O Globo
Os apagões, de energia e de multas, assim
como os laudos falsos do laboratório Saleme, no Rio, são o lado cruel e visível
de um processo de saque contra os serviços públicos
Sexta-feira, 11 de outubro, foi um dia
agradável do outono romano. A repórter Malu Gaspar contou
que lá estava o ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira. Participava de uma farofa num painel que tratava da Nova
Era Energética, com Flavio Cattaneo, CEO mundial da Enel. Desde
abril, essa era sua terceira viagem à Itália.
Em São Paulo, numa nova era energética, uma
tempestade deixou três milhões de clientes da Enel sem energia. Cinco dias
depois, 74 mil residências continuavam na treva. O governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, culpou o governo federal, Silveira culpou Bolsonaro e
todos culparam a Enel.
A privatização do fornecimento de energia em São Paulo é uma história de horrores. Lá atrás, ela se chamava Eletropaulo e era uma estatal. Quando ela começou a ser leiloada, o publicitário Mauro Salles, que conhecia o Brasil, dizia que havia se criado a “mutretoconcorrência”. Quem levou a estatal foi a empresa americana AES, afastando sua rival numa manobra feita por baixo do pano. A investigação da mutreta deu em nada, por falta de energia.
Pouco depois, a AES pedia dinheiro ao
governo, e Dilma Rousseff, ministra de Minas e Energia, revelava que ela queria
cair fora do negócio. Não deu outra. O BNDES ficou com um calote, e os
clientes, com os apagões. Em 2015, o Palácio dos Bandeirantes ficou sem energia
por mais de uma hora.
A italiana Enel comprou a falecida
Eletropaulo em 2018. Ela é uma das joias da ruína de uma epidemia de
privatizações mal-intencionadas, mal desenhadas e mal fiscalizadas. Ferrovias
não cumprem suas obrigações e negociam a renovação de seus contratos no escurinho
de Brasília. A SuperVia, concessionária da Central do Brasil, no Rio, foi-se
embora.
A Enel foi multada em cerca de R$ 320 milhões
e contesta as cobranças na Justiça. Eficiente nos litígios com a Viúva, ainda
não pagou a multa do apagão de novembro do ano passado.
Os apagões, de energia e de multas, assim
como os laudos falsos do laboratório Saleme, no Rio, são o lado cruel e visível
de um processo de saque contra os serviços públicos. O pano de fundo está na
relação promíscua do poder público com a privataria. No laboratório Saleme,
caminha-se para responsabilizar funcionários. Na treva paulistana, acabarão
culpando as árvores e os “eventos climáticos”. Está comprovado que a Enel não
cumpriu as metas de investimentos acordadas.
Valeria a pena procurar uma cifra: quanto a
Enel paga a advogados para tratar de litígios de multas na Justiça e de normas
com a Agência Nacional de Energia Elétrica? Por curiosidade: quanto lhe custam
o patrocínio de farofas com a de Roma?
Antonio Gallotti, um mestre do século XX
Houve uma época em que uma só empresa, a
Light, tinha a concessão das empresas de energia do Rio e de São Paulo, isso e
mais a telefonia e os bondes do Rio. Chamavam-na de “Polvo Canadense”. Seu
presidente foi o advogado Antônio Gallotti (1908-1986). Nenhum marajá das
concessões de serviços públicos de hoje compara-se com ele.
Para ficar no item das disputas judiciais,
Gallotti contratava para a Light todos os grandes advogados do Rio. (Quando era
o caso, contratava também os filhos.) “Para que eles não advoguem contra a
empresa”, contava um ex-ministro do Supremo que tinha um filho na Light.
Gallotti era um grão-senhor, com palacete na
rua São Clemente, vizinho dos embaixadores da Inglaterra, de Portugal e dos
Estados Unidos. Da sua rede, saiu o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o
Ipês, braço cerebral da conspiração que produziu a ditadura.
Dotado de um raro senso de humor, em 1977,
ele contava a um editor do “New York Times”: “O governo passado (do general
Emílio Médici) torturava pessoas físicas, o atual (do general Ernesto Geisel)
tortura pessoas jurídicas.”
Gallotti mandou como nenhum dos seus
similares ou pretensos sucessores. Quando um amigo apresentou-o como “o nosso
Godfather“, corrigiu:
“Não, o Vito Corleone (Marlon Brando no filme
“O Poderoso Chefão”) se mete em tiroteios. Eu costuro por dentro.”
A Light de Gallotti não patrocinava farofas.
Seus similares costuram por dentro e por fora.
Lá vem farofa
A Câmara aprovou um projeto que dá aos
municípios autoridade para fiscalizar e controlar concessionários de serviços
públicos.
Os concessionários de energia já são
fiscalizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica e seguem regras do
Ministério de Minas e Energia, bem como de várias secretarias estaduais. Deu no
que deu.
Somando-se os municípios à penca de fiscais,
a próxima farofa organizará dois grandes painéis para discutir a Nova Era
Energética, nas versões 2.0 e 3.0 com a participação de 100 prefeitos,
governadores, ministros e magistrados.
Um painel durará três dias e será sediado em
Paris. O outro, em Nova York.
STJ
Os ministros do Superior Tribunal de Justiça
enviaram ao Planalto a lista tríplice para preenchimento da vaga destinada a
desembargadores federais. Nela estão os magistrados Carlos Augusto Pires
Brandão, Daniele Maranhão Costa e Marisa Ferreira dos Santos.
Há um mês, conversando com ministros, Lula se
queixou de que o STJ tinha poucas mulheres (5 em 33). Se falava sério, será
indicada uma desembargadora.
Lula gostaria que na lista viesse o nome do
desembargador Rogério Favreto. Em 2018, ele mandou libertá-lo, habilitando-o a
fazer campanha. Sua decisão foi cassada, e ele foi crucificado no altar da
Lava-Jato.
Passou o tempo, o Supremo Tribunal Federal
soltou Lula, ele fez campanha e se elegeu presidente da República. Se o
desembargador entrasse na lista, seria nomeado.
As vagas do STJ não são preenchidas pela
vontade D’El Rey, como as do STF. Lá, funciona uma espécie de fila de
candidatos, alinhados por décadas de convivência e também por mérito.
Tempos difíceis no STJ
A revelação de que assessores de ministros do
STJ mercadejavam votos subiu de patamar. Com a entrada na investigação do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, apareceram
movimentações esquisitas de dinheiro nas contas de ministros titulares do
Tribunal. No plenário, sentam-se 33 magistrados.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e soube que o governo
trabalha com duas ideias para equilibrar suas contas. Numa, podará os
supersalários de alguns servidores públicos. Na outra, tungará do valor do
seguro-desemprego parte da multa de 40% sobre o FGTS, cobrada ao patrão e paga
ao trabalhador que foi demitido sem justa causa.
Como é um cretino, Eremildo acha que os
supersalários serão podados.
O que o idiota não entende é a obsessão dos
governos com a renda dos desocupados. Durante o mandato de Bolsonaro os
doutores queriam arrecadar até R$ 15 bilhões tungado 7,5% em cima do
seguro-desemprego. A ideia não andou.
Lula e os evangélicos
A coordenação política do governo de Lula 3.0
não é nenhuma esquadra inglesa, mas ela conseguiu ganhar alguma influência
sobre parte da poderosa banda evangélica.
Numa conta de padaria, ela pode ter até 90
parlamentares.
3 comentários:
A privataria brasileira conseguiu vender inseticida às formigas.
Vivemos em um País de Eremildos,rs.
É verdade, Ademar! Eremildos abundam por aí...
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