O Estado de S. Paulo
Tanto se fala nos gastos obrigatórios com saúde e educação, mas é no buraco negro das relações com o Congresso que está o grande elemento de instabilidade
No início deste mês, era perceptível um clima
de otimismo na economia. Expectativa de queda nos juros, inflação sob controle,
emprego em crescimento, oportunidades de negócio em alta. E o mais importante,
diversos anúncios de investimento divulgados por grandes empresas, de vários
segmentos. Além disso, a receita da União vai conseguindo expressivos ganhos
reais.
A realidade hoje é outra, bem diferente. A reversão parece ter começado nas desventuras governamentais na gestão da Petrobras, que quase produziram a queda do seu atual presidente. Na sequência, a proposta do Ministério da Fazenda de mudar a meta para as contas públicas, para 2025, de superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para zero, gerou grande descrédito sobre o novo arcabouço fiscal. Além disso, o crédito suplementar de R$ 15 bilhões para novos gastos, no Orçamento da União de 2024, soou como um passamoleque no arcabouço fiscal, articulado entre o Executivo federal e o Congresso Nacional.
A reação do mercado financeiro foi de
descrédito com a condução da política fiscal. O presidente do Banco Central
apressou-se em afirmar que vacilos na política fiscal poderiam exigir mais da
política monetária. Como resultado, a queda da taxa Selic a um dígito, menos
que 10% ao ano, já enfrenta sérias dúvidas.
É um pouco estranho que uma piora tão grande
nas expectativas seja explicada por uma mudança limitada nas metas fiscais.
Então, temos de inserir o componente externo em nosso quebra-cabeças. O mundo
está em conflito e isso atrapalha muito, por agudizar os temores de um
confronto em larga escala que impacte o preço do petróleo. Vale notar que esse
preço é tão essencial na economia brasileira que um aumento de 10% ampliaria o
IPCA mensal em algo como 0,49%.
Os problemas externos não param por aí. O
Federal Reserve (FED), que é o banco central dos Estados Unidos, tem sinalizado
que o aquecimento da economia deve frear a trajetória de queda da taxa de juros
básica da economia norte-americana. Os impactos sobre países emergentes são
imediatos, dado que a taxa de juro alta torna os mercados especulativos muito
mais inseguros para fundos e aplicadores. A saída de investimentos estrangeiros
de US$ 30 bilhões da bolsa brasileira espelha este movimento externo, com uma
pitada das dúvidas sobre a política econômica atual.
Diversos elementos deste contexto financeiro
inserem questionamentos e inseguranças sobre a nossa economia. Juro americano
em patamar elevado leva a uma fragilização das cotações das commodities, dado
que todos os mercados de renda variável tendem a perder aplicadores. Isso afeta
sobremaneira o Brasil, especialmente em produtos como a soja e o minério de
ferro. Saída de capitais e perspectiva de redução de entradas de dólares por
essa via representam tensão sobre a paridade cambial. O movimento de desvalorização
do real deste mês tem esses aspectos bem concretos em sua explicação sob a
ótica financeira.
Todas essas questões são relevantes, mas
convenhamos que não têm poder para causar uma mudança de humores tão grande e
repentina como a ocorrida. Indo mais a fundo na análise, é crucial notar que
temos uma deterioração do cenário político em franco desenvolvimento.
O descompasso entre o Executivo e o
Legislativo é evidente, para não falar dos destemperos com o Judiciário. As
famigeradas pautas-bomba voltaram ao noticiário como elementos que podem
dinamitar a capacidade do governo de gerir as contas públicas. As dificuldades
no campo da elevação de receitas também são imensas. Seja porque os impactos da
pandemia nos setores econômicos ainda se mostrem no balanço das empresas – vide
setores aéreo, de turismo e de eventos –, seja porque questões como a
desoneração da folha são muito mais profundas e complexas do que aparentam.
O orçamento secreto deu a senha para uma
intervenção de grande magnitude nos gastos governamentais. O crescimento, ano a
ano, do volume das emendas de parlamentar e a emergência de uma obrigatoriedade
de execução, o caráter impositivo, deixam transparecer uma grande dificuldade
do Executivo em manejar o Orçamento. Em verdade, tanto se fala nos gastos
obrigatórios com saúde e educação, mas é aí, no buraco negro das relações com o
Congresso, que está o grande elemento de instabilidade.
Mas não é só na despesa que reside o
problema. O ativismo do Congresso em matéria tributária gerou uma espécie de
fragmentação na condução da política fiscal. O governo federal, hoje, perdeu
parte da iniciativa em matéria tributária para o Congresso. A tramitação das
leis complementares da reforma tributária pode colocar ainda mais tensão nesse
processo.
É um engano achar que a mudança de 0,5% do
PIB na meta para o superávit seja o problema. É um mero sintoma. A verdade é
que a percepção sobre as contas públicas é de que há uma fragilização da
capacidade do Executivo de comandar a execução da política fiscal, seja pela
via da arrecadação, seja em relação ao controle da despesa.
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