Desempenho ruim alimenta pressão para Biden desistir
O Globo
Diante das dúvidas depois do debate,
democratas questionam se presidente deveria abandonar a candidatura
Do início ao fim, o desempenho de Joe Biden no
debate com Donald Trump,
primeiro do ciclo eleitoral que decidirá quem comandará os Estados
Unidos a partir do ano que vem, foi constrangedor. Ao defender
o embate contra Trump antes das convenções democrata e republicana que
escolherão oficialmente os candidatos, partidários de Biden pretendiam afastar
as preocupações com sua idade avançada (81 anos) e as dúvidas sobre sua
capacidade cognitiva. O efeito foi o oposto. Na saída do evento em Atlanta,
estavam instalados entre os democratas o pânico e a discussão sobre o que fazer
para convencer Biden a desistir da candidatura.
Já na primeira pergunta, Biden falou com voz tíbia e rouca. Em seguida, teve um lapso de memória ao discorrer sobre o sistema de saúde. Repetidas vezes, interrompeu frases no meio para seguir outro fluxo de pensamento. Ao comentar a guerra na Ucrânia, confundiu Trump com o russo Vladimir Putin, numa de suas dezenas de frases tortuosas: “Se você der uma olhada no que Trump fez na Ucrânia, ele, esse sujeito disse à Ucrânia, disse a Trump, faça o que quiser, faça o que quiser, e foi exatamente isso que Trump fez. Putin o encorajou, faça o que quiser. E ele entrou”. Ao final de outra resposta obtusa de Biden sobre segurança na fronteira, Trump retrucou: “Realmente não sei o que ele disse no final daquela frase. E acho que ele também não sabe”.
Trump foi condenado em maio por um tribunal
em Nova York por fraude contábil ao subornar uma atriz pornô na campanha de
2016. Difícil pensar em assunto mais vantajoso para Biden. Mas, quando ele
falou no tema, foi hesitante. O ataque a Trump pela incitação à invasão ao
Capitólio também não surtiu o efeito esperado. Biden conseguiu ir mal mesmo nos
temas em que tinha vantagem, como aborto. Numa resposta confusa, mencionou
imigração e segurança pública, dois pontos fracos de seu governo.
Ao final, estava claro que a estratégia
republicana de deixar Biden expor suas próprias fragilidades dera certo. À
frente nas pesquisas, Trump também se confundiu e proferiu um sem-número de
mentiras e declarações desconexas. Mas, aos 78 anos, continua falando em tom
firme, sobressaindo no contraste com a tibieza de Biden.
Biden tem o apoio de 3.894 dos 3.937
delegados da convenção democrata em 19 de agosto. Não há impedimento legal para
que o partido escolha outro candidato. Mas, para isso, é preciso primeiro que
Biden desista da reeleição, como fez Lyndon Johnson em 1968. Nesse cenário, os
democratas teriam uma “convenção aberta”, em que o candidato seria escolhido de
forma competitiva pelos delegados. Certamente haveria pressão em favor da
vice-presidente Kamala Harris. Outro nome aventado é Gavin Newsom, governador
da Califórnia.
Os democratas estão diante de um dilema:
insistir na candidatura de um presidente impopular, visto como incapaz, ou
convencê-lo a desistir para buscar outro candidato de última hora. A competição
para ocupar o lugar de Biden traria à tona as divisões internas, e sair da
convenção com o partido unido representaria um desafio. Por enquanto, todos os
cenários não passam de especulação. Biden não deu nenhum sinal de que pretenda
desistir. Melhor para Trump, que inegavelmente saiu vitorioso do debate. Biden,
até o momento, tem sido o pior cabo eleitoral de si mesmo.
Governo acerta ao tentar federalizar o
combate ao crime organizado
O Globo
Para ter sucesso, iniciativa não poderá se
restringir à PEC para ampliar ação da PF proposta por Lewandowski
O crescimento avassalador das organizações
criminosas e a importância da segurança pública na lista de preocupações da
população brasileira parecem ter enfim surtido efeito na postura
tradicionalmente omissa do governo federal diante da questão. Apenas isso já
seria motivo para louvar a iniciativa do ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, de apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) explicitando a atuação da Polícia Federal (PF) para desbaratar o crime
organizado.
Na prática, Lewandowski admitiu a necessidade
de a PF agir diante da incapacidade das forças de segurança estaduais de conter
a expansão das máfias, milícias e facções criminosas que se ramificam no
exterior. A PEC de
Lewandowski também grava no texto constitucional o Sistema Único de Segurança
(Susp) e o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). É clara
a intenção de tornar mais eficaz a gestão da segurança pública com o
envolvimento federal. Para ele, a Constituição vê o crime como ato “cometido
localmente” e não dá conta do enfrentamento das organizações criminosas.
Há sempre o risco de toda a mobilização não
passar de um jogo de cena, sem desdobramentos na vida real. A federalização do
combate às organizações criminosas, decisão correta, precisará se materializar
em ações objetivas em que a PF possa reforçar a repressão à criminalidade,
integrada às polícias estaduais. Não será fácil coordenar ações entre polícias
com culturas e níveis de profissionalização diferentes, várias delas mantendo
elos inaceitáveis com o próprio crime.
A velocidade com que as burocracias do setor
público se movem também não ajuda. O Susp, criado para ser o “SUS da segurança
pública”, surgiu no governo Michel Temer e até hoje não foi integralmente
implementado. O FNSP é inspirado no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica (Fundeb), que redistribui recursos para ensino entre estados e
municípios ricos e pobres. Mas ainda está longe de cumprir essa função.
A intenção de Lewandowski é facilitar a
articulação e a integração entre todos os órgãos para que haja um plano de ação
estruturado envolvendo os três níveis da administração pública. A expectativa é
que, em algum momento, a União elabore um planejamento nacional para segurança
pública, seguido por estados e municípios. Mas é difícil acreditar que
interesses político-partidários não sejam um obstáculo a esse objetivo.
Não resta dúvida de que o êxito no combate ao
crime organizado depende da federalização. Foi assim nos Estados Unidos, quando
o Federal Bureau of Investigation (FBI), a PF americana, passou, na década de
30, a prender gângsteres em todo o país, sem respeitar as fronteiras entre os
estados. A experiência americana do século passado continua relevante. Mas o
mundo mudou muito desde então. Para dar certo, a iniciativa de Lewandowski
deverá ser, no mínimo, tão sofisticada quanto os criminosos de hoje.
Desastre de Biden em debate eleva riscos
Folha de S. Paulo
Presidente se perde ante enxurrada de
mentiras do rival, cuja vitória significa instabilidade doméstica e global
Uma das instituições basilares da democracia,
o debate
eleitoral é objeto de atenção extra devido a um episódio da
crônica política mundial, o enfrentamento de 1960 entre John F. Kennedy e
Richard Nixon.
Naquele primeiro duelo de presidenciáveis
televisionado, o jovial e midiático JFK superou o rival de forma inequívoca.
Nixon aprendeu a lição, tanto que elegeu-se duas vezes presidente depois, para
renunciar em desgraça em 1974.
O impacto daquele debate reverberou por
décadas, levando à crença de que o desempenho dos participantes define
eleições. Casos análogos na periferia do Ocidente, como Fernando
Collor versus Lula em
1989, reforçaram a mística.
Nos últimos anos, predominaram a
profissionalização da política e a diluição argumentativa decorrente da
inundação virtual de verdades fabricadas. Candidatos são treinados para não
escorregar, e o empate quase sempre é a regra.
Não foi o que ocorreu na noite de quinta (27)
em Atlanta, onde a rede CNN colocou frente a frente o presidente Joe Biden e
seu antecessor, Donald Trump,
que busca voltar à Casa Branca em novembro.
O democrata sofreu uma implosão de imagem,
reforçando temores acerca de suas condições físicas e mentais para seguir no
cargo.
Mostrando fragilidade, agravada por um
alegado resfriado, Biden perdeu-se em respostas até corretas, mas não
convincentes. Parecia que ficaria paralisado, fazendo sua equipe prender a
respiração nas coxias do evento.
Trump foi o oposto. Apenas três anos mais
novo do que Biden, aos 78 anos, demonstrou vitalidade inaudita no ocaso de seu
governo. Pior para a democracia, dado que usou a linguagem corporal e a
oratória afiadas para exercitar o pior que seu populismo pode oferecer.
Mentiu sobre dados econômicos e até sugeriu
que estados democratas promovem o sacrifício de crianças. Esquivou-se de
questões mais espinhosas mudando de assunto, expondo a falha do formato adotado
pela rede americana, que não permitia contestações
incisivas de fake news à mesa.
De modo alarmante para países em que a
polarização segue viva, como o Brasil, o debate evidenciou a dificuldade da
política tradicional de enfrentar o extremismo quando não há paridade de armas.
Nem mesmo a recente condenação penal de Trump
afetou sua exibição. Ato contínuo, já surge o
clamor para que Biden desista da candidatura. Parece tarde para
tanto, e o real impacto da debacle do democrata ainda precisa ser aferido entre
os vitais eleitores indecisos.
O mundo assiste apreensivo ao desenrolar do
drama, ciente de que um novo governo Trump é garantia de
instabilidade geopolítica e celebração de métodos autocráticos.
Recessão inevitável
Folha de S. Paulo
Economia argentina encolhe, mas choque de
Milei consegue conter inflação por ora
O governo de Javier Milei teve
sua primeira grande vitória no Congresso, que aprovou uma
versão reduzida de sua Lei de Bases e um pacote fiscal. Tal
conquista, que lhe permitirá promover reformas liberais, veio acompanhada de
números que atestam uma inevitável recessão econômica.
O PIB do
primeiro trimestre caiu
5,1% em relação ao mesmo período de 2023. Ante o trimestre anterior,
a baixa foi de 2,6%, após retração de 2,5% no final do ano passado. Estima-se
que o produto de 2024 caia entre 3% e 4%. No ano passado, o recuo foi de 1,6%.
O baque na atividade produtiva e na renda é
consequência necessária dos duros ajustes promovidos para enfrentar —com
sucesso, até aqui— uma inflação
descontrolada legada pelo antecessor.
Depois de atingir 25,5% em dezembro, a alta
de preços vem se desacelerando. Em maio, o índice foi de 4,2%, menor cifra em
mais de dois anos —desde que, em janeiro de 2022, foram registrados 3,9%.
A queda da atividade foi causada pela
retração do consumo e do investimento, em razão de cortes profundos de gastos e
incerteza quanto aos planos de Milei.
O dispêndio com previdência baixou mais de
24% em um ano (considerado o trimestre encerrado em maio); com servidores, mais
de 17%; em obras, acima de de 80%. Assim, a Casa Rosada conseguiu um superávit
primário (excluídos gastos com juros da dívida) de 1% do PIB neste ano, até
maio.
Os resultados são positivos, mas baseados em
represamento de despesas de difícil sustentação.
A valorização do câmbio tende
a dificultar exportações e entrada de capitais, cruciais para o pagamento da
dívida argentina e
a estabilização da moeda. Outra desvalorização do peso, porém, pode provocar
novo repique inflacionário.
A situação das reservas do Banco Central
melhorou, mas, em termos líquidos, o saldo é zero. Ainda é preciso eliminar
controles de capitais e as múltiplas taxas de câmbio, além de tentar
desenvolver um mercado para a dívida do governo.
O fôlego da terapia de choque de Milei parece associado ao desalento dos argentinos, que há anos veem sua economia se degradar.
Pânico nos EUA
O Estado de S. Paulo
Entre a mendacidade de Trump e a decrepitude
de Biden, país merece outra opção. Democratas podem oferecê-la, se persuadirem
Biden a franquear as armas da ‘batalha pela alma’ da nação
A disputa pela presidência dos EUA entre
Donald Trump e Joe Biden em 2020 foi a de maior média etária na história da
democracia mais longeva, rica e poderosa do mundo. Em 2017, Trump foi o homem
mais velho a iniciar a presidência. A marca foi quebrada por Biden em 2021.
Hoje, os mesmos candidatos estão dizimando esses recordes. Seu primeiro debate
foi um espetáculo deprimente. Uma manchete do Washington Post resumiu:
“Biden tropeça enquanto Trump espalha falsidades”. É doloroso colocar as coisas
nesses termos, mas a verdade crua e cruel é que muitos americanos se sentem
constrangidos a escolher entre um velho mendaz e um velho senil.
Bill Clinton disse certa vez que os
americanos preferem os “fortes e errados” aos “fracos e certos”. Muitos dos que
assistiram ao debate sentiram que essas opções estavam em disputa.
Talvez disciplinado por seu estafe, Trump se
mostrou mais “normal” do que o comum. Mas, à medida que o debate avançou, sua
natureza incongruente, narcisista e vingativa brotou forte. Ele se esquivou de
questões cruciais, como as guerras na Ucrânia e em Gaza, resumindo-se a alegar
que, se fosse presidente, nunca teriam acontecido; abusou de hipérboles do tipo
“nunca antes na história deste país”; acusou Biden de ser um candidato pago
pela China; e repetiu a cantilena sobre as eleições “roubadas” de 2020, sugerindo
que Biden deveria ser processado como um criminoso.
É por esse tipo de mendacidade e
ressentimento que Trump não está mais bem posicionado nas intenções de voto. Se
o candidato republicano fosse outro, provavelmente a fatura a favor dos
republicanos já estaria liquidada. Mas mesmo essa repulsa pesou pouco diante do
desempenho desastroso de Biden.
A manobra dos democratas por uma antecipação
atípica do primeiro debate para provar que Biden estava em forma para um novo
mandato fracassou fragorosamente. Ante seus balbucios, incoerências, gaguejos e
lapsos, mesmo eleitores mais simpáticos devem ter sentido que Trump disse ao
menos uma verdade inatacável: “Estamos vivendo no inferno”.
“Eu assisti ao debate Biden-Trump sozinho num
quarto de hotel em Lisboa, e me fez chorar”, confidenciou o jornalista
progressista Thomas Friedman. “Joe Biden, um bom homem e um bom presidente, não
tem futuro concorrendo à reeleição. E Donald Trump, um homem malicioso e um
presidente mesquinho, não aprendeu nada e não esqueceu nada.”
A noite de quinta foi um choque de realidade
para os democratas. Considerem-se as chamadas dos artigos subsequentes ao
debate na editoria de Opinião do New York Times, a linha de frente da
brigada progressista. “Biden não pode continuar assim” e “Ele deve desistir da
corrida” são dois exemplos. De 12 comentaristas consultados, nenhum deu a
vitória a Biden; 10 deram a Trump; 7, com uma margem esmagadora. Título da reportagem:
“God help us” (Deus nos ajude).
Debates não costumam alterar muito as
decisões de eleitores, sobretudo num eleitorado polarizado como o americano.
Mas este precipitou um dos lados num dilema excruciante. Mudar de candidato
pode detonar uma guerra civil no Partido Democrata. Mas seguir com Biden seria
uma agonia similar a assistir a uma batida de carro em câmera lenta.
“Por mais de um ano, conversas privadas (dos
democratas) em Washington foram dominadas pelo envelhecimento do presidente.
Mas a omertà pública sobre este tópico se manteve”, constatou o articulista
Edward Luce. “Essa dissonância cognitiva colapsou. A história agora é sobre se
Biden pode ser persuadido a cair fora.”
A escolha é dele. Biden tem os delegados
necessários para ser nomeado na convenção de agosto e só renunciando a eles
abrirá a disputa a outros candidatos. Se quer “salvar a democracia”, como diz,
e vencer a “batalha pela alma da América”, deveria franquear as armas. É o que
pensam, segundo pesquisas, dois terços dos eleitores.
Os republicanos estão fechados com Trump, que
conta com a permanência de Biden para vencer. Os democratas ainda podem fazer
uma escolha, mas o tempo está se esgotando. Os americanos merecem uma opção
melhor. O mundo precisa de uma opção melhor.
O legado do Real para a democracia
O Estado de S. Paulo
Plano de estabilização monetária é filho do
regime democrático, pois só uma sociedade livre, senhora do seu destino, é
capaz de planejar e construir um futuro mais auspicioso para todos
O real, moeda mais longeva da história
recente do País, completará 30 anos no próximo dia 1o de julho. O
distanciamento histórico só enaltece a grandeza da concertação política entre
os Poderes Executivo e Legislativo que viabilizou a aprovação do Plano Real.
Seguramente, a estabilidade monetária foi a maior conquista coletiva da
sociedade brasileira na Nova República – no mínimo, por ter restaurado sua
capacidade de sonhar. Ademais, o feito se tornou uma das mais chamativas
vitrines do bem que só o regime democrático é capaz de fazer à Nação.
“A democracia motivou toda a estabilização”,
disse Pérsio Arida, um dos formuladores do Plano Real, durante um seminário
realizado há poucos dias na Fundação Fernando Henrique Cardoso a propósito do
aniversário do plano. De fato, estabilização permite planejamento. E só uma
sociedade livre, senhora do seu destino, é capaz de planejar e construir um
futuro mais auspicioso para todos.
Desde o advento do real, milhões de
brasileiros nasceram e cresceram sem ter vivido um dia sequer as agruras de
lidar com a hiperinflação, um desastre que consumia todas as energias do País.
Para esses cidadãos mais jovens pode até soar estranho, talvez inconcebível,
mas se tratava de um Brasil incapaz de olhar para quaisquer outros de seus
muitos problemas, que dirá pensar e implementar políticas públicas mais perenes
para solucioná-los, absolutamente perdido que estava por ter em circulação uma
moeda que mal valia o papel em que era impressa.
Como foi possível superar um desafio dessa
magnitude? – muitos podem se perguntar, sobretudo olhando o passado em
contraste com a claudicante relação entre o governo Lula da Silva e o
Congresso, movida a orçamento secreto. Ora, o Congresso daqueles idos da década
de 1990 não era essencialmente melhor ou pior do que o Congresso atual. Era um
retrato tão fiel da sociedade como o é hoje. Os parlamentares tampouco eram
mais ou menos desprendidos de interesses paroquiais. O que havia então e não há
agora eram um governo digno do nome, com um plano claro para o País, e
disposição para negociar em bases minimamente republicanas, vale dizer, em
torno do melhor interesse público.
Um plano como o Real – pensado, implementado
e comunicado da forma como tudo foi feito – decerto foi um “milagre”, “um
acidente histórico”, “um ponto fora da curva” ou qualquer outra expressão
similar que o leitor queira empregar no lugar. Dificilmente se repetirá, não
apenas na área econômica, mas em qualquer outra esfera da administração
pública. Em primeiro lugar, havia o quilate intelectual, a capacidade
administrativa e o espírito público dos envolvidos – a começar, é claro, pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso.
Ademais, ao longo dessas três décadas, a
política, desafortunadamente, deixou de ser tratada como o meio civilizado de
negociação da miríade de interesses em jogo na sociedade para ser apresentada
por trambiqueiros de todas as cepas como uma guerra de aniquilação. Isso
dificulta, quando não interdita, a formação de consensos mínimos entre os
cidadãos, como foi o Real, em que pesem suas diferenças políticas e
ideológicas.
A despeito das singularidades do Plano Real,
uma coisa é certa: um dos maiores legados daquela união de esforços ímpar na
história republicana, que haverá de ser lembrado junto com suas realizações
técnicas, é o triunfo da democracia como esteio das grandes conquistas sociais,
políticas e econômicas. Não foi por acaso que a superação de uma das mais
terríveis mazelas nacionais ocorreu sob o regime democrático.
Não se pode condenar quem olhe para o passado
e lamente que uma liderança como Lula da Silva – que, aliás, foi ferozmente
contra o Plano Real – desperdice todo o seu capital político ao apostar numa
agenda desagregadora, desconectada de seu tempo e irremediavelmente condenada
ao fracasso, por já ter sido testada e reprovada.
Resta torcer para que um novo alinhamento de
planetas se forme, sabe-se lá quando, e o Brasil volte a ser governado por um
estadista que, ao lado do Congresso, resgate na Nação a capacidade de dialogar
e fazer nascer dias melhores.
Reféns de Lula e Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Paulistano quer um prefeito independente,
mostra pesquisa. Má notícia para Nunes e Boulos
Enquanto o eleitor paulistano emite sinais de
repulsa à polarização, os principais pré-candidatos ao comando da maior cidade
do País amarram-se em uma trama que só reforça a rivalidade deletéria entre o
presidente Lula da Silva e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ricardo Nunes (MDB)
e Guilherme Boulos (PSOL) aprisionam-se a dois populistas que, ao apostarem na
eleição municipal, buscam o culto de suas personalidades e a perpetuação da
animosidade no cenário nacional, e não o bem comum de São Paulo.
Na empreitada por mais um mandato, Nunes
atrelou-se a Bolsonaro, que, excluído do cenário eleitoral, luta para manter
mobilizada sua militância estridente e antidemocrática. Já Boulos carrega o
fardo de receber o apoio de Lula da Silva – mandatário em seu terceiro governo
que amarga crise atrás de crise na economia, no Congresso, no meio ambiente, na
educação e na saúde.
O que a dupla tem a acrescentar à disputa
local é um mistério, mas o estrago que Lula da Silva e Bolsonaro são capazes de
fazer é grande. E o paulistano sabe disso. Segundo a mais recente pesquisa
Genial/Quaest para a Prefeitura de São Paulo, 50% dos entrevistados gostariam
de ter um prefeito independente a partir do dia 1.º de janeiro de 2025,
enquanto 29% querem um aliado de Lula e 19%, de Bolsonaro. Esse sentimento de
parcela do eleitorado parece ainda não ter sido captado.
Nunes cedeu a Bolsonaro e ao governador
Tarcísio de Freitas (Republicanos), viu-se tutelado na escolha de seu vice e
sucumbiu ao coronel Ricardo Mello Araújo – ex-comandante das Rondas Ostensivas
Tobias de Aguiar (Rota) e ex-diretor-presidente da Companhia de Entrepostos e
Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). E já tratou de incorporar o discurso da
intolerância e da truculência.
Ao criticar uma decisão judicial que proibiu
o uso de bombas e balas de borracha pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) em
operações na Cracolândia, Nunes afirmou que recorreria – o que é praxe –, mas
foi além. Segundo o prefeito, o tráfico tem poder de comando na região. “Se
vier para cima da gente, vai tomar na testa”, disse, bem ao estilo do
bolsonarismo.
Boulos também é guiado. Lula da Silva
escolheu Marta Suplicy (PT) para sua vice, e ao psolista coube apenas
concordar. Com mais de 1 milhão de votos para deputado federal, após ter
chegado ao segundo turno contra Bruno Covas (PSDB), em 2020, patina nas intenções
de voto enquanto o governo lulopetista registra baixa popularidade. Lula tem se
mostrado uma âncora pesada.
Sinal de tudo isso é que Nunes tem 22% do eleitorado e Boulos, 21%. O eterno candidato José Luiz Datena (PSDB) desponta com 17%, o subproduto do bolsonarismo Pablo Marçal emerge com 10% e Tabata Amaral (PSB) registra 6%. Enquanto pré-candidatos se debatem na demagogia lulopetista e bolsonarista, o paulistano preocupa-se com a violência – carente de respostas à altura tanto de Lula quanto de Tarcísio –, saúde, educação, transporte público e pobreza. Esses, sim, como aponta o eleitor, são temas relevantes para a vida na metrópole.
Tentativa de golpe na Bolívia serve de alerta
Correio Braziliense
O fracasso do golpe é uma demonstração de que
as instituições democráticas têm resiliência na América do Sul. O episódio
também serve de lição política
A Bolívia, seu nome já diz, deve sua
independência às tropas do líder político e chefe militar Simón Bolívar, um dos
libertadores das ex-colônias espanholas das Américas, ao lado de José de San
Martín e Bernardo O'Higgins, principalmente. Seu primeiro presidente foi o
marechal Antônio José de Sucre, eleito em 1825. Não por acaso, os militares
bolivianos sempre tiveram protagonismo na vida política do país — porém, a
maioria das vezes, por meio de golpes de Estado que resultaram em algumas das
ditaduras mais sanguinárias do continente. Foram quase 200 sublevações armadas;
dos 37 governos republicanos, 23 resultaram de golpes de Estado. A Bolívia é o
país mais instável da América do Sul.
Felizmente, a última tentativa de golpe
militar, na quarta-feira, fracassou. Foi contida pela firme atuação do
presidente Luis Arce, após soldados e veículos militares assumirem o controle
da Praça Murillo, na capital administrativa boliviana, La Paz, e invadirem o
Palácio Quemado, antiga sede do governo. O general Juan José Zúñiga,
recentemente destituído do cargo de chefe do Exército, após fazer declarações
contra o ex-presidente Evo Morales, liderou a tentativa de golpe. Foi contido
devido à firmeza de Arce, que o enfrentou pessoalmente, à reação popular e à
não adesão da maioria do Exército boliviano. Zuñiga foi preso.
Houve grande reação internacional à tentativa
de golpe, inclusive do Brasil, que se articulou com os demais países do
continente para manter o atual governo. Diante da onda de extrema-direita que
varre o mundo, o fracasso do golpe é uma demonstração de que as instituições
democráticas têm resiliência na América do Sul, inclusive na Bolívia.
Infelizmente, no Brasil, alguns parlamentares de extrema-direita chegaram a
comemorar o golpe, que acabou fracassando. O episódio também serve de lição
política.
Um dos fatores que estimularam a tentativa de
golpe é a divisão do Movimento ao Socialismo (MAS), o principal partido da base
do governo. Essa cisão começou em setembro passado, quando o ex-presidente Evo
Morales anunciou sua candidatura às eleições de 2025 e desafiou Arce, que
tentará a reeleição. O ex-presidente chegou a dizer que o governo tenta barrar
sua candidatura e que haveria uma "convulsão"no país se isso
ocorresse. Morales foi presidente por 14 anos.
Por causa da disputa com Morales, Arce perdeu
a maioria no Congresso, enquanto Morales acusava o governo de tolerar a
corrupção. A crise política ajudou a deteriorar o ambiente econômico. Houve
redução na produção de gás, após a reestatização das empresas de
hidrocarboneto. As reservas passaram de US$ 15,12 milhões em 2014 para US$ 1,79
milhão em abril de 2024, segundo o Banco Central boliviano. Isso afeta as
empresas que fazem comércio exterior.
O desequilíbrio econômico e a bagunça no
câmbio provocaram inflação e afetaram o abastecimento. Não há somente aumento
dos preços. Por escassez de dólares, muitos produtos sumiram do supermercado.
Os combustíveis são subsidiados, o que sobrecarrega o orçamento público, e
estão com a distribuição prejudicada. A Bolívia importa 56% da gasolina e 86%
do diesel que consome.
Resultado: comerciantes e caminhoneiros realizaram manifestações e 200 dias de bloqueios desde 2023, em várias cidades do país; vendedores ambulantes marcharam para La Paz; imensas filas se formam nos postos de combustíveis. Nada disso, entretanto, legítima um golpe de Estado. O próprio Evo Morales, em parte responsável pela desestabilização do governo, condenou a tentativa de golpe. Todos os governos vizinhos foram pegos de surpresa, inclusive, o brasileiro, o que é muito preocupante.
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