O Globo
Três momentos simultâneos e nada alegres na
vida brasileira:
1 — Hoje a Universidade de São Paulo realiza
cerimônia de diplomação de 15 alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) mortos durante a ditadura militar. Eram jovens com
menos de 25 anos, assassinados pelas forças do governo. Serão oferecidos
diplomas honorários de graduação.
2 — Como se fossem anúncios, os outdoors
digitais paulistanos avisam (sem modéstia): a cada 16 minutos uma moto é
roubada ou furtada. É uma produtividade baixa quando se trata de outro objeto
de desejo: na Avenida
Paulista, em números de 2022, cerca de 5,3 mil celulares foram
abduzidos. Na cidade, a cada três minutos (!) um aparelho é levado. No elevador
do meu prédio, o síndico cola um aviso: “Não espere o Uber na calçada com o
celular à mostra. Ciclistas ou motoqueiros levam seu aparelho!”. É a rotina do
medo.
3 — Um garoto de 14 anos (!) cometeu suicídio depois de ser reiteradamente vítima de bullying em um colégio de elite paulistano. Ele era negro, bolsista e sofria assédio homofóbico. Como a escola não o protegeu? O que os pais ensinam a seus filhos em casa?
Enquanto não existirem políticas públicas de
segurança, à direita ou à esquerda, como indicam os altos índices de
criminalidade, sobram lamentos e arremedos entre a população. Os governos e os
despreparados candidatos a prefeito não se mobilizam, ao contrário do crime
organizado. Com números na casa de milhares de milhões, demonstram ter gestão
de resultados melhor que a maioria dos estados brasileiros.
Ao que tudo indica, o PCC investe
no poderoso mercado imobiliário de São Paulo. Já se fala numa espécie de Little
Italy, o antigo bairro da máfia em Nova York.
Quem surge no papel é o Tatuapé, região onde sobem edifícios ao preço de duplex
de Manhattan, com vários apartamentos comprados pelo dinheiro do tráfico,
segundo investigações do Ministério Público. Até pouco tempo atrás, era o
distrito com maior número de BMWs da cidade. Em linha com a filosofia de boa
parte dos brasileiros, imóveis são encarados como ativos protegidos da inflação
e vistos como investimento seguro também pelos meliantes.
Outras investigações, embora toda a cidade já
comentasse, enfim chegaram às concessionárias de ônibus urbanos. Outra
diversificação patrimonial do crime. Assim como postos de gasolina, com
combustível adulterado, porque, afinal, ninguém é de ferro. No caso, se trata
de investimento na cadeia vertical de mobilidade, porque também algumas lojas
de automóveis estão sob suspeita — de preferência, de carros importados;
investir em 1.0 nacional não dá camisa, só prejuízo, a desvalorização é
imediata, assim como o nível de ruídos dos veículos. Pelo andar da carruagem,
logo teremos branding do PCC nomeando teatros ou estádios: Arena Marcola! Mas
desconfio que o crime só invista em áreas de infraestrutura. Questão de tempo.
O setor esportivo começa a ser reconhecido
pelo potencial de retorno, segundo o MP paulista. Nada que já não se comentasse
em São Paulo ou Santos. Só a polícia parecia não desconfiar. O caso recente
envolve negociações de craques do meu Corinthians.
Não sei se é bom negócio, dado que os jogadores brasileiros habitualmente só
sabem reclamar do juiz, sempre histéricos, no padrão Gabigol,
e ainda agradecem aos céus em gestos ridículos por seus míseros gols.
Um dia chegará, se Deus voltar a ser
brasileiro, em que a polícia desvendará como o roubo do celular, da moto ou o
sequestro acabam reinvestidos seja em apartamentos, jogadores de futebol ou
automóveis importados. Difícil saber se isso acontecerá em nosso tempo aqui na
Terra, já que a diversificação de investimentos parece alucinante. Os cargos
eletivos surgem como nova opção posta no mercado, apura a Justiça. É um bom
salário, com direito a uma quantidade imensa de assessores e muitos vales — a
começar pelo combustível; como escrito, é uma cadeia sustentável de
empreendedorismo. Para completar, oferece imunidade no passado, presente e
futuro. Mais o prêmio de se qualificar para as emendas secretas patrocinadas —
até prova em contrário — pelo acordo dos Três Poderes. É uma bufunfa de bilhões
de reais.
Enquanto isso, resta-nos saudar a memória
daqueles ingênuos jovens abatidos pelas forças do Estado. Quase sempre após
torturas, sevícias e estupros.
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