Valor Econômico
Galípolo foi mal entendido quando negou que o BC estivesse num córner
Os participantes do mercado financeiro
consideraram confusa e contraditória a mais recente comunicação de política
monetária do Banco Central e adicionaram prêmio de risco na curva de juro
futuro.
Algum nível de volatilidade era esperado, já
que o cenário econômico está bem incerto no Brasil e no exterior e, nesse
ambiente, os banqueiros centrais evitam compromissos muito firmes sobre o que
pretendem fazer com as suas taxas básica de juros.
Assim, os preços dos ativos financeiros oscilam ao sabor dos novos dados e informações divulgados. Mas, no caso do Brasil, não foi só isso. O sobe e desce tem ocorrido durante pronunciamentos de membros do Copom. Como essas falas não têm sido poucas, a volatilidade é mais intensa.
Na última quinta, nota um participante do
mercado, foi batido um recorde. O diretor de política monetária do BC, Gabriel
Galípolo, encerrou um pronunciamento às 15h39. Como foi mal compreendido,
levando a cotação do dólar para perto de R$ 5,60, corrigiu a fala às 17h02, num
outro evento.
A reação do mercado reflete não só a falta de
entendimento sobre o que o Banco Central está falando, mas também uma certa
birra com a mensagem em si. O mercado já precificava, antes de o Banco Central
começar a falar no assunto, que seria necessário um aperto monetário. As opções
de Copom da B3 davam cerca de 50% de chance de aperto em setembro e, para o
encontro de novembro, as apostas no aperto eram majoritárias.
Os economistas consultados no boletim Focus
não previam nem recomendavam aperto de juros. Mas, por outro lado, projetavam
inflação cada vez mais acima da meta. Ou seja: seu recado é que o BC não vai
fazer o seu trabalho de colocar a inflação na meta, e não deveria se dar ao
trabalho, porque o ambiente político no governo Lula não permitiria isso.
O BC colocou na mesa a hipótese de subir os
juros, mas, como vem fazendo seus pares ao redor do mundo, evitou fazer uma
sinalização firme - ou um “guidance”. Como o mercado considera evidente a tese
do aperto monetário, cada vez que o Banco Central fica em cima do muro, a
interpretação é de fraqueza.
O resultado final é curioso: as opções do
Copom precificam de forma majoritária as chances de um aperto monetário. Os
economistas do mercado, de forma crescente, atualizam as suas projeções para
incluir a hipótese de aperto. Mas, na falta de convicção sobre se o Copom vai
fazer o que é necessário, segue na curva de juros uma boa dose de prêmio
inflacionário, e a cotação do dólar não cai o que deveria.
O mercado puniu o Copom logo depois sua
reunião de julho, quando foi divulgado um comunicado sem sinais mais fortes de
que a alta da Selic está sendo considerada. Os juros de curto prazo caíram, e
os de longo prazo subiram. O recado: o mercado achava que o BC não iria fazer o
seu serviço, por isso lá na frente seria preciso um juro ainda mais apertado.
Dias depois, a ata do Copom colocou de forma
mais firme a hipótese de aperto. Mais: revelou que considerava que a inflação
projetada estava acima da meta e deu a entender que os riscos negativos eram
expressivos. Galípolo fez o seu primeiro discurso e se colocou entre os mais
conservadores. O presidente Lula fez declarações para mostrar que não proíbe
seus indicados no BC de subir a Selic.
Esse foi o período de ouro: o dólar caiu
abaixo de R$ 5,40, a curva de juros perdeu inclinação e as expectativas de
inflação do mercado para 2025 recuaram levemente.
A melhora não foi à toa. O mercado entendeu
as falas de Galípolo como um guidance velado, ou uma sinalização mais firme de
uma alta. Por mais que o diretor do BC tenha dito que não havia modificado nada
em relação ao que foi dito na ata do Copom, cada vez que ele fala, o mercado lê
um sinal.
Galípolo deu confiança ao mercado, em
especial, quando disse que estava contente com a reação de mercado às suas
falas. Como o mercado ouve o BC para calibrar suas apostas, soou como uma
espécie de aval à precificação vigente, que dava como certo um aperto.
Na terça, o presidente do Banco Central,
Roberto Campos Neto, que havia dado o palco para Galípolo falar sobre juro,
abalou essa precificação de mercado. Em entrevista a Miriam Leitão, em “O
Globo”, disse que não estava nada resolvido, e enumerou fatores que podem levar
ou não a um aperto de juro. No mesmo dia, em evento do BTG, foi na mesma linha.
Ainda mencionou a tese de um “abismo fiscal” na Europa e Brasil, ou contração
fiscal.
Nos dias seguintes, Galípolo e o diretor de
política econômica, Diogo Guillen, procuraram dizer que Campos Neto foi neutro
e apenas repetiu o que estava na ata. De fato, o que ele disse está em linha
com o que estava na ata, exceção feita ao abismo fiscal. Mas sua fala não
ocorreu no vácuo: ela tirou a certeza que se formava no mercado de que o aperto
realmente viria.
Galípolo foi mal entendido quando negou que o
BC estivesse num córner, repetindo uma palavra usada por Luis Stuhlberger, da
Verde, que dissera que a precificação obrigava o BC a subir o juro. De fato,
Galípolo não negou a possibilidade de subir o juro, mas o mercado nem sempre
chega à última palavra de cada frase.
Banqueiros centrais às vezes se encrencam
quando falam o discurso livre. Em 2018, numa entrevista, Jerome Powell sacudiu
o mercado ao dizer que o Fed estava longe da R-estrela, a taxa neutra de juro.
Ou seja, deu a entender que ainda tinha que apertar muito. Depois, recuou.
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