domingo, 20 de outubro de 2024

Entrevista | João Campos (PSB): ‘A esquerda tem uma tarefa pela frente: trazer a pauta para o concreto’

Monica Gugliano / O Estado de S. Paulo

Reeleito com quase 80% dos votos no Recife, prefeito do PSB diz que olhar local definiu o pleito

“Não estamos falando (na disputa deste ano) de uma eleição de bancada de deputado, de bancada temática. A gente está falando de cidade. E acho que é por isso que (os candidatos de centro) também tiveram um crescimento maior na eleição, porque têm uma pauta menos ideologizada”

Aos 27 anos, João Henrique Campos se tornou o prefeito mais jovem do Brasil. E, agora, aos 30, foi reeleito com quase 80% dos votos no Recife, capital de Pernambuco. Ele é herdeiro de uma família que está na política desde o início do século 20. Seu bisavô era Miguel Arraes (1916-2005), um ícone da política brasileira, três vezes governador do Estado. Seu pai, Eduardo Campos (1965-2014), promissor político do PSB, fazia a campanha para a presidência da República quando morreu em um desastre aéreo. Nesta entrevista ao Estadão, João Campos faz uma análise do primeiro turno das eleições municipais. Diz que, muitas vezes, o discurso da direita captura mais eleitores do que o da esquerda porque consegue escapar da rota ideológica e ir para a vida real.

“Por isso eu acho que o caminho não é entrar nessas rotas ideológicas, é entrar na rota do concreto”, pontuou o prefeito. “A esquerda precisa ter o pé no chão e o olhar lúcido para ter um diagnóstico correto de como enfrentar as disputas nos grandes colégios eleitorais.”

Ele afirma que essa visão lúcida não é uma convocação para que as convicções ideológicas sejam abandonadas, mas uma constatação de que os partidos que mais cresceram mostraram capacidade de ter uma construção mais pragmática da realidade eleitoral. “É entender que as pessoas esperam que os prefeitos, que os políticos tenham a capacidade de melhorar a vida delas, de fazer gestão com qualidade, com eficiência. E a gente tem que ter muito cuidado com a discussão acirrada do ponto de vista ideológico, porque ela sai desse campo.” 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual é a avaliação do sr. do 1º turno das eleições?

Acho que a primeira palavra para falar de eleição é começar agradecendo a generosidade do eleitor da minha cidade. Agora, olhando o resultado das eleições Brasil afora, acho que houve crescimento do centro, da centro-direita. Há uma divisão entre as grandes cidades, as metrópoles e as cidades menores.

O sr. atribui às emendas parlamentares esse resultado?

Há influência muito grande da força que os partidos têm no parlamento. Então, bancadas com muita força de orçamento, de composições mais pragmáticas de mandato, terminam viabilizando um número maior de candidaturas de prefeituras.

E o PSB?

No caso do nosso partido, houve um crescimento. O PSB cresceu mais de 20% no número de prefeitos, se posicionando, inclusive, como o partido que mais fez prefeitos dentro do campo progressista. E acho que isso é um sinal de que há um desafio mais ao centro, mas que há também um caminho de crescimento. Que não necessariamente esse crescimento precisa se dar pela direita ou pela centro-direita.

Muitos acham que a eleição municipal pode ser uma espécie de “prévia” do que poderia ser a eleição presidencial de 2026. O sr. concorda?

O que vejo acontecendo, principalmente nos grandes centros urbanos, são discussões voltadas para a cidade. A eleição municipal é diferente de uma eleição de presidente, de deputado que é muito nacionalizada. Você discute a mobilidade, a infraestrutura, o trânsito, a drenagem da cidade, a infraestrutura urbana. E não necessariamente esse reflexo passa pelas pautas nacionais.

E isso aconteceu no primeiro turno?

Houve um crescimento de partidos que tiveram a capacidade de ter uma construção mais pragmática da realidade eleitoral. Acredito que os partidos que mais cresceram agora tiveram uma estratégia eleitoral mais consolidada, voltada ao plano das cidades. E também a maior correlação de forças que eu faço, sobretudo pelo tamanho dos colégios eleitorais, é a força que cada um está tendo no Parlamento.

Os governos estaduais também tiveram e têm força...

Alguns governos estaduais tiveram força. Olha o caso, por exemplo, do Paraná, em que o governador do PSD elegeu muitos do PSD. Mas você teve uma dinâmica voltada à presença das presidências de partidos que têm relação forte no parlamento. E, no nosso campo, acho que o resultado do PSB mostra que há um campo de centro-esquerda, um campo progressista, mas que tem diálogo de efetividade de gestão. Essa é a grande questão.

O sr. acha que falta um discurso mais sobre a vida real aos partidos de esquerda, que o senhor chama de efetividade de gestão?

A votação que nós tivemos aqui é uma prova disso. Eu, disputando pelo nosso campo, consegui ter uma votação muito ampla com eleitores que não são seguidores históricos da esquerda ou do campo progressista, mas que viram e apostaram em uma gestão que faz bem a cidade. Então, eu diria que a esquerda tem uma tarefa pela frente? Tem. Acho que é uma tarefa de trazer a pauta mais para o concreto. Isso não é uma convocação para ninguém abrir mão de suas convicções ideológicas. Mas é entender que as pessoas esperam que os prefeitos, que os políticos tenham a capacidade de melhorar a vida delas, de fazer gestão com qualidade, com eficiência. E a gente tem que ter muito cuidado com a discussão acirrada do ponto de vista ideológico, porque a pauta concreta sai desse campo.

O sr. acha que a esquerda não está conseguindo?

Não estamos falando de uma eleição de bancada de deputado, de bancada temática. A gente está falando de cidade. E acho que é por isso que o centro também teve um crescimento maior na eleição, porque tem uma pauta menos ideologizada.

Em que sentido?

As pessoas querem saber é o que é que muda na vida delas no dia a dia. É saber se tem um sistema de saúde funcionando, se a gente tem um programa de alfabetização de qualidade, se a gente tem um programa de creche, de ensino integral, de qualificação técnica, de urbanismo social, de construção de parques e praças, de infraestrutura na periferia. Isso elas querem saber, a vida concreta de uma cidade. Então, se você se amarra na guerra ideológica por si só... E, de fato, termina virando uma cortina de fumaça onde as soluções concretas desaparecem. Não quero dizer que as pessoas têm que largar aquilo em que elas acreditam.

O sr. não chamaria de largar, chamaria de rever?

Eu construí a maior frente política desta eleição e tive uma vitória bastante larga. Eu não perdi tempo buscando dividir as pessoas, mas juntando.

Sobre a questão ideológica, o que foi este fenômeno do Pablo Marçal?

Essa questão do Marçal é uma ótica de quem (o candidato derrotado) já está no limite da lei. Então, quando você tem um conjunto de regras a serem cumpridas, se você transgride essas regras, deixa de ser um problema político, passa a ser um problema legal.

Se não vira um vale-tudo...

E na eleição não vale tudo. Eleição não pode ser um lugar da barbárie, tem que ser um lugar civilizado, onde o debate – eu lembro porque cresci ouvindo esta frase – é no campo das ideias, não pode ser no campo pessoal, físico, como chegou a ser em São Paulo. Você perde a essência da política. Que não é agressão. Isso é antipolítica. É a falta da política que gera a violência. E principalmente numa turma mais jovem – eu me sinto à vontade dizer isso porque eu sou jovem, eu tenho 30 anos. A gente tem que ter cuidado para lidar com essa disposição da juventude... da antipolítica...

Os problemas das grandes cidades estão ficando muito parecidos?

E por que é isso? Na minha opinião, o principal ponto são os problemas urbanos. Então, se você pegar uma grande região metropolitana do Recife, Salvador, Fortaleza, por exemplo, você vai ter problemas no desafio de mobilidade, de segurança, de combate às drogas, de desafio de habitabilidade, de qualidade de vida; são questões que se assemelham. Então, as pessoas querem que seus problemas sejam resolvidos e, muitas vezes, o discurso ideológico da direita captura mais gente do que o da esquerda. Por isso que eu acho que o caminho não é entrar nessas rotas ideológicas, é entrar na rota do concreto (...) Então, nesse componente político das grandes cidades, a esquerda precisa ter o pé no chão e o olhar lúcido para ter um diagnóstico correto de como enfrentar as disputas eleitorais.

Um comentário:

Mais um amador disse...

Ótima entrevista !