domingo, 20 de outubro de 2024

Míriam Leitão - O PT, o trabalho e as eleições

O Globo

O PT deve fugir de explicações fáceis para o seu fraco desempenho eleitoral, e evitar a volta às velhas poções mágicas

A derrota da esquerda nas eleições ficará mais evidente caso se confirme o cenário mais provável em São Paulo, que é a vitória do atual prefeito. A cidade tem tamanho e relevância para separar derrotados de vencedores. Mas o entendimento dessa derrota talvez se perca nos clichês de sempre. Um deles é o de que o PT não teria entendido o impulso ao empreendedorismo que atraiu os eleitores de Pablo Marçal. Há alguns erros nessa ideia. A lei do Microempreendedor Individual (MEI) foi criada por Lula no seu segundo mandato. O que levou eleitores a Marçal ainda nem foi entendido, e não pode ser simplificado.

O mercado de trabalho brasileiro historicamente teve altos níveis de informalidade, portanto o sindicalismo — que produziu uma força política de esquerda — sempre falou com apenas uma parte dos trabalhadores. A precarização do trabalho não nasceu com a uberização. Sempre houve precarizados no Brasil. Nos momentos de grande desemprego, viraram trabalhadores por conta própria. Alguns viram a chance de realização de velhos sonhos e tiveram sucesso. Outros permaneceram em situação precária. Não é um fenômeno novo na economia, e para ele, o PT até deu uma resposta.

A lei do MEI é de 2008. Em 2013, havia 13,5 trabalhadores na CLT para cada MEI. Hoje são 2,4 trabalhadores com CLT para cada microempreendedor. Esses números indicam que sim, o projeto de dar formalidade aos trabalhadores individuais funcionou. Eles pagam apenas 6% de encargo social e isso aponta para outros problemas, como a queda do financiamento da previdência.

Aqui o ponto é político. A ideia de que a esquerda não consegue falar com os novos empreendedores tem fundamento? Talvez. Contudo, o que aconteceu nessa eleição pode ter outra natureza. A montanha de votos que teve Pablo Marçal mostra que o fenômeno precisa ser estudado, mas o que ele vendia não era a prosperidade viável através do empreendedorismo. Era a ilusão de um milagre a ser feito com truques e golpes. O enganador sempre foi muito atraente.

A eleição municipal ainda nem terminou e já mostrou que sua análise é um imenso desafio. Se está claro que o PT teve um desempenho pífio, o vencedor está menos evidente. O PSD é apontado como grande vitorioso. Perguntei a Gilberto Kassab como o partido faria para atrair a esquerda em Curitiba e em Belo Horizonte, cidades nas quais está traçando armas com candidatos bolsonaristas.

— Acho que mais do que a esquerda, o PSD está conseguindo conquistar o centro. As candidaturas opostas às nossas são de direita, têm o nosso respeito, mas vamos ganhar porque os eleitores de centro em Curitiba e em Belo Horizonte querem moderação e são o que o Eduardo ( Pimentel) e o Fuad (Noman) representam.

Kassab explicou a métrica que usa para concluir que o centro venceu.

—Comparando os votos que tiveram PSD, MDB e União Brasil verá que a somatória de votos para prefeito no primeiro turno é bem maior do que os votos da direita, que são PL, o PP e o Republicanos, ou da esquerda, com PT, PSOL, PDT e PSB.

Só que, em São Paulo, o candidato do MDB, apoiado pelo PSD, tem como grande defensor o governador do Republicanos, Tarcísio de Freitas, que diz que seu líder é Jair Bolsonaro, do PL. Quando perguntei sobre essa contradição, Kassab respondeu que não há contradição, que o nome disso é “composição”.

Na verdade, o que não falta nessa eleição é contradição. O PDT do Ceará fortalecer, por ação ou omissão, o candidato bolsonarista, em vez de apoiar o PT é total incoerência. Em Fortaleza, o campo progressista unido faria a diferença. Pelo Datafolha, André Fernandes, do PL, está com 45% e Evandro Leitão, do PT, com 43%. Na Quaest é empate numérico: 43% a 43%.

Se existem nuances na vitória, é certo que o partido que está no governo federal conseguiu apenas magros resultados no país, e precisa se repensar sim, de preferência fugindo das explicações fáceis.

Uma parte do PT sempre defendeu o aumento de gastos públicos para levar o país ao crescimento acelerado e às vitórias políticas. É nesse ponto que mora o perigo. Isso foi usado pelo partido no passado e acabou em inflação, recessão e derrota. Portanto, antes que voltem a essa confusão, o que ocorre recorrentemente, é bom lembrar que a atual política econômica trouxe o país a um crescimento mais forte do que o previsto, com desemprego baixo e inflação relativamente baixa. Não é culpa da economia.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O Centro venceu,que bom,o caminho do meio é sempre o mais sensato,já dizia o filósofo.