O Globo
Sem um Estado palestino, ou Israel dá
cidadania a todos eles ou mantém o fracassado status quo, que levará à
continuação da violência
A posição correta para as nações adotarem em
relação ao conflito entre israelenses e palestinos é a reconhecer tanto Israel quanto a
Palestina. Reconhecer um, mas não o outro, demonstra a rejeição a milhões de
pessoas terem direito ao seu próprio Estado. Portanto Espanha,
Noruega e Irlanda acertaram ao reconhecer a Palestina, ainda que
tardiamente, seguindo outros mais de 140 países, incluindo o Brasil.
O reconhecimento por outros países de Israel, mas não a Palestina, implica defender a manutenção do status quo, no qual 3 milhões de palestinos na Cisjordânia e outros 2 milhões na Faixa de Gaza não têm um Estado e tampouco o direito à cidadania de Israel, que controla ambos os territórios. Esses palestinos são um dos raros casos de um grupo nacional de apátridas no planeta — vale somar também as centenas de milhares de refugiados palestinos no Líbano e na Síria, que tampouco têm cidadania dos países onde vivem. É distinto dos curdos, que, por exemplo, podem não ter Estados, mas são cidadãos da Turquia, do Iraque ou do Irã. Catalães e bascos, por sua vez, são cidadãos da Espanha.
O governo de Joe Biden argumenta
que defende a solução de dois Estados, mas o reconhecimento oficial de um
Estado palestino deve ser realizado mediante negociações. Essa posição, no
entanto, não se sustenta. São mais de 30 anos desde o início do chamado
processo de paz, a partir dos Acordos de Oslo. Os resultados foram a expansão
dos assentamentos ilegais na Cisjordânia, radicalização dos colonos
israelenses, o atentado terrorista do Hamas, a guerra de Gaza e uma
administração em Israel contrária à solução de dois Estados. Além, claro, da
manutenção dos palestinos como apátridas.
Imaginem se Biden dissesse ser a favor da
solução de dois Estados, mas dissesse que reconheceria Israel apenas depois do
fim de negociações? Seria corretamente condenado. Aliás, os EUA reconheceram
Kosovo um dia depois da proclamação da independência sem um acordo definitivo
dos kosovares com a Sérvia.
O reconhecimento da Palestina, para deixar
claro, não significa o fim das negociações, que estão congeladas há mais de uma
década. Pelo contrário, essas devem ser revitalizadas para que fronteiras sejam
definidas, assim como o status final de Jerusalém e a questão dos refugiados. O
diálogo deve ser de Estado para Estado, como em outros conflitos no mundo. O
interlocutor seria naturalmente uma fortalecida Autoridade Nacional Palestina.
Caso não haja uma Palestina independente,
sobram duas alternativas. A primeira seria a de um Estado (Israel) no qual
todos teriam os mesmos direitos, com os palestinos dos territórios recebendo
cidadania israelense (como já ocorre com os árabes-israelenses). No papel, soa
bonito e talvez fosse possível um século atrás. No mundo real, é inviável.
Mesmo Estados binacionais como Canadá e Bélgica têm divisões agudas. Imagine um
com o histórico de ódio como o que há entre israelenses e palestinos? A
tendência seria uma versão ainda mais sectária do que o Líbano. Para completar,
resultaria no fim do sonho sionista de um Estado judaico porque os judeus
poderiam deixar de ser maioria.
A outra alternativa seria manter o status
quo, que se provou um fracasso. Palestinos seguiriam humilhados, desumanizados
e tratados como inferiores. Já Israel cada vez mais correria o risco de ser
tratado como um pária internacional. O ciclo de violência prosseguiria e os
terroristas do Hamas ficariam mais fortes. Portanto, a melhor opção é
reconhecer a Palestina independente em paz e segurança ao lado de Israel.
Um comentário:
Muito bom! O colunista escreve clara e corretamente sobre o ÓBVIO, mas, nestes tempos, até ler o óbvio n'O GLOBO já é animador.
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