Folha de S. Paulo
Cinquentenário da Revolução dos Cravos deve
ser recordado não só para homenagear os heróis, mas também para lembrar às
novas gerações que a liberdade não é um valor adquirido
Há 50 anos, no dia 25 de abril de 1974, as ruas de Portugal encheram-se de gente, numa manifestação espontânea de júbilo. Na véspera, o movimento das Forças Armadas pôs em prática um golpe que vinha sendo planeado ao segundo. Os convidados não foram chamados, como nos nossos dias, por uma rede social, mas antes por uma canção transmitida pela plataforma mais popular na altura, a rádio!
Rompendo o silêncio da noite, ouviu-se "E depois do adeus", de Paulo de Carvalho. Porque "Grândola Vila Morena", de Zeca Afonso, era demasiado explícita. E depois do adeus foi a senha para que todas as forças envolvidas dessem início à festa!
Essa festa, a que se chamou a "Revolução
dos Cravos", começou na noite de 24 de abril e só terminou a altas
horas da madrugada do dia 25. Nascia "esta madrugada por que eu esperava,
o dia inicial inteiro e limpo", como escreveu, inspirada, Sophia de Mello
Breyner.
Políticos, artistas, cantores, poetas,
jornalistas quebraram o lápis azul da censura e pintaram de todas as cores as
suas artes. Deste lado do oceano, Chico Buarque foi
um deles. Sebastião Salgado sabia que se estavam a viver dias únicos, e com a
sua câmara registrou os militares que, de arma em punho, não dispararam um
único tiro e conseguiram derrubar uma ditadura
de 48 anos, a mais longeva da Europa.
Nesse dia os disparos que mais se ouviram
foram os das câmeras fotográficas. Os fuzis serviram de suporte para todos os
cravos distribuídos pelas floristas! E o vermelho que mais se viu foi mesmo o
dos cravos.
Esta data deve ser recordada não só para
homenagear os heróis, mas também para lembrar às novas gerações que a liberdade
não é um valor adquirido.
Quem tenha nascido em Portugal após 1974, ou
no Brasil após 1985, nunca soube o que era viver privado de um dos bens mais
preciosos: a liberdade. Os nossos países, que partilham tanto, partilham
também, neste ano de comemoração e júbilo para nós, os ventos
da democracia.
Em 50 anos o mundo mudou. Quem diria que se
estariam a viver os conflitos na Europa, no Médio Oriente e em África. Há
movimentos extremistas em países tradicionalmente moderados.
Ao mesmo tempo, nunca tanta gente teve acesso
a tanta informação. Somos informados pela total liberdade de expressão! Já não
há lápis azuis da censura.
É por isso que é tão importante lembrar que,
não há muito tempo, não se podia dar voz às vozes livres, e só se respirava o
ar rarefeito da denúncia e da ditadura.
É necessário "pensar o passado para
compreender o presente e idealizar o futuro", como escreveu o historiador
grego Heródoto.
A democracia
e a liberdade devem ser cantadas e não caladas. Que a canção não
precise de voltar a ser uma arma e que os únicos disparos que se oiçam agora
sejam os dos nossos celulares para registrar momentos felizes.
Viva o 25 de Abril! Sempre!
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