quarta-feira, 20 de março de 2024

Vera Magalhães - Nísia fica, mas até quando?

O Globo

Lula resiste a pressões e mantém ministra, mas desgaste evidencia dificuldades na gestão e inabilidade na política

O presidente Lula resolveu bancar a permanência no posto da ministra da Saúde, Nísia Trindade. Resiste, assim, à maior pressão já feita pela cabeça de um titular do primeiro escalão do atual mandato — e não localizada apenas no Centrão, mas disseminada por todas as siglas da base aliada, com apoiadores também na classe médica.

A avaliação do Planalto é que ceder ao clamor pela substituição da ministra em meio à crise sanitária do recorde de casos e óbitos de dengue seria não uma concessão, mas uma “rendição” ao Congresso, que pretende comandar a área que abarca a maior quantidade de recursos do Orçamento.

Descrita pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, como “um luxo para o Brasil”, Nísia tem um currículo que justifica o aposto. Cientista social e professora universitária, foi à frente da Fundação Oswaldo Cruz de 2017 a 2022 que ela se tornou um símbolo em defesa da ciência durante a pandemia de Covid-19. Foi essa condição que a credenciou para assumir o ministério, numa clara determinação de Lula de marcar com nitidez a diferença na condução que daria à pasta, sobretudo ao Programa Nacional de Imunizações, em relação ao negacionismo de Jair Bolsonaro.

Mas o teste da gestão tem se mostrado mais complexo para ela. A pasta tropeçou na gestão da crise de dengue, a ponto de a decisão de aplicar a vacina pelo SUS se tornar um problema, em vez de um sinal de mudança dos ventos. Custou até que houvesse um esquema de crise, e o resultado é que a adesão à vacinação, mesmo com aplicação para um público restrito, foi baixíssima. Depois da demora no início da vacinação, agora existe o risco de doses vencerem por falta de procura das faixas-alvos.

Os políticos são implacáveis: se fosse no governo Bolsonaro, o que a comunidade científica e médica e a imprensa estariam falando? O próprio Lula se referiu à epidemia de dengue como ponto negativo na última reunião ministerial.

Na relação com o Congresso, sobram acusações de falta de transparência na destinação de recursos da Saúde para municípios. A presidência da Câmara enviou ao ministério um ofício cobrando a elucidação de critérios de distribuição de verbas, e a resposta foi considerada vaga. Lideranças de diversos partidos articulam nos bastidores, como último recurso caso Lula resolva mesmo bancar a permanência da ministra, aprovar sua convocação para depor não numa comissão, mas no plenário da Casa.

A avaliação é que Nísia “não resistiria” à artilharia num tipo de audiência que, para ficar num exemplo clássico, custou a cabeça de Cid Gomes no Ministério da Educação quando entrou em rota de colisão com Eduardo Cunha no governo Dilma Rousseff.

No Palácio, essas ameaças são vistas como tiro no pé. Embora o próprio Lula tenha reparos à atuação da equipe da ministra e a tenha chamado para uma “parte 2” da reunião a fim de apertar alguns parafusos, não pretende capitular diante de uma onda de ataques considerada covarde, com contornos machistas e misóginos.

O Ministério da Saúde é uma estrutura complexa, pesada, que exige uma sofisticada combinação de expertise técnica e inteligência política. Nísia Trindade, uma cientista respeitada e gestora séria, patinou mais que o recomendável diante da necessidade de remontar uma pasta que teve, no curso da maior emergência sanitária do Brasil no século, nomes ineptos como o general Pazuello entre seus comandantes.

Tendo em vista o volume de recursos orçamentários envolvidos num ano curto, marcado pela campanha antecipada pelo comando da Câmara e do Senado e por eleições municipais encarniçadas, hesitação e falta de traquejo político podem ser fatais. Ela fica, por ora, mas não se sabe até quando, nem em que condições.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Talvez ela seja uma grande cientista sem aptidão política,nem defeito é,só está no lugar errado.

Daniel disse...

Excelente análise da colunista!