Valor Econômico
Ministro da Justiça doma bancada de bala, cavalo de batalha do bolsonarismo e massa de manobra de Lira
A harmonia entre os Poderes está na
Constituição. Na ausência dela, o país vive sob inconstitucionalidade. Foi
assim, citando o ex-presidente da República e daquela Casa, Michel Temer,
que o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, abriu a sessão na Comissão
de Segurança Pública da Câmara.
A frase não foi pinçada a esmo. Na véspera, o ministro havia acompanhado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em jantar com quatro ministros do Supremo, além do titular da AGU, Jorge Messias. O encontro foi pautado pela preocupação com a relação entre os Poderes, notadamente com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O governo perdeu a oportunidade de cavalgar
na planície a confirmação da prisão do deputado Domingos Brazão (sem
partido-RJ). A deixar Lira dando seus coices sozinho, preferiu servir-lhe
de plateia. Na primeira fila, sentou-se Lula, que se disse disposto a manter o
ministro Alexandre Padilha, alvo de Lira, só por “teimosia”.
Depois o próprio Padilha achou por bem fazer
graça em rede social, o ministro Paulo Teixeira concluiu que seria a
hora de demitir o
primo de Lira do Incra de Alagoas, e, finalmente, o
ministro Fernando Haddad, para conter o nervosismo no mercado tascou uma
reflexão sobre as diferenças na “sensibilidade” do Congresso para a pressão
fiscal.
Lira é presidente da Câmara em fim de
mandato, com um candidato à sucessão difícil de emplacar e ambiciona chegar ao
Senado num Estado lulista. Além disso, dos últimos cinco ocupantes do seu
cargo, o que se deu melhor deixou a política (Rodrigo Maia). O que mais se
estrepou foi preso (Eduardo Cunha). Como, no caso dele, a primeira opção é o
caminho mais curto para a segunda, teme o destino, mas o Executivo teima em
requentar seu café.
Os ministros do STF não gostaram do
grupo de trabalho para reabrir o foro privilegiado e da ameaça de CPI
sobre abuso de autoridade. Reagem, no entanto, tarde demais. Tiveram a
oportunidade de emparedá-lo quando Lira havia deixado todas as suas digitais no
“kit robótica”, mas o ministro Gilmar Mendes achou por bem arquivar o
caso.
Resta administrá-lo e, principalmente,
gerenciar a massa de manobra da qual Lira se vale para ameaçar os Poderes. Quem
melhor mostrou como fazê-lo esta semana foi o ministro da Justiça. Lira usa
o bolsonarismo desde sempre. Pois Lewandowski domou-o em sua ida
à Câmara. Mostrou que a fatia mais belicosa do bolsonarismo, a bancada da
bala, não precisa ir a Lira se precisar negociar. Até uma sala ofereceu na
Justiça para as reuniões da bancada.
Baixou o tom dos parlamentares na lhaneza.
Com a formalidade que lhe caracteriza, informou ter lido o currículo de cada um
e atestado sua experiência no tema, chamou-os de “doutos parlamentares” e “suas
excelências”, elogiou as perguntas e, quando não tinha como se comprometer com
o pedido, disse que daria “continuidade ao diálogo”. Fez-se acompanhar de quase
todos os secretários da Pasta, além dos diretores-gerais da PF e
da PRF, numa sinalização de respeito à comissão. Tratou-os por iguais
e saiu aplaudido.
Lewandowski nunca frequentou CACs, mas
acenou com direito adquirido de clubes fechados por decreto para deixar
alternativas em aberto. Não é favorável ao porte desenfreado de armas mas
ganhou tempo para negociar as queixas sobre as restrições até 31/12, quando o
tema sai do Exército.
Não arredou pé de suas convicções, nem mesmo
para defender o ministro Alexandre de Moraes, alvo número 1 daquela Casa.
Disse-lhes que a melhor maneira de reagir ao inquérito das “fake news” seria
votando uma lei. Ao ouvir as queixas sobre o corte no orçamento das
polícias, uniu-se ao lamento sem deixar de lembrá-los de que o governo trabalha
com meta fiscal aprovada pelo Congresso.
No dia seguinte, ao comentar sobre as quatro
horas do encontro, Lewandowski disse que a liturgia reduz a agressividade.
Criticou a inflexibilidade em relação à oposição e defendeu a acomodação de
algumas demandas desde que o governo saiba do que não pode abrir mão.
Deixou claro que sua risca de giz foi o veto
a artigo da nova lei de execuções penais que proibia saídas
temporárias de presos por razões familiares. A defesa do veto na Câmara não foi
a mais difícil que enfrentou. Foi obrigado a dobrar dois ministros palacianos
no tema.
Tanto Padilha quanto o ministro Rui
Costa eram contrários ao veto pelo potencial de encrenca. Numa reunião de
todos com Lula, Lewandowski bateu o pé. Disse que o governo tem
que saber que valores devem ser preservados. E que o veto seria um deles. Lula
lhe deu razão.
Não foi a única vez que se impôs no Palácio
do Planalto, repartição costumeiramente descrita como aquela em que ninguém
fala antes de saber a opinião do chefe. A homologação de seis terras
indígenas tinha a oposição aberta de Rui Costa. Lewandowski não abriu mão
de levar o assunto a Lula - “E aí você diz ao presidente que é contra e por
que, mas preciso expor as razões para a homologação”.
O ministro mal tinha chegado quando veio a fuga dos presos em Mossoró. Começou desacreditado de que daria conta da recaptura e das pressões políticas. Passados menos de três meses, impôs-se no Palácio, na Esplanada e até sobre sua antiga Casa. No dia seguinte de sua ida à Câmara, o ministro Alexandre de Moraes encontrou Lira e surpreendeu ao aparecer sentado à mesa do Senado, onde um terço quer seu impeachment, na apresentação do anteprojeto do novo Código Civil. A liturgia de Lewandowski faz escola.
3 comentários:
Excelente!
O 8o. parágrafo é sensacional!
😅
Sim, o 8o paragrafo define o melhor da liturgia. Um embaixador disse que uma guerra, às vezes não sabemos como começou, mas sempre terminar com dialogos, conversas francas etc...
Concordo com ''Mais um amador''.
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