sábado, 29 de junho de 2024

Manfred Back e Luiz Gonzaga Belluzzo - Amém, irmãos!

CartaCapital

A autonomia operacional deve ser contida nos limites do sacramento das metas de Inflação

“A liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam.”
Baruch Espinosa

Na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (Copom), por unanimidade, foi ratificada a manutenção da Taxa Selic em 10,5% ao ano e a suspensão temporária de corte na taxa básica. No Templo dos Milagres do Financismo, localizado na Avenida Faria Lima, o pastor J.P. ­Morgan, no final do culto, bradou em êxtase: “Amém, irmãos! A credibilidade voltou! Nossas preces foram ouvidas, somos o povo escolhido para ganhar dinheiro, nossa verdade é a nossa fé!” Os fiéis gestores do dinheiro alheio fizeram o coro: “Oh a credibilidade voltou, oh oh…”

O Deus Mercado sempre está certo, amém irmãos! Quem melhor entende do vil metal? Nós ou o Banco Central? Nossa autoridade monetária voltou ao caminho da fé financista, viu a luz no caminho de Damasco… Faria Lima! Amém…

O dilúvio da desancoragem das expectativas inflacionárias foi salvo pelas mãos divinas do mercado. Contra a fé e o dogma metamorfoseados em Ciência, ninguém pode! Nem o Bacen! Amém duas vezes, irmãos!

No livro Poder e Progresso, Daron ­Acemoglu e Simon Johnson relembram Edmund Burke, contemporâneo de ­Bentham e Adam Smith. Burke referia-se às leis do comércio como “as leis da natureza e, consequentemente, as leis de Deus. Como alguém poderia se opor às leis divinas?”

Para apaziguar o espírito dos crentes, a autoridade monetária não deve fazer política monetária

Assim, vamos excomungar os infiéis do Federal Reserve, sempre dispostos a renegar nossas crenças. Eles dizem:

“Desde o fim de 2008 até outubro de 2014, a Reserva Federal expandiu grandemente a sua detenção de títulos de longo prazo através de compras no mercado aberto, com o objetivo de exercer pressão descendente sobre as taxas de juro de longo prazo e, assim, apoiar a atividade econômica e a criação de emprego, tornando as condições financeiras mais acomodativas” (site do Fed).

“O dinheiro que utilizamos para comprar obrigações quando estávamos a rea­lizar a flexibilização quantitativa não provinha de impostos nem de empréstimos governamentais. Em vez disso, tal como outros bancos centrais, podemos criar dinheiro digitalmente sob a forma de ‘reservas do Banco Central’.

“Usamos essas reservas para comprar títulos. Os títulos são essencialmente notas promissórias emitidas pelo governo e pelas empresas como forma de pedir dinheiro emprestado.

“Agora que estamos a reverter a flexibilização quantitativa, alguns desses títulos vencerão e estaremos vendendo outros aos investidores. Quando isso acontecer, o dinheiro que criamos para comprar os títulos desaparecerá e a quantidade total de dinheiro na economia diminuirá (site do Banco da Inglaterra)”.

Felizmente, dizem os sacerdotes da Seita Faria Lima, o Banco Central do Brasil está impedido de fazer esse tipo de operação amaldiçoada, praticada sem pejo por nossos irmãos anglo-saxões, tão admirados por aqui. No Brasil, a autoridade máxima monetária não pode determinar, intervir ou ancorar a estrutura a termo da taxa de juros. Nossa crença exige que a autonomia operacional seja contida nos limites da fé imposta pelo sacramento das Metas de Inflação.

Segundo os mandamentos da Seita Faria Lima, o Banco Central só pode definir a taxa Selic a cada 45 dias, em conformidade com o Boletim Focus, o Santo Graal das expectativas.  Só eles falam com o Deus Dinheiro! Os mortais das fábricas de parafusos não entendem de âncoras, só de parafusos! Amém duas vezes, irmãos!

Reza a legislação dos crentes brazucas:

“O objetivo fundamental do BC é assegurar a estabilidade de preços, além de, acessoriamente, zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego (site do Bacen)”.

Para apaziguar o espírito dos crentes, graças às prescrições do Velho Testamento do Senhor Dinheiro, a autoridade monetária não deve fazer política monetária e escapar do objetivo enganoso de suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego. Por quê? Porque negar os mandamentos do Deus Mercado é pecado sem remissão!

Nos cultos aos domingos, os mais concorridos, o cântico final é o mais esperado, quando o pastor J.P. Morgan puxa a reza final: fiscal, fiscal, fiscal! A oração mais esperada: Oh dinheiro nosso que estás no céu. Contra satã: a dívida pública explosiva e o Estado esbanjador!

O dilúvio da desancoragem das expectativas inflacionárias foi salvo pelas mãos divinas do mercado

As ditas operações compromissadas são um instrumento comum dos Bancos Centrais para controlar a taxa básica fixada no mercado interbancário. No nosso caso, diferentemente de nossos irmãos do Norte, a autoridade monetária usa título público federal com cláusula de recompra, para manter a taxa básica. Muito lucrativa aos bancos, e risco zero. Cabe uma observação importante, instituições financeiras existem para ganhar dinheiro. O que podem ou não fazer cabe à autoridade monetária definir. Aqui podem quase tudo, afinal, são elas que garantem a credibilidade do Banco Central.

As operações compromissadas são registradas como dívida pública federal. Estimam-se entre 20% e 30% do total, seria na ordem de quase 2 trilhões de reais. São operações de política monetária, nada a ver com o financiamento do déficit público. Mas serve ao mantra da Congregação da Faria Lima: fiscal, fiscal…

Para barrar as incursões de Galileu Galilei, o Cardeal Belarmino escreveu para outro clérigo: “… querer afirmar que realmente o Sol está no centro do mundo e gira apenas sobre si mesmo sem correr do Oriente ao Ocidente e que a Terra está no terceiro céu e gira com suma velocidade em volta do Sol, é coisa muito perigosa, não só de irritar todos os filósofos e teólogos escolásticos, mas também de prejudicar a Santa Fé ao tornar falsas as Sagradas Escrituras”.

Voltamos aos heréticos do Federal ­Reserve:

“Durante o processo de normalização da política que começou em dezembro de 2015, a Reserva Federal utilizou pela primeira vez acordos de recompra reversa overnight (ON RRPs) – um tipo de OMO – como uma ferramenta de política suplementar, conforme necessário, para ajudar a controlar a taxa de fundos federais e manter dentro da faixa-alvo definida pelo FOMC.

Em setembro de 2019, a Reserva Federal utilizou acordos de recompra (repo) a prazo e ­overnight para garantir que a oferta de reservas permanecesse ampla, mesmo durante períodos de aumentos acentuados nos passivos não relacionados com reservas, e para mitigar o risco de pressões do mercado monetário que poderiam afetar negativamente políticas de implementação. A Reserva Federal continuou a oferecer acordos de recompra ­overnight e, no contexto do estresse relacionado com a Covid, por volta de março de 2020, os acordos de recompra a prazo e overnight desempenharam papel importante para garantir que a oferta de reservas permanecesse ampla e apoiar o bom funcionamento dos mercados de financiamento de curto prazo em dólares dos EUA.

Na Declaração sobre acordos de recompra divulgada em 28 de julho de 2021, o Federal Reserve anunciou o estabelecimento de um mecanismo de recompra permanente (SRF) nacional. Ao abrigo do SRF, a Reserva Federal realiza diariamente operações de recompra overnight contra títulos elegíveis. “O FUR serve de apoio nos mercados monetários para apoiar a implementação eficaz da política monetária e o bom funcionamento do mercado (site do Fed)”.

Nosso irmão do Norte faz o mesmo tipo de operação, e não é contabilizado como dívida pública! Indagam os hereges: “Cadê a nossa autonomia operacional? Por que não implementar os depósitos voluntários e acabar de vez com as compromissadas, como a grande maioria dos Bancos Centrais no mundo?”

A Seita Faria Lima não deixa. Amém irmãos!

Prosseguem os malditos hereges:

“A taxa de juros sobre os saldos de reservas (taxa IORB) é determinada pelo Conselho e é uma ferramenta importante para a condução da política monetária do ­Federal ­Reserve. Para a configuração ­atual da taxa IORB, consulte a nota de implementação mais recente emitida pelo FOMC. Essa nota fornece as configurações operacionais para as ferramentas de política que apoiam a meta do FOMC para a taxa de fundos federais.

“Os depósitos a prazo facilitam a implementação da política monetária, proporcionando uma ferramenta adicional através da qual a Reserva Federal pode gerir a quantidade agregada de saldos de reservas detidos pelas instituições depositárias. Os fundos colocados em depósitos a prazo são retirados das contas de reserva das instituições participantes durante a vigência do depósito a prazo e, assim, drenam os saldos de reserva do sistema (site do Fed).”

Alô, Cardeal Belarmino, é hora de convocar a Inquisição! 

Publicado na edição n° 1317 de CartaCapital, em 03 de julho de 2024.

3 comentários:

Anônimo disse...

O rei Tá nu!!
O Lula é um ex condenado há 20 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro em três instâncias por nove juízes federais e foi colocado na presidência Por manobras do Supremo Tribunal Federal
Por mais que se queira daí não vai sair nada é a mesma quadrilha desbaratada na lava jato que está novamente no poder

laurindo junqueira disse...

Ora, ora, camarada! <as não é a Banca que quer derrubá-lo?

Daniel disse...

Muito bom! O Deus Mercado Financeiro não admite críticas a seus sacerdotes do Banco Central e nem a seus discípulos que respondem e comandam o Boletim Focus.