Valor Econômico
Decisão de Toffoli que anula atos da Lava-jato contra Marcelo Odebrecht coincidiu com mudança na Petrobras que ameaça governança
Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
escolheu a data da demissão de Jean Paul Prates da Petrobras para
que a repercussão negativa fosse engolida pela inundação gaúcha, acabou por
fazê-la coincidir com o revisionismo da Lava-jato no Supremo Tribunal Federal.
A decisão do ministro Dias Toffoli de anular
todos os atos da Lava-jato contra Marcelo Odebrecht em decorrência da operação
“Spoofing”, que escancarou o conluio entre o Ministério Público Federal e o
ex-juiz Sergio Moro, formou uma dobradinha infeliz com a decisão de Lula
na Petrobras.
Sugere limpeza do terreno para que se possa começar tudo outra vez. Colaboram para isso não apenas a disposição do acionista majoritário de retomar investimentos que alimentaram a corrupção na companhia como as mudanças em curso para enfraquecer mecanismos de governança adotados depois do escândalo.
A relação entre Toffoli e o presidente
permanece obstruída. Lula já confidenciou a mais de um interlocutor o interesse
em chamar o ministro que indicou e sugerir que abdique do mandato para cuidar
da saúde. Corre que a atuação de Toffoli hoje também incomoda seus colegas no
STF, mas se isso é verdade, algum dos muitos interlocutores de Lula na Corte
poderia tê-lo advertido da pauta em curso. Se não o fizeram é porque uma mão
lava a outra também sob as togas. Um ministro que se cala sobre uma decisão monocrática
também será beneficiado pelo silêncio do colega quando chegar sua vez.
As decisões monocráticas, ao contrário do que
o distinto público imaginava, não acabaram. A PEC votada pelo Senado dormita em
berço esplêndido na Câmara. A decisão da ex-ministra Rosa Weber de levar as
monocráticas, automaticamente, para o plenário se restringe a liminares. A
esmagadora maioria das decisões do Supremo não apenas se dá em turmas mas
também pelo voto de um único ministro.
Toffoli tem acumulado decisões do gênero. Já
havia suspendido multa de R$ 8,5 bilhões da Novonor, antiga Odebrecht, e outra
de R$ 10 bilhões da J&F, além de ter mandado investigar acordo do MPF com a
Transparência Internacional envolvendo o acordo de leniência entre a PGR e o
grupo dos Batista.
A fortuita dobradinha entre Executivo e STF
colabora para manter longe o investidor estrangeiro de que o país tanto
precisa. O presidente de uma das maiores empresas brasileiras voltou de Nova
York menos otimista do que lá chegou. Ouviu de seus pares estrangeiros que, se
o confortável juro americano já os mantinha longe do Brasil, a troca na
presidência da Petrobras em
nada os estimula a voltar os olhos para o país.
A decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que
rejeitou a cassação do ex-juiz e senador Sergio Moro (União-PR), outra
coincidência, não serviu para equilibrar a decisão de Toffoli. Primeiro porque
o voto do relator, ministro Floriano Azevedo Marques, era consistente. Deixou
claro que não havia como somar os gastos de pré-campanha presidencial com a do
Senado para apontar limites excedidos.
Ainda pesou na unanimidade da decisão o recuo
iniciado há meses por Moraes e destinado, em nome de sua sobrevivência, a
aposentar a excepcionalidade como rotina: o arquivamento do inquérito da
estadia do ex-presidente Jair Bolsonaro no Embaixada da Hungria, e livramentos
em série, o mais notório o do coronel Mauro Cid.
Basta, porém, assistir ao diálogo entre
Moraes e a ministra Carmen Lúcia sobre a deputada Carla Zambelli (PL-SP) para
concluir que o presidente seguiu o voto do relator e não o contrário. Depois de
a ministra dar uma cambalhota para definir como “desinteligência artificial” a
inserção de um suposto mandado de prisão de Moraes contra si próprio no sistema
do CNJ, Moraes atalhou-a: “Foi burrice mesmo”.
O voto do relator mostra ainda como a
pretensão eleitoral dos proponentes da cassação, PL e PT, não se sustentariam
perante seus próprios argumentos. Michelle Bolsonaro, presidente do PL Mulher,
e a deputada Gleisi Hoffman (PT-PR), presidente do PT, eram postulantes à vaga.
Como dirigentes partidárias valem-se do fundo partidário para viajar pelo país
e, por isso, incorreriam na mesma falta imputada a Moro.
A dúvida que se abre agora é como o andamento
dessas coincidências impacta os rumos do país. Além da segurança jurídica, o
que está em jogo é o risco de que as dobradinhas fortuitas entre Executivo e
Judiciário sejam percebidas como leniência com a corrupção. É água no moinho da
direita.
O terceiro personagem do noticiário judicial
da semana, José Dirceu, já deu dica preciosa sobre o tema. O ex-ministro
livrou-se de uma de suas condenações da Lava-jato, de 2016, que se refere a
recebimento de 30% de propina da empresa Apolo Tubulars em contrato firmado com
a Petrobras em
2009.
Em recurso, a defesa argumentou que a
acusação estava prescrita à época de sua condenação porque a idade superior a
70 anos do ex-ministro reduzia pela metade os prazos. Ficou mais clara a
prescrição do que as razões pelas quais os ministros a permitiram.
O andamento dos processos não impede Dirceu
de transitar e pontificar em exclusivos circuitos. Num deles, impressionou um
grande empresário ao dar a melhor definição da batalha em curso.
Disse que a direita sequestrou a agenda do
país e que, em 2022, não ganhou porque seu candidato era um “desqualificado”.
Em 2026, disse, não o será. Se tinha em mente a troca de Bolsonaro pelo
governador Tarcísio de Freitas, a dobradinha infeliz entre Executivo e
Judiciário mostra que discurso não lhe faltará.
Maria Cristina Fernandes
2 comentários:
Muito bom!
Tarcísio,só o Meira.
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