quinta-feira, 18 de abril de 2024

Maria Cristina Fernandes - A receita da liturgia de Lewandowski para a crise

Valor Econômico

Ministro da Justiça doma bancada de bala, cavalo de batalha do bolsonarismo e massa de manobra de Lira

A harmonia entre os Poderes está na Constituição. Na ausência dela, o país vive sob inconstitucionalidade. Foi assim, citando o ex-presidente da República e daquela Casa, Michel Temer, que o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, abriu a sessão na Comissão de Segurança Pública da Câmara.

A frase não foi pinçada a esmo. Na véspera, o ministro havia acompanhado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em jantar com quatro ministros do Supremo, além do titular da AGU, Jorge Messias. O encontro foi pautado pela preocupação com a relação entre os Poderes, notadamente com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O governo perdeu a oportunidade de cavalgar na planície a confirmação da prisão do deputado Domingos Brazão (sem partido-RJ). A deixar Lira dando seus coices sozinho, preferiu servir-lhe de plateia. Na primeira fila, sentou-se Lula, que se disse disposto a manter o ministro Alexandre Padilha, alvo de Lira, só por “teimosia”.

Depois o próprio Padilha achou por bem fazer graça em rede social, o ministro Paulo Teixeira concluiu que seria a hora de demitir o primo de Lira do Incra de Alagoas, e, finalmente, o ministro Fernando Haddad, para conter o nervosismo no mercado tascou uma reflexão sobre as diferenças na “sensibilidade” do Congresso para a pressão fiscal.

Lira é presidente da Câmara em fim de mandato, com um candidato à sucessão difícil de emplacar e ambiciona chegar ao Senado num Estado lulista. Além disso, dos últimos cinco ocupantes do seu cargo, o que se deu melhor deixou a política (Rodrigo Maia). O que mais se estrepou foi preso (Eduardo Cunha). Como, no caso dele, a primeira opção é o caminho mais curto para a segunda, teme o destino, mas o Executivo teima em requentar seu café.

Os ministros do STF não gostaram do grupo de trabalho para reabrir o foro privilegiado e da ameaça de CPI sobre abuso de autoridade. Reagem, no entanto, tarde demais. Tiveram a oportunidade de emparedá-lo quando Lira havia deixado todas as suas digitais no “kit robótica”, mas o ministro Gilmar Mendes achou por bem arquivar o caso.

Resta administrá-lo e, principalmente, gerenciar a massa de manobra da qual Lira se vale para ameaçar os Poderes. Quem melhor mostrou como fazê-lo esta semana foi o ministro da Justiça. Lira usa o bolsonarismo desde sempre. Pois Lewandowski domou-o em sua ida à Câmara. Mostrou que a fatia mais belicosa do bolsonarismo, a bancada da bala, não precisa ir a Lira se precisar negociar. Até uma sala ofereceu na Justiça para as reuniões da bancada.

Baixou o tom dos parlamentares na lhaneza. Com a formalidade que lhe caracteriza, informou ter lido o currículo de cada um e atestado sua experiência no tema, chamou-os de “doutos parlamentares” e “suas excelências”, elogiou as perguntas e, quando não tinha como se comprometer com o pedido, disse que daria “continuidade ao diálogo”. Fez-se acompanhar de quase todos os secretários da Pasta, além dos diretores-gerais da PF e da PRF, numa sinalização de respeito à comissão. Tratou-os por iguais e saiu aplaudido.

Lewandowski nunca frequentou CACs, mas acenou com direito adquirido de clubes fechados por decreto para deixar alternativas em aberto. Não é favorável ao porte desenfreado de armas mas ganhou tempo para negociar as queixas sobre as restrições até 31/12, quando o tema sai do Exército.

Não arredou pé de suas convicções, nem mesmo para defender o ministro Alexandre de Moraes, alvo número 1 daquela Casa. Disse-lhes que a melhor maneira de reagir ao inquérito das “fake news” seria votando uma lei. Ao ouvir as queixas sobre o corte no orçamento das polícias, uniu-se ao lamento sem deixar de lembrá-los de que o governo trabalha com meta fiscal aprovada pelo Congresso.

No dia seguinte, ao comentar sobre as quatro horas do encontro, Lewandowski disse que a liturgia reduz a agressividade. Criticou a inflexibilidade em relação à oposição e defendeu a acomodação de algumas demandas desde que o governo saiba do que não pode abrir mão.

Deixou claro que sua risca de giz foi o veto a artigo da nova lei de execuções penais que proibia saídas temporárias de presos por razões familiares. A defesa do veto na Câmara não foi a mais difícil que enfrentou. Foi obrigado a dobrar dois ministros palacianos no tema.

Tanto Padilha quanto o ministro Rui Costa eram contrários ao veto pelo potencial de encrenca. Numa reunião de todos com Lula, Lewandowski bateu o pé. Disse que o governo tem que saber que valores devem ser preservados. E que o veto seria um deles. Lula lhe deu razão.

Não foi a única vez que se impôs no Palácio do Planalto, repartição costumeiramente descrita como aquela em que ninguém fala antes de saber a opinião do chefe. A homologação de seis terras indígenas tinha a oposição aberta de Rui Costa. Lewandowski não abriu mão de levar o assunto a Lula - “E aí você diz ao presidente que é contra e por que, mas preciso expor as razões para a homologação”.

O ministro mal tinha chegado quando veio a fuga dos presos em Mossoró. Começou desacreditado de que daria conta da recaptura e das pressões políticas. Passados menos de três meses, impôs-se no Palácio, na Esplanada e até sobre sua antiga Casa. No dia seguinte de sua ida à Câmara, o ministro Alexandre de Moraes encontrou Lira e surpreendeu ao aparecer sentado à mesa do Senado, onde um terço quer seu impeachment, na apresentação do anteprojeto do novo Código Civil. A liturgia de Lewandowski faz escola.

3 comentários:

Mais um amador disse...

Excelente!

O 8o. parágrafo é sensacional!

😅

Ivaldo Ogata disse...

Sim, o 8o paragrafo define o melhor da liturgia. Um embaixador disse que uma guerra, às vezes não sabemos como começou, mas sempre terminar com dialogos, conversas francas etc...

ADEMAR AMANCIO disse...

Concordo com ''Mais um amador''.