que condenou Robinho a nove anos de prisão por estupro coletivo. O ex-atacante
foi julgado e condenado à revelia pela Justiça italiana por abuso sexual de uma
jovem albanesa de 23 anos, em janeiro de 2013, durante uma balada em uma casa
noturna na cidade de Milão.
A Corte Especial do STJ vai analisar o
procedimento que valida uma decisão estrangeira e permite que ela seja
executada no Brasil. Não está em avaliação a acusação contra Robinho, ou seja,
o tribunal não vai revisitar o caso, estudando fatos e provas. O colegiado
conta com os 15 ministros mais antigos, num total de 33 magistrados. Para que a
sentença seja validada, é preciso a maioria dos votos.
A conclusão será histórica, já que é a
primeira vez que a Corte irá se posicionar sobre a possibilidade de um
brasileiro cumprir no país pena imposta no exterior. Não por acaso, a sessão
será transmitida ao vivo pelo canal do STJ no YouTube, a partir das 14h. Além
do ineditismo em relação às questões jurídicas e de relações internacionais que
o caso levanta, a gravidade da acusação e os desdobramentos desde que foi
apresentada merecem uma profunda reflexão.
Recentemente, a condenação de Daniel Alves,
outro jogador acusado de violência sexual, acrescenta uma dose a mais de
complexidade ao que está sendo julgado a respeito de Robinho. O lateral-direito
teve determinada uma pena de quatro anos e meio pelo estupro de uma mulher no
banheiro de uma casa noturna em Barcelona, no fim de 2022.
Ambos os ex-jogadores da Seleção Brasileira
negam as acusações. E os pontos em comum não param por aí. Os fatos denunciados
ocorreram em boates, com os acusados cercados de "amigos" dispostos a
curtir a noitada regada a bebida alcoólica — Daniel Alves, inclusive, alegou em
depoimento uso excessivo de álcool na noite do evento. Ontem, a defesa do
lateral solicitou ao Tribunal de Justiça da Espanha a liberdade provisória até
que se esgotem os recursos. A previsão é de que a decisão seja informada nos
próximos dias.
Nada pesa contra o direito à diversão. Mas
até onde a sensação de estarem protegidos sob as benesses da fama mundial, dos
muitos milhões e dos mimos que vêm com o sucesso dentro dos gramados pode
levar? Talento e mérito profissional, Robinho e Daniel Alves sempre tiveram.
Sobre isso não pairam dúvidas. Como também não é questionável que a lei deve
ser aplicada para todos. Isso inclui o mundo do futebol milionário, não raro
cercado de excessos.
Na Argentina, quatro jogadores do Vélez
Sarsfield tiveram as prisões decretadas, na segunda-feira. Eles são acusados de
abuso sexual por uma estudante de jornalismo de 24 anos. A violência teria
acontecido em um hotel, onde o time estava concentrado para uma partida pela
Copa da Liga Argentina. A denúncia será julgada.
No Brasil, o próprio STJ já definiu, em
decisão unânime, que o crime de estupro é hediondo, ou seja, os condenados
estão sujeitos a cumprir a pena na forma mais severa. Na Itália, Robinho foi
julgado e considerado culpado. Segundo a acusação, o ex-atleta e outros cinco
homens teriam violentado a mulher albanesa. Em 2022, a decisão se tornou
definitiva — sem a possibilidade de novos recursos.
Robinho estava em território italiano quando
as investigações começaram, mas no Brasil quando o julgamento terminou. Como
não há extradição de brasileiro nato, ele não foi preso. Agora, a Corte
Especial do STJ avalia se a prisão pode ser cumprida no Brasil.
Em novembro de 2023, o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública divulgou números sobre o aumento da violência contra mulheres
e meninas no primeiro semestre do mesmo ano. Os casos de estupro e estupro de
vulnerável tiveram um crescimento de 14,9% em relação ao mesmo período de 2022.
Foram 34 mil ocorrências, o que significa que a cada oito minutos uma menina ou
mulher foi estuprada entre janeiro e junho de 2023 no Brasil, o maior registro
da série histórica iniciada em 2019.
Dar credibilidade aos relatos das vítimas, buscar os fatos e as provas e levar até a Justiça, respeitando totalmente o direito de defesa, são passos de um caminho que precisa ser encarado no sentido de abolir essa realidade cruel. Aos julgados culpados pelos tribunais — independentemente de qualquer condição social —, o cumprimento das penas é o que se espera.
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