O Globo
Interferir na igualdade de chances entre
grupos étnicos contraria o objetivo que a Constituição estabelece: combater o
racismo
Na última semana foi promulgada a Emenda
Constitucional 133, que retira a possibilidade de punição aos partidos
políticos que praticaram racismo contra a população negra brasileira nas
eleições de 2020 e de 2022. Segundo essa nova regra, “deve ser considerada como
cumprida” a obrigação de aplicação das verbas eleitorais para as candidaturas
negras.
Para diminuir o peso desse absurdo, existe
uma condição de que isso só acontecerá se os partidos pagarem o que foi devido
até então, mas apenas a partir de 2026.
Existe alguma esperança de que isso realmente seja respeitado?
Ora, a Constituição proíbe a discriminação
racial. Os partidos concederam em 2022 o dobro de dinheiro para candidaturas
brancas em relação às negras. Em 2020, TSE e STF determinaram
que houvesse distribuição proporcional das verbas eleitorais, com fundamento
num raciocínio simples: dinheiro público não pode ser usado para prejudicar
pessoas negras. Afinal, o volume de recursos tem impacto direto no alcance que
alguém pode ter entre os eleitores — quanto maior o alcance, aumentam as
chances de obter votos. E interferir na igualdade de chances entre grupos
étnicos contraria aquilo que a Constituição estabelece como objetivo do país, o
combate ao racismo.
Se no cenário anterior, em que não cabia
exceção alguma, editaram duas emendas constitucionais para evitar penalidades,
que dizer de agora, quando há essa brecha?
Para fechar esse absurdo, a emenda também
prevê cota mínima de 30% dos recursos para as candidaturas negras. Em 2024,
negros equivalem a 52,7% de candidatos. Na prática, tomando por base os R$ 4,9
bilhões deste ano destinados ao financiamento das campanhas, pelo regime
anterior R$ 2,58 bilhões seriam usados exclusivamente para a amplificar vozes
negras. Com a regra atual, os partidos podem deixar de conceder em torno de R$
1 bilhão para essa finalidade.
A maior vergonha é que a maioria esmagadora
do Congresso aprovou sem o menor receio de que isso gerasse risco
político-eleitoral em ano de eleição. Infelizmente, a sociedade parece
anestesiada, e nada é feito para que essas medidas abusivas sejam interrompidas.
Nossa apatia se dá pela completa impotência da população diante do que acontece
diariamente num país onde até o passado é incerto.
Como seguir lutando e denunciando, gritando
ou mesmo apontando um erro se todo dia acontece algo diferente e até pior?
Chega um momento em que não sobram mais forças, em que não resta mais voz, em
que não existe mais esperança. A cada reconhecimento mínimo de dignidade, surge
uma série de chicotadas que dilaceram nossa carne para dizer qual é nosso
lugar.
O recado está dado, alto e bom som: “Se a
Constituição não nos agrada, nós mudaremos. Se vocês acham que ela garante
alguma coisa, mostraremos quem realmente manda. Se o Estado é de Direito, nós
dizemos quem realmente o tem”.
Mais uma vez, o povo negro sustenta a festa
da democracia, mas é impedido de entrar. Até quando?
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