Folha de S. Paulo
Mesmo envolvendo o combate à fome, tema
impossível de divergir, cenário internacional é desafiador
O presidente Lula,
presidindo a cúpula do G20 num
maravilhoso dia de sol no Rio de
Janeiro e com a presença dos principais líderes mundiais,
inaugura uma nova aliança
global de combate à fome.
Uma notícia assim, 20 anos atrás, seria a consagração máxima de um líder que
ruma para a apoteose.
Neste fim de 2024, no entanto, o sentimento é outro. Apesar do dia de sol, o clima é sombrio. Foi o próprio Lula que, com muito realismo, reconheceu em seu discurso de abertura: "Estive na primeira reunião de líderes do G20, convocada em Washington no contexto da crise financeira de 2008. Dezesseis anos depois, constato com tristeza que o mundo está pior."
E por que piorou? Em primeiro lugar, porque está mais dividido. Isso faz com que seja difícil chegar a consensos sobre qualquer tema. Como falar algo relevante sobre guerras num grupo que reúne Rússia, China, EUA e Europa? Melhor manter apenas um genérico apelo pela paz. Lula tem o mérito de abraçar um dos poucos temas dos quais (ainda) é impossível divergir: o combate à fome.
Mesmo assim, o cenário é desafiador. Os
países estão mais nacionalistas e menos dispostos a investir na cooperação
internacional. Em dois meses Trump será
presidente dos EUA e tornará obsoletos quaisquer acordos que Biden fizer.
Por que gastar dinheiro com o mundo em vez de colocar os americanos em
"primeiro lugar"?
O próprio valor da cooperação
internacional —e do multilateralismo— é hoje contestado;
primeiramente, quanto à sua eficácia. Há uma percepção de que as cúpulas criam
todo um espetáculo, a imprensa cobre com verdadeira devoção, chefes de Estado
posam para mostrar como são bons, lindos documentos são assinados, todo mundo
volta para casa e nada acontece. Apenas gastou-se dinheiro e atenção para
alimentar a vaidade de políticos e diplomatas.
Em segundo lugar, questiona-se a própria
legitimidade dos fóruns globais. Segundo a tese do "globalismo",
todas as estruturas de cooperação internacional multilateral são, na verdade,
nocivas. Elas arrasam economias, destroem culturas e valores locais e anulam a
soberania nacional em benefício de uma casta de plutocratas e burocratas
globais. O discurso de boas intenções é mentiroso.
Trump e Milei são
dois líderes que ecoam essas percepções. Mas por trás de ambos estão milhões de
eleitores. Eleitores que também existem aos milhões na Europa,
na Ásia e
no Brasil. Não é óbvio para eles que algo como o G20 (ou mesmo a ONU) seja
relevante, eficiente ou bem-intencionado.
É inútil pensar em objetivos mais ambiciosos
para os órgãos internacionais enquanto a legitimidade deles perante os povos
não for reconstruída. Uma parte desse trabalho depende de seus participantes se
engajarem de forma mais aberta no debate público sem esperar a bajulação de
costume. Outra é alcançar resultados concretos que possam depois ser mostrados.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que contou com 82 assinaturas e um
aporte inicial de US$ 25 bilhões do BID, é um bom lugar para começar. Se, daqui
alguns anos, ela tiver apenas manifestos grandiosos, escritórios espalhados
pelo mundo, linhas de financiamento bilionárias mas um resultado pífio, será
mais um prego no caixão do multilateralismo.
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