domingo, 20 de outubro de 2024

Elio Gaspari - A Enel tem os poderes da treva

O Globo

Os apagões, de energia e de multas, assim como os laudos falsos do laboratório Saleme, no Rio, são o lado cruel e visível de um processo de saque contra os serviços públicos

Sexta-feira, 11 de outubro, foi um dia agradável do outono romano. A repórter Malu Gaspar contou que lá estava o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Participava de uma farofa num painel que tratava da Nova Era Energética, com Flavio Cattaneo, CEO mundial da Enel. Desde abril, essa era sua terceira viagem à Itália.

Em São Paulo, numa nova era energética, uma tempestade deixou três milhões de clientes da Enel sem energia. Cinco dias depois, 74 mil residências continuavam na treva. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, culpou o governo federal, Silveira culpou Bolsonaro e todos culparam a Enel.

A privatização do fornecimento de energia em São Paulo é uma história de horrores. Lá atrás, ela se chamava Eletropaulo e era uma estatal. Quando ela começou a ser leiloada, o publicitário Mauro Salles, que conhecia o Brasil, dizia que havia se criado a “mutretoconcorrência”. Quem levou a estatal foi a empresa americana AES, afastando sua rival numa manobra feita por baixo do pano. A investigação da mutreta deu em nada, por falta de energia.

Pouco depois, a AES pedia dinheiro ao governo, e Dilma Rousseff, ministra de Minas e Energia, revelava que ela queria cair fora do negócio. Não deu outra. O BNDES ficou com um calote, e os clientes, com os apagões. Em 2015, o Palácio dos Bandeirantes ficou sem energia por mais de uma hora.

A italiana Enel comprou a falecida Eletropaulo em 2018. Ela é uma das joias da ruína de uma epidemia de privatizações mal-intencionadas, mal desenhadas e mal fiscalizadas. Ferrovias não cumprem suas obrigações e negociam a renovação de seus contratos no escurinho de Brasília. A SuperVia, concessionária da Central do Brasil, no Rio, foi-se embora.

A Enel foi multada em cerca de R$ 320 milhões e contesta as cobranças na Justiça. Eficiente nos litígios com a Viúva, ainda não pagou a multa do apagão de novembro do ano passado.

Os apagões, de energia e de multas, assim como os laudos falsos do laboratório Saleme, no Rio, são o lado cruel e visível de um processo de saque contra os serviços públicos. O pano de fundo está na relação promíscua do poder público com a privataria. No laboratório Saleme, caminha-se para responsabilizar funcionários. Na treva paulistana, acabarão culpando as árvores e os “eventos climáticos”. Está comprovado que a Enel não cumpriu as metas de investimentos acordadas.

Valeria a pena procurar uma cifra: quanto a Enel paga a advogados para tratar de litígios de multas na Justiça e de normas com a Agência Nacional de Energia Elétrica? Por curiosidade: quanto lhe custam o patrocínio de farofas com a de Roma?

Antonio Gallotti, um mestre do século XX

Houve uma época em que uma só empresa, a Light, tinha a concessão das empresas de energia do Rio e de São Paulo, isso e mais a telefonia e os bondes do Rio. Chamavam-na de “Polvo Canadense”. Seu presidente foi o advogado Antônio Gallotti (1908-1986). Nenhum marajá das concessões de serviços públicos de hoje compara-se com ele.

Para ficar no item das disputas judiciais, Gallotti contratava para a Light todos os grandes advogados do Rio. (Quando era o caso, contratava também os filhos.) “Para que eles não advoguem contra a empresa”, contava um ex-ministro do Supremo que tinha um filho na Light.

Gallotti era um grão-senhor, com palacete na rua São Clemente, vizinho dos embaixadores da Inglaterra, de Portugal e dos Estados Unidos. Da sua rede, saiu o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o Ipês, braço cerebral da conspiração que produziu a ditadura.

Dotado de um raro senso de humor, em 1977, ele contava a um editor do “New York Times”: “O governo passado (do general Emílio Médici) torturava pessoas físicas, o atual (do general Ernesto Geisel) tortura pessoas jurídicas.”

Gallotti mandou como nenhum dos seus similares ou pretensos sucessores. Quando um amigo apresentou-o como “o nosso Godfather“, corrigiu:

“Não, o Vito Corleone (Marlon Brando no filme “O Poderoso Chefão”) se mete em tiroteios. Eu costuro por dentro.”

A Light de Gallotti não patrocinava farofas. Seus similares costuram por dentro e por fora.

Lá vem farofa

A Câmara aprovou um projeto que dá aos municípios autoridade para fiscalizar e controlar concessionários de serviços públicos.

Os concessionários de energia já são fiscalizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica e seguem regras do Ministério de Minas e Energia, bem como de várias secretarias estaduais. Deu no que deu.

Somando-se os municípios à penca de fiscais, a próxima farofa organizará dois grandes painéis para discutir a Nova Era Energética, nas versões 2.0 e 3.0 com a participação de 100 prefeitos, governadores, ministros e magistrados.

Um painel durará três dias e será sediado em Paris. O outro, em Nova York.

STJ

Os ministros do Superior Tribunal de Justiça enviaram ao Planalto a lista tríplice para preenchimento da vaga destinada a desembargadores federais. Nela estão os magistrados Carlos Augusto Pires Brandão, Daniele Maranhão Costa e Marisa Ferreira dos Santos.

Há um mês, conversando com ministros, Lula se queixou de que o STJ tinha poucas mulheres (5 em 33). Se falava sério, será indicada uma desembargadora.

Lula gostaria que na lista viesse o nome do desembargador Rogério Favreto. Em 2018, ele mandou libertá-lo, habilitando-o a fazer campanha. Sua decisão foi cassada, e ele foi crucificado no altar da Lava-Jato.

Passou o tempo, o Supremo Tribunal Federal soltou Lula, ele fez campanha e se elegeu presidente da República. Se o desembargador entrasse na lista, seria nomeado.

As vagas do STJ não são preenchidas pela vontade D’El Rey, como as do STF. Lá, funciona uma espécie de fila de candidatos, alinhados por décadas de convivência e também por mérito.

Tempos difíceis no STJ

A revelação de que assessores de ministros do STJ mercadejavam votos subiu de patamar. Com a entrada na investigação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, apareceram movimentações esquisitas de dinheiro nas contas de ministros titulares do Tribunal. No plenário, sentam-se 33 magistrados.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e soube que o governo trabalha com duas ideias para equilibrar suas contas. Numa, podará os supersalários de alguns servidores públicos. Na outra, tungará do valor do seguro-desemprego parte da multa de 40% sobre o FGTS, cobrada ao patrão e paga ao trabalhador que foi demitido sem justa causa.

Como é um cretino, Eremildo acha que os supersalários serão podados.

O que o idiota não entende é a obsessão dos governos com a renda dos desocupados. Durante o mandato de Bolsonaro os doutores queriam arrecadar até R$ 15 bilhões tungado 7,5% em cima do seguro-desemprego. A ideia não andou.

Lula e os evangélicos

A coordenação política do governo de Lula 3.0 não é nenhuma esquadra inglesa, mas ela conseguiu ganhar alguma influência sobre parte da poderosa banda evangélica.

Numa conta de padaria, ela pode ter até 90 parlamentares.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

A privataria brasileira conseguiu vender inseticida às formigas.

ADEMAR AMANCIO disse...

Vivemos em um País de Eremildos,rs.

Anônimo disse...

É verdade, Ademar! Eremildos abundam por aí...