Folha de S. Paulo
Recusa do centro macronista em declarar apoio
aberto à esquerda no 2º turno expõe divisão e pode facilitar caminho da Reunião
Nacional
O muro de contenção da enchente de
ultradireita na França está
mais do que rachado. Tem buracos relevantes e pedaços feitos de areia, a julgar
por declarações dos líderes dos partidos de centro e das minoritárias
centro-direita e direita tradicional. Caso o eleitorado aceite as indicações
das lideranças, pode ser que a Reunião Nacional (RN) fique mais perto de uma
maioria na Assembleia Legislativa, ainda muito difícil.
Esse é o resultado político mais significativo do primeiro turno da eleição legislativa. Como previam as pesquisas, a RN, liderado por Marine Le Pen, teve cerca de 33,2% dos votos. A Nova Frente Popular, coalizão de esquerda, 28,1%. O Juntos, coalizão liderada por Emmanuel Macron, presidente da República, ficou com 21%. O Republicanos, da velha direita tradicional, gaullista, teve 10%.
Tais números dizem algo da febre, mas não dão
a temperatura precisa do resultado. Na eleição francesa, elege-se um deputado
por distrito. Se o candidato não tiver mais de 50% dos votos, vai para um
segundo turno com os adversários que tiverem mais de 12,5% dos votos. Cerca de
500 distritos devem ter segundo turno, no domingo que vem (7).
Em eleições para presidente ou para a
Assembleia Nacional, desde 2002 forma-se uma "frente republicana" a
fim de barrar a vitória da ultradireita. No caso das eleições legislativas, o
plano de barragem é fazer com que os candidatos que tenham chegado em terceiro
lugar em seu distrito desistam da disputa e apoiem o adversário com mais chance
de vencer a ultradireita.
Neste 2024, a situação se complicou.
Macron e seu primeiro-ministro, Gabriel
Attal, disseram que os candidatos do Juntos que chegaram em terceiro lugar
devem desistir em nome de alguém que "defenda como nós os valores da
república" (contra a ultradireita, contra a RN). Mas não deixam claro se o
apoio deve se estender aos candidatos da França Insubmissa (LFI), partido
majoritário e mais radical da coalizão de esquerda (que inclui o Partido
Socialista, partidos ecologistas e o ora suave Partido Comunista). Os partidos
aliados de Macron, da pequena centro-direita, pedem também votos "republicanos",
mas excluem explicitamente candidatos da LFI.
O Republicanos declarou que o
"macronismo morreu", mas não recomendou voto. Aliás, assim que Macron
dissolveu a Assembleia e, pois, convocou
eleições, parte do Republicanos se bandeou para a RN, da ultradireita.
A Reunião Nacional não apenas teve mais votos
totais como seus candidatos lideram na maioria dos distritos. Até o fim da
noite de domingo, com resultados para 566 dos 577 dos distritos, os nomes da RN
estavam à frente de 297. A França Insubmissa, em 159. O Juntos, coalizão
macronista, em 70. O Republicanos, em 20. Outros partidos de esquerda, em 12.
A recusa do voto na Nova Frente Popular se
deve ao fato de que essa salada esquerdista é dominada pela França Insubmissa
(LFI). A LFI é, por sua vez, liderada por Jean-Luc Mélenchon, ex-trotskista,
ex-socialista e fundador do partido de esquerda de mais sucesso (embora não
muito grande), deste século. A fim de evitar rejeição, os líderes dos demais
partidos coligados vêm dizendo que Mélenchon, figura controversa e
"radical", não seria líder de nada em um eventual governo da
esquerda.
O programa da Nova Frente Popular é esquerda
padrão, ora algo chocante para a maioria da França: aumento de gastos, de
impostos sobre ricos, de benefícios sociais e do salário mínimo, estatizações,
revogação das reformas previdenciárias.
Por outro lado, com um eleitorado ora mais
conservador e mais preocupado com imigração e segurança, a ultradireita se
torna mais palatável. A RN é uma mutação da Frente Nacional, partido
filonazista do pai de Marine, Jean-Marie Le Pen.
Marine mudou o nome do partido, excluiu filonazistas e antissemitas mais
vocais, o pai inclusive, e baixou o tom contra a União
Europeia.
Ainda que recomendações de voto evitem a
formação de uma maioria da ultradireita, é muito provável que o parlamento
fique ao menos rachado em terços. O governo seria, pois, minoritário. A
instabilidade deve prosseguir, a perder de vista.
Um comentário:
Pois é...
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